Aldem Johnston

A partir do dia 17 de abril de 2020, quando o <a href="https://www.jota.info/stf">STF</a> finalizou o julgamento virtual do RE 636.886 AL e fixou para o tema 899 a tese de que “é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tribunal-de-contas">Tribunal de Contas</a>”, o eterno debate sobre a incidência da prescrição nas pretensões sancionatória (exercida quando da aplicação de penalidades pecuniárias) e ressarcitória (exercida quando da imputação de débito por dano ao erário) dos Tribunais de Contas ganhou um novo colorido.
Ao fixar o tema 899, o STF entendeu que “a pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos reconhecida em acórdão de Tribunal de Contas prescreve na forma da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm">Lei 6.830/1980</a> (Lei de Execução Fiscal). Dessa forma, julgou não ser aplicável a tese da imprescritibilidade de ações de ressarcimento com amparo no § 5º do art. 37 da Constituição, salvo naquelas fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992 (Tema nº 897 de Repercussão Geral). O acórdão considerou que, no processo de tomada de contas, o TCU não julga pessoas, não perquirindo a existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa, mas, especificamente, realiza o julgamento técnico das contas a partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo o acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o respectivo ressarcimento<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>”.
Diante do que restou decidido no STF, ficou a dúvida: se a pretensão executiva que decorre dos processos prescreve, o que dizer das pretensões sancionatória e ressarcitória nos processos em tramitação nas Cortes de Contas? Haveria a incidência de prescrição intercorrente?
Bom, o TCU apressou-se em firmar o quanto antes a sua posição, pois, como dito, tendo o julgamento do RE 636.886 AL sido finalizado em 17 de abril de 2020, já em 16 de junho daquele ano a Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) se posicionou quando da prolação do acórdão 6589/2020 no sentido de que o “entendimento proferido pelo STF no RE 636.886 (Tema 899 da Repercussão Geral), a respeito da prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário com base em decisão de tribunal de contas, alcança tão somente a fase judicial de execução do título extrajudicial, não atingindo os processos de controle externo em trâmite no TCU".
Neste particular, registre-se que em 5 de agosto de 2020, o acórdão 2018/2020 do Plenário daquela Corte de Contas replicou o teor do acórdão 6589/2020 da Segunda Câmara.
Na esteira do TCU, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) emitiu, em 23 de dezembro de 2020, a Nota Técnica nº 4/20, na qual se asseverou que “a tese jurídica fixada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Tema 899, de repercussão geral, no julgamento do Recurso Extraordinário n º 636.886, aplica-se somente no âmbito das ações de execução ajuizadas com base na Lei 6.830/1980 – Lei de Execução Fiscal, não alcançando os processos que tramitam no âmbito interno dos Tribunais de Contas”.
Pois bem, posto isso, diga-se que, em caráter monocrático, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/luis-roberto-barroso">ministro Luís Roberto Barroso</a>, concedeu, em decisão publicada no último dia 7 de abril, a segurança no MS 38.058/DF para anular, com relação ao impetrante, o acórdão 706/2021 proferido pelo TCU no qual, ao se julgar um recurso de reconsideração, havia imputado um ressarcimento ao erário no valor de R$ 540 mil.
O motivo? Como o processo de prestação de contas Furnas Centrais Elétricas S.A. relativo ao exercício de 2001 (processo TC 007.987/2001-1) ficou sem movimentação entre 5 de outubro de 2009 e 13 de março de 2015, o ministro Barroso aplicou o prazo da prescrição quinquenal da pretensão punitiva estabelecido no art. 1º da Lei 9.873/1999 (que regula, no âmbito da Administração Pública federal, o prazo prescricional do direito administrativo sancionador derivado do poder de polícia) também para a pretensão ressarcitória do TCU.
E mais, o ministro também aplicou ao caso, que é um nítido exemplo de prescrição intercorrente, o entendimento no já mencionado RE 636.886 (tema 899).
De tal sorte, a decisão monocrática no MS 38.058/DF evidentemente vai de encontro ao que o plenário do TCU decidiu no acórdão 2018/2020, e ao entendimento proferido na Nota Técnica nº 04/20, da Atricon.
Veja, é preciso destacar que a aplicação da Lei 9.873/1999 para eventualmente fulminar a pretensão punitiva (sancionatória) do TCU não é uma novidade no STF, basta ver, dentre vários outros exemplos, a ratio decidendi que informa o MS 32.201/DF e o MS 35.512/DF.
Inclusive há de se registrar que alguns Tribunais de Contas subnacionais contêm em suas Leis Orgânicas previsões de aplicação de prescrição de sua pretensão punitiva, como por exemplo o TCE/MG no art. 110-E da Lei Complementar Estadual nº 102/2008, o TCE/ES no art. 71 da Lei Complementar nº 621/2012 e o TCE/GO no art. 107-A da Lei nº 16.168/2007.
No total, entre alterações legislativas e entendimentos jurisprudenciais (ex.: Acórdão nº 268/2020 do TCE/AM no Processo nº 12.436/2019), 18 Tribunais de Contas subnacionais aplicam a prescrição quinquenal da pretensão punitiva.
A novidade que pode ser extraída do MS 38.058/DF é a da decretação da prescrição ressarcitória em caráter intercorrente, portanto.
Extraindo-se do MS 38.058/DF a referência expressa não só ao tema 899, mas também aos temas 666<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e 897<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> de repercussão geral, é lícito deduzir que: (i) a prescritibilidade do ressarcimento ao erário é uma regra ao passo que a imprescritibilidade é uma exceção restrita apenas e tão somente às hipóteses de atos dolosos tipificados na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-improbidade-administrativa">Lei de Improbidade Administrativa</a> e (ii) os Tribunais de Contas não podem imputar nota de improbidade em eventuais lesões ao erário.
Diante de tais deduções, é forçosa a conclusão de que, à luz do racional empregado no MS 38.058/DF, a Lei 9.873/1999 projeta sobre os Tribunais de Contas – e, apesar de ser uma lei federal, não faz sentido, ante ao princípio da simetria, restringir o entendimento do STF apenas ao TCU – tanto um prazo prescricional quinquenal sobre a pretensão punitiva, quanto um prazo prescricional sobre a pretensão ressarcitória o qual incide em: (a) cinco anos contados a partir do ato/fato que o Tribunal de Contas venha a analisar (actio nata) e (b) cinco anos contados a partir da instauração do processo por parte do Tribunal de Contas (intercorrente).
Desta feita, é preciso aguardar o trânsito em julgado do MS 38058/DF e as eventuais conformações ou reações dos Tribunais de Contas a este novo entendimento do STF.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Lima, Luiz Henrique, Controle Externo, 9ª ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021, págs. 400/401.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil".
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> "São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de atos dolosos tipificados na Lei de Improbidade Administrativa".

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JOTA

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O STF e a prescrição intercorrente nos Tribunais de Contas

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