Luís Justiniano Haiek Fernandes

Como vem sendo divulgado recentemente, uma decisão proferida pelo juiz Sergio Moro impõe limites a investigações para “proteger empresas e delatores da Lava Jato” [<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>]. Apreciando pedido de representantes do Ministério Público Federal, a decisão proibiu o uso de provas obtidas no âmbito da Operação Lava Jato contra delatores e empresas que reconheceram crimes e passaram a colaborar com os procuradores à frente das investigações, salvo expressa autorização do juízo criminal [<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>].
Essa medida revela-se fruto do cenário jurídico e dos fatos que se desenvolvem na esteira e como consequência da Operação Lava-Jato. No plano jurídico, um cenário de fragmentação das competências, com potencial conflito no exercício das mesmas. No plano fático, por que essa fragmentação enseja uma certa disputa reputacional entre os órgãos de controle. A conclusão que se extrai desse cenário – reforçado pela decisão do juiz Sergio Moro – é a de que o Supremo Tribunal Federal precisa urgentemente dirimir essa relevante controvérsia.
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Por um lado, nosso cenário de fragmentação das competências não está produzindo efeitos danosos apenas a partir da Operação Lava-Jato. A duração, o largo alcance (vertical e horizontal) das investigações, os volumes de recursos e a importancia política e econômica dos agentes envolvidos nessa operação fizeram apenas com que algo que já era sentido em dimensões mais pontuais, agora tenha exposto os efeitos colaterais gravíssimos dessa fragmentação.
Não é de hoje que empresas e cidadãos convivem com um sistema fragmentado e sem travas ou garantias de unidade decisória. São incontáveis os exemplos de cidadãos ou empresas que, tendo um inquérito civil público arquivado por reconhecimento da licitude das condutas, por exemplo, é posteriormente objeto de processo instaurado pelas cortes de contas e condenado pelos mesmos fatos, ou vice-versa.
No plano jurídico, tudo isso se desenrola e é validado em nome da independência das instâncias. No imaginário coletivo, prevalece a ideia de que, sempre, quanto mais controle, melhor, de onde, quanto mais órgãos de controle, exercendo funções sobrepostas, para fiscalizar os mesmos fatos, melhor.
Levando essa premissa ao extremo, o resultado é, notoriamente, o absurdo. C. S. Lewis ilustra com a lembrança de alguém que achou que certo tipo de fogão reduziria a sua conta de gás pela metade e, então, concluiu que dois fogões do mesmo tipo lhe permitiriam aquecer a sua casa sem nenhum gasto de gás<a href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>. Dito de outro modo, se o controle (atividade meio) fosse a panaceia, por que então não abrirmos mão das atividades fim? Alguma racionalidade (o que predica a necessidade de alguma limitação) deve presidir o sistema de controle das atividades da administração no país. As múltiplas e fragmentadas competências constitucionais asseguradas ao Ministério Público (Federal, Estadual, do Trabalho), aos Tribunais de Contas, aos órgãos de Controle Interno, às Agências Reguladoras, ao Tribunal Administrativo de Defesa Econômica não podem ser interpretadas de modo a que se chegue ao absurdo. A existência de vários órgãos dotados de independência não pode predicar a ausência de articulação e coordenação sistêmica.
Inexistindo essa racionalidade, o sistema de controle ganha contornos excessivamente dilatados e caóticos, fazendo com que reine a insegurança. Dito de outro modo, a insegurança jurídica não pode ser a única garantia (ou consequência prática) oferecida a quem se relaciona com o Estado brasileiro nessa matéria e busca superar situação na qual operava praticando ilícitos.
Não se trata de modelos benevolentes para com os infratores aqueles que permitem a autoridades europeias ou dos Estados Unidos que firmem acordos definitivos que permitam a empresas que virem a página em histórias de escândalos.<a href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a> A segurança para quem firma os acordos é essencial não só para que os acordos sejam “atrativos”, mas para que empresas sobrevivam, e com elas empregos, conhecimento, capacidade produtiva, capacidade de desenvolvimento tecnológico, etc.
Na esteira da insegurança vivenciada, enquanto o quadro jurídico levar a incertezas no cenário de fragmentação de competências, ganha espaço uma deletéria disputa reputacional. Órgãos de controle disputam entre si o título de máximo defensor da moralidade e do interesse público.
Por um lado, essa disputa poderia ser debitada à conta, exclusiva, do estrito cumprimento do dever funcional de cada qual (cada órgão, por seus membros, afirma que poderia até estar prevaricando se não exercesse em plenitude suas competências). Por outro, porém, às vezes observa-se resultado que ultrapassa esse âmbito estritamente institucional de dúvidas sobre as competências para revelar, no plano subjetivo, um esforço no sentido de se apontarem (direta ou indiretamente) falhas nos acordos entabulados por outros órgãos de controle com vistas ao enaltecimento de um órgão em detrimento de outro. Essa disputa tende a se afastar dos objetivos puramente republicanos.
Seja pela necessidade de prover situações mais seguras quanto ao tema da fragmentação de competências, seja para afastar atuações patológicas no campo da pura e simples disputa reputacional entre órgãos, é essencial e urgente que se enfrente esse tema, de forma definitiva e abrangente, sem a suspeita de que se trata de iniciativa para cercear a Lava Jato ou promover a chamada “impunidade”. Neste sentido a insuspeição do juiz Moro e a veemência de sua decisão podem ser o estopim para este processo de solução.
Seu grande mérito é revelar a relevância desse conflito e os efeitos deletérios da atuação simultânea, paralela e descoordenada entre os múltiplos órgãos de controle. Mais do que isso, ela confirma que limitações são necessárias.
Mas elas só serão consolidadas a partir de uma interpretação ampla e sistemática, pelo órgão incumbido de pacificar a interpretação da Constituição Federal, impondo-se a todos os órgãos: o Supremo Tribunal Federal. Nos julgamentos de questões relacionadas à Operação Lava Jato por seguidas vezes já se reconheceu que a corte tem um encontro marcado com a solução dessas questões. Ela vai se tornando cada vez mais urgente, dado que a paralisia que a insegurança proporciona é um, dentre vários outros, fatores de entrave aos investimentos e à retomada do desenvolvimento. O problema de adiar permanentemente o encontro marcado é que a vida real não costuma esperar os retardatários. Afinal, diz o brocardo que o direito não socorre aos que dormem!
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<div id="sdfootnote1">
<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/moro-trava-investigacoes-para-proteger-empresas-e-delatores-da-lava-jato.shtml
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> “Ante o exposto, defiro o requerido pelo MPF e promovo o aditamento o aditamento de todas as referidas decisões para a elas agregar que está vedada a utilização dos elementos informativos e provas cujo compartilhamento foi anteriormente autorizado por este Juízo contra pessoas que celebraram acordo de colaboração com o Ministério Público no âmbito da assim denominada Operação Lavajato, bem como contra empresas que celebraram acordo de leniência. Caso pretendida a utilização das provas ou das informações com esta finalidade, ficará ela sujeita à autorização específica deste Juízo, ou seja, da apresentação de novo requerimento.”
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> A abolição do homem (Clássicos C. S. Lewis) (Locais do Kindle 741-746). Thomas Nelson Brasil. Edição do Kindle
</div>
<div id="sdfootnote4">
<a href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> https://www.nytimes.com/2008/12/16/business/worldbusiness/16siemens.html
</div>

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JOTA

Sobre a decisão proferida por Moro que impõe limites a investigações para 'proteger empresas e delatores da Lava Jato'

O Supremo e o encontro marcado com a fragmentação de competências

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