Cibelle Linero

Em novembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão que, na prática, indica que a Corte não vê diferenças nas mulheres que trabalhavam em 1943 e nas profissionais de 2015. Para o STF, o art. 384 da CLT não fere a Constituição ao determinar um intervalo de 15 minutos entre o fim da jornada regular de trabalho das mulheres e o início do período de hora extra. O problema é que não se trata de um direito, e sim de uma obrigação. Para sorte das profissionais de 2015 – e por que não dizer do próprio Supremo –, o julgamento foi anulado por uma falha na publicação de sua data e nova sessão de julgamento será marcada. Enquanto isso, temos um “intervalo” para mostrar ao Supremo como analisar a questão do ponto de vista da mulher do século 21, que ocupa as mesmas funções que qualquer homem – duas delas, por sinal, nesta Suprema Corte – e não mais atua em um Brasil em fase inicial de industrialização, como nos anos 40.
A questão pode ser vista sob o ponto de vista teórico e meramente acadêmico, como muitos que apoiaram a decisão preferem fazer, mas proponho a análise da repercussão negativa da decisão sob outro viés, qual seja, o da realidade fática do mundo do trabalho e da vida das mulheres.
Estamos em 2015, o mundo é incomparável àquele de 1943, quando o Estado Novo de Getúlio Vargas criou o direito ao intervalo apenas para as mulheres. Havia um racional por trás desse suposto direito determinado pelo regime ditatorial de então, considerando as ocupações comumente exercidas por mulheres na época e a completa ausência de preocupação em dar oportunidades iguais, sem distinção de gênero.
Ainda que se possa argumentar que – ainda hoje – mulheres e homens tenham diferenças biológicas capazes de justificar uma menor resistência física da mulher, é necessário colocar em perspectiva outras questões da vida contemporânea.
As mulheres reconhecidamente tendem a ter jornada dupla, uma vez que, após a rotina de trabalho, retornam para suas casas e cuidam, no sentido mais amplo possível, de suas famílias/casas.
Evidente, portanto, que as mulheres têm pressa, e não têm nem 15 minutos a perder! É natural que toda e qualquer mulher, quando diante da necessidade de estender a sua jornada de trabalho, por qualquer motivo, queira que tal fato não se prolongue. Se é necessário permanecer no trabalho em detrimento de logo ir para o convívio com a família/amigos, as mulheres querem que tal fato seja o mais breve possível. Em outras palavras, 15 minutos de intervalo antes da jornada extraordinária implica retornar para a vida privada 15 minutos mais tarde do que se deseja. Esses 15 minutos fazem falta, são caros à mulher moderna.
O que os Ministros do Supremo deveriam fazer é perguntar a qualquer mulher o que ela prefere: descansar 15 minutos antes de fazer hora extra ou ir embora o quanto antes para sua casa? A resposta provavelmente será uníssona! Todas preferem sair do trabalho o quanto antes.
Dizer que não há levantamento técnico ou científico a amparar a conclusão acima – como fez originalmente o STF - é equivocado. Ora, é provável que não haja levantamento específico sobre os impactos do intervalo de 15 minutos prévios à jornada extra e o acesso ao mercado de trabalho, até porque, desde 1988, a tendência, inclusive do TST, foi no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, e não o contrário. Mas uma simples pesquisa de campo, um debate com a sociedade, traria a resposta óbvia e de forma rápida. Como se não bastasse, há dados estatísticos sobre as dificuldades, em geral, do acesso das mulheres ao mercado de trabalho, os desníveis salariais, as dificuldades de acesso às melhores posições, etc<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Esses dados são suficientes para demonstrar que a criação ou o renascimento de um “direito” exclusivo às mulheres – direito esse desligado dos direitos atinentes à maternidade – tende a ser mais prejudicial do que favorável.
Colocar todas as mulheres no mesmo balaio; comparar o intervalo do art. 384 às limitações de esforço físico ou a questões relativas à maternidade, é desconectar-se da realidade. Se o intervalo responde a algum imperativo de saúde e higiene no trabalho, não deveria ser acolhido apenas para as mulheres. Um trabalho extenuante, como regra, atinge qualquer trabalhador.
Se a decisão se repetir no novo julgamento, há dois cenários possíveis, ambos indesejáveis. O primeiro, como dito, é o flagrante retrocesso das conquistas das mulheres no mercado de trabalho, as quais, mais uma vez, serão preteridas pelos homens, quando concorrerem à mesma vaga de trabalho. Não menos provável será a situação em que as mulheres pedirão a seus empregadores para não fruir o intervalo em prol de terminarem o quanto antes as suas atribuições e deixarem o ambiente de trabalho.
E, ao conceder o inexistente direito de não usufruir o intervalo (considerando que, na qualidade de norma de ordem pública, não é passível de flexibilização nem sequer por negociação coletiva), os empregadores descumprirão a legislação e assumirão o risco de serem autuados e/ou de enfrentarem questionamentos coletivos (via ações movidas pelos Sindicatos ou pelo Ministério Público do Trabalho) e até mesmo individuais, pois nada impedirá a mulher – após o fim do contrato de trabalho – de tentar converter esse direito em ganho financeiro, requerendo o pagamento de horas extras por supressão de intervalo legal.
Ao generalizar um direito que deveria se voltar a determinadas atividades, cria-se, portanto, a oportunidade de desagradar as mulheres (quando se cumprir a lei) e, por outro lado, de dar-lhes uma chance de facilmente ter um ganho meramente econômico e sem qualquer conexão com a verdadeira luta por igualdade de direitos no mundo do trabalho. Não faz sentido e não representa uma conquista (não no século 21)!
As mulheres demandam tratamento diferenciado em diversos aspectos, especialmente os concernentes à maternidade, mas o tempo à disposição de suas próprias vidas é muito mais valioso do que a pausa que se quer ressuscitar.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Segundo dados do IBGE, O número de médio de horas semanais trabalhadas pelas mulheres, em 2011, foi de 39,2 horas, contra 43,4 horas dos homens, ou seja, uma diferença de 4,2 horas entre homens e mulheres. (...) O rendimento médio do trabalho das mulheres em 2011 foi R$ 1.343,81, 72,3% do que recebiam os homens (R$ 1.857,63). Esses valores indicam uma evolução no rendimento em relação ao ano de 2003, quando a remuneração média das mulheres foi de R$ 1.076,04. Entretanto, pelo terceiro ano consecutivo o rendimento feminino mantém a mesma proporção (72,3%) em relação ao rendimento dos homens, em 2003 as mulheres recebiam 70,8% do que recebia, em média, um homem. (...) As mulheres, independente do grupo de anos de estudo que se enquadrem, em média, recebem menos que os homens. Entretanto, em situações extremas a diferença de rendimentos é menor. Nos grupos de pessoas que não possuem instrução ou tem menos de 1 ano de estudo a proporção da remuneração das mulheres em relação a dos homens é maior que em todos os outros grupos (<a href="http://ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Mulher_Mercado_Trabalho_Perg_Resp_2012.pdf">http://ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Mulher_Mercado_Trabalho_Perg_Resp_2012.pdf</a> acesso 08/10/15)

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JOTA

Artigo em questão é incompatível com a vida da mulher moderna

O STF tem a chance de rever a obrigação do intervalo prévio à jornada extraordinária

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