Tércio Chiavassa

Andréa Mascitto

Em tempos de crise econômica com acentuado déficit nas contas públicas, o Governo Federal busca limitar despesas e ampliar as fontes de receitas. O seu sucesso, contudo, dependerá do apoio do Legislativo e também do Judiciário.
Nesse contexto, e para citarmos exemplos recentes, observamos esse claro sinal de apoio do Legislativo para contenção dos gastos públicos com a aprovação da PEC 55/2016, lançando ainda o pacote de medidas para incentivar a economia brasileira (dentre elas o Programa de Regularização Tributária), bem como buscando ampliar fontes de receitas mediante diversos projetos em tramitação, dentre os quais citamos: (i) o PLS 45/2016, que visa extinguir paulatinamente a dedutibilidade das despesas com o pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP); e (ii) o PLS 430/2016, que pretende instituir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre a comercialização da produção e da importação de refrigerantes e bebidas açucarados (“CIDE-Refrigerantes”).
O Judiciário, por sua vez, tem se mostrado cada vez mais sensível aos argumentos de cunho econômico e disposto a revisitar temas que podem afetar a repartição de receitas e a própria arrecadação. Dentre esses temas, fazemos menção à retomada da discussão de aspectos relativos às Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDEs).
No final de 2016, o Supremo Tribunal Federal se debruçou sobre 2 ações tratando de CIDEs:
(i) na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5628, o Ministro relator Teori Zavascki concedeu liminar garantindo aos Estados e ao Distrito Federal o direito de receberem o repasse constitucionalmente assegurado de 29% da arrecadação da CIDE-Combustíveis pela União Federal sem qualquer desconto da parcela da Desvinculação das Receitas da União (DRU), ao fundamento de que tal dedução imposta pela parte final do artigo 1º-A da Lei 10.336/01 seria inconstitucional por violar o pacto e o equilíbrio federativo e também porque a DRU diz respeito exclusivamente à “destinação material” dos recursos (onde eles são empregados) e não à sua repartição; e
(ii) na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 37, o Ministro relator Ricardo Lewandowski dispensou a análise da liminar e pediu o julgamento definitivo de mérito pelo colegiado após a vinda das informações do Presidente da República e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), bem como oitiva da Advocacia Geral da União e Procuradoria Geral da República. A ação visa à suspensão da cobrança da CIDE que destina recursos ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) por falta de efetiva aplicação dos valores arrecadados nas finalidades que justificaram a sua instituição e por obsolescência de seus propósitos relativos à telefonia fixa, dada as novas tecnologias de mercado. Na referida ADO, o Conselho Federal da OAB aponta que o Poder Executivo teria intenção de redirecionar tais recursos para finalidade não expressamente prevista na norma instituidora de sua cobrança e, por isso, pede seja também vedada a referida tredestinação do saldo acumulado no FUST. Finalmente, pede-se a apresentação e aprovação de nova política pública que possa suprir a omissão e destinar tais recursos de forma adequada e juridicamente legítima.
Observa-se que, com o julgamento da primeira ação acima citada, o STF redistribuiu parte do dinheiro que até hoje ficava nos cofres federais para os estaduais e distrital. Isto é, o governo federal iniciou a guerra perdendo a primeira batalha.
Na segunda ação, embora ainda não julgada, parece-nos que há espaço para a discussão sobre a inconstitucionalidade superveniente das diversas CIDEs cobradas atualmente.
Explicamos. A CIDE é uma espécie tributária cuja validade está intimamente ligada à referibilidade; ou seja, a sua instituição e cobrança dependem da previsão e efetivo custeio de uma atividade estatal voltada para um determinado grupo ou segmento econômico.
Ainda que uma CIDE tenha sido legitimidade instituída, se os recursos dela decorrentes não sejam destinados ao fim que justificou sua instituição (seja porque não aplicados, seja porque destinados para outra finalidade) pode-se questionar a perda da competência e capacidade tributária da União Federal para instituir e cobrar aquela CIDE, o que poderá fulminar a obrigação jurídico-tributária e ocasionar a invalidade da exigência em razão do desvirtuamento da natureza jurídica da espécie tributária. Esses seriam os fundamentos jurídicos de eventual inconstitucionalidade superveniente.
Nesse sentido, cabe relembrar que o STF vem paulatinamente se mostrando mais aberto a essa discussão. Na década de 1990, o Supremo raramente adentrava a discussões afeitas à efetiva destinação e aplicação dos recursos de contribuições arrecadadas. Em controle concentrado[1], baseava-se precipuamente no argumento de que o orçamento era baseado em norma de efeito concreto que não poderia ser apreciada abstratamente. Já no controle difuso, porque entendia que os efeitos de eventuais tredestinação se restringiriam a sanções administrativas, cíveis e eventualmente penais dos gestores públicos, e não afetariam a constituição da obrigação tributária em si e/ou a validade jurídica da norma instituidora de sua cobrança[2]. 
Já na década de 2000 em diante, o STF passou a rediscutir o tema e demonstrou se ressentir de muitos julgamentos não enfrentados; como se pode observar das discussões havidas na ADI nº 2.295-8, julgada em dezembro de 2003. A partir de então, passou a enfrentar mais o assunto e, no RE nº 183.906, julgado em 2007 e que tratava em realidade da invalidade de majoração de alíquota do ICMS com destinação específica, o Ministro Carlos Velloso expressamente pronunciou que, se a destinação da espécie tributária das contribuições não for correta nos termos preconizados pela Constituição Federal, sua exigência deixa de ser legítima, fazendo surgir para o contribuinte o direito de não pagá-la.
Observa-se daí o espaço que vem sendo aberto para a argumentação da inconstitucionalidade superveniente a que nos referimos e é tratada também na ADO nº 37.
Tal argumentação, entretanto, não pode ser meramente retórica, devendo ser comprovada por dados concretos e robustos que a finalidade realmente não foi atingida, ou seja, a verba não foi destinada para aquela despesa inicialmente idealizada.
O governo federal tem o dever de divulgar os seus resultados orçamentários, e suas contas são anualmente revistas pelo Tribunal de Contas da União Federal (TCU). Na prática, o resultado da revisão de contas feita pelo TCU, aliada às informações públicas disponíveis no site do Senado Federal sobre a destinação de recursos, trazem elementos fáticos idôneos aptos a suportarem eventual discussão[3], já que tal espécie tributária possui uma destinação específica que deve ser cumprida e, se tal finalidade não for alcançada, haverá possibilidade de os contribuintes questionarem essa inconstitucionalidade superveniente das CIDEs.
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[1] A exemplo da ADI nº 1.640-7, julgada em 12.2.1998, ocasião em que o STF não aceitou intervir na inadequada autorização da destinação de parte da CPMF para a cobertura de gastos do Ministério da Saúde com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). 
[2] A título ilustrativo, extrai-se trecho do RE 138.284-8, julgado em 1.7.1992, e no qual o relator (Ministro Carlos Velloso) afirmou que importa perquirir se a norma que legitima a cobrança impõe claramente sua destinação; porém, “se o produto da arrecadação for desviado de sua exata finalidade, estará sendo descumprida a lei, certo que uma remota possibilidade de descumprimento da lei não seria capaz, evidentemente, de torná-la inconstitucional”. 
[3] Fazemos referência a esse tema no livro “Consequências jurídico-tributárias do desvio das receitas de contribuições – Análise sob o enfoque da CIDE-Combustível”, Editora Quartier Latin, 2013.

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JOTA

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O Supremo e a exigência da CIDE

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