Amanda Helena da Silva

Luana Karen de Azevedo Santana Carrazzoni

Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior

A partir das recentes decisões do <a href="https://www.jota.info/stf">Supremo Tribunal Federal</a> (STF) que reconheceram a prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário,<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> iniciou-se um debate sobre seus reflexos nos processos dos Tribunais de Contas, principalmente a tomada de contas especial, que visa à identificação de responsáveis e a quantificação do prejuízo.
Embora o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a> ainda rejeite a aplicação das teses fixadas pelo STF aos seus processos, são diversas as decisões judiciais que têm reconhecido a prescritibilidade da tomada de contas especial, por aplicação da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9873.htm">Lei 9.873/1999</a>, que estabelece a prescrição quinquenal da pretensão punitiva da Administração Pública.
As decisões judiciais, contudo, divergem entre si quanto à contagem do prazo quinquenal da referida lei – uma consequência da redação imprecisa de seu art. 2º, inc. II, que considera interrompida a prescrição “por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato”. Infelizmente, são comuns as decisões que interpretam o dispositivo de maneira a subverter a própria finalidade da lei, tornando impossível o reconhecimento da prescrição, por reconhecer dezenas de marcos interruptivos ou admitir a sua interrupção antes mesmo da citação das partes.
Na prática, essa interpretação permite que qualquer pessoa física ou jurídica esteja indefinidamente sujeita ao poder sancionatório estatal, pois bastaria que, internamente, a administração formalizasse sucessivos atos processuais classificados como “ato inequívoco, que importe apuração do fato”, como relatórios, pareceres ou despachos, sem a ciência da parte afetada, para manter válido o processo.
A interpretação é particularmente prejudicial quando se trata de tomada de contas especial, porque, nesse processo administrativo, o ônus da prova recai sobre o acusado. E quanto maior o lapso entre a ocorrência dos fatos e a citação, maior a dificuldade de produção probatória. Se a ratio decidendi da jurisprudência atual do STF, após longos anos de contenda, é primar pela segurança jurídica em face da perpetuação de um poder de cunho eminente sancionatório, admitir a interrupção do prazo prescricional antes mesmo da citação é um retrocesso gravíssimo à tese conquistada.
É nesse sentido que, em recente decisão no Mandado de Segurança 37751/DF, o ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/nunes-marques">Nunes Marques</a> julgou que atos praticados pela administração antes da ciência do acusado não interrompem a prescrição aplicável ao TCU, para instauração de tomada de contas especial. Julgando mandado de segurança impetrado por um prefeito, entendeu o ministro do Supremo que, em processos de tomada de contas especial relacionados a convênios, a prescrição quinquenal conta-se da data estabelecida para prestação de contas até a ocorrência da notificação<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
De fato, parece lógico que a imprecisão na redação de um dispositivo legal não pode permitir que um prazo prescricional seja interrompido por qualquer evento ou elemento juntado ao processo, antes mesmo que esteja constituída a relação processual – o que, segundo o TCU, ocorre somente com a citação válida por aquele tribunal<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> –, sob pena de violação à efetiva ampla defesa e ao contraditório, o que não se pode admitir em um Estado democrático de Direito.
Com o máximo respeito a quem possa divergir, este é o posicionamento que melhor se coaduna com a ratio da jurisprudência atual, de estabelecer um limite temporal para o Estado exercer seu poder sancionatório, inclusive, à pretensão ressarcitória.
Sob o tema, vale destacar:
<h3>O dano ao erário é prescritível?</h3>
Sim. Por meio dos Temas nº 666, 897 e 899 de Repercussão Geral, o STF entendeu que o dano ao erário é prescritível nas seguintes situações:
<ol>
<li>Atos ilícitos que não configurem ato doloso (quando há intenção ilícita pelo agente) de improbidade administrativa;</li>
<li>Execução de Acórdãos do Tribunal de Contas da União que indiquem prejuízo ao erário.</li>
</ol>
<h3>Qual o prazo de prescrição estabelecido?</h3>
Cinco anos, a contar da ocorrência dos fatos. O STF aplica, por analogia, o prazo quinquenal previsto no art. 1º da Lei 9.873/1999.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
<h3>Há interrupção do prazo prescricional?</h3>
Aplicando-se a mesma Lei 9.783/199, em seu art. 2º, interrompe-se a prescrição:
<ol>
<li>pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;</li>
<li>por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;</li>
</ol>
<ul>
<li>pela decisão condenatória recorrível.</li>
</ul>
<ol>
<li>por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal</li>
</ol>
A grande problemática que surge com a aplicação desse dispositivo é a imprecisão na redação do inciso II, que trata de “qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato”. É bastante subjetiva a interpretação desse dispositivo, podendo, em determinadas situações, levar ao absurdo de considerarem-se mais de 15 marcos interruptivos da prescrição em um mesmo processo, inviabilizando que a prescrição se concretize e perpetuando o atual – e criticado – cenário de inércia e morosidade estatal na fiscalização e na busca do ressarcimento ao erário.
<h3>O entendimento firmado pelo STF se aplica aos processos de tomada de contas especial, instaurados pelo TCU?</h3>
Embora este não seja o tema central das repercussões gerais apreciadas pelo STF, a jurisprudência da Corte vem se consolidando na aplicação do mesmo prazo quinquenal da Lei 9.783/1999 aos processos de competência do TCU. É, inclusive, o caso do precedente aqui examinado.
<h3>Em caso de prestação de contas referentes a convênios, há algum critério distintivo na contagem da prescrição?</h3>
Sim. Em relação a prestação de contas, como há marcos de entrega estabelecidos em normativo próprio, a jurisprudência do STF vem se consolidando no sentido de reconhecer a prescrição a partir da data prevista para entrega da prestação de contas, contando-se os cinco anos até a decisão que, não entendendo pela regularidade da prestação de contas, determina a citação do responsável<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
A Instrução Normativa nº 71/2012, do TCU<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> fixa marcos iniciais para a contagem do prazo de instauração da tomada de contas especial:
<ol>
<li>nos casos de omissão no dever de prestar contas, conta-se do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo para apresentação da prestação de contas;</li>
<li>nos casos em que os elementos constantes das contas apresentadas não permitirem a conclusão de que a aplicação dos recursos observou as normas pertinentes e/ou atingiu os fins colimados, da data-limite para análise da prestação de contas;</li>
<li>nos demais casos, da data do evento ilegítimo ou antieconômico, conhecida, ou da data da ciência do fato pela administração.</li>
</ol>
O mesmo critério é adotado nas ações judiciais, inclusive porque tais marcos geralmente constam dos acórdãos impugnados pela via judicial.
<h3>Qual o grande avanço no MS 37751/DF?</h3>
É importantíssima a referida decisão, visto que traz uma interpretação coerente do inciso IV do art. 2º da Lei 9.873/1999, considerando como marcos interruptivos não todo e qualquer ato que importe em apuração do fato, mas tão somente aqueles que tenham sido levado ao conhecimento do responsável.
Esse entendimento é bastante razoável, porque simplesmente admitir que “todo e qualquer ato de apuração” interrompa a prescrição dará ensejo a todo tipo de deturpação do entendimento consolidado a respeito da prescritibilidade do dano ao erário. Não raro, tem sido sustentado em ações judiciais um elevado número de marcos interruptivos da prescrição, que não representam mais do que meros atos de impulso oficial, sem qualquer repercussão para o processo e, principalmente, sem o conhecimento dos interessados.
Vale destacar, contudo, que o tema ainda é controverso no âmbito do STF, pois há decisões esparsas <a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> que admitem a interrupção da prescrição por atos realizados mesmo antes da notificação ou da citação do responsável.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Temas 666, 897 e 899, em repercussão geral.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “Neste cenário, entendo que ficou demonstrado a ocorrência da prescrição, por não ser imprescritível o direito da Administração Pública ao ressarcimento de valores e uma vez já terem se passado cinco anos entre a prestação de contas (em 21 de fevereiro de 2005) e a primeira notificação de ocorrência de irregularidade na aplicação de valores (em 27 de julho de 2012). Não há que se falar em interrupção de prescrição, porquanto não ocorreram marcos com aludida característica. Os atos levados a efeitos pela Administração entre citado período, de fevereiro de 2005 a julho de 2012, não chegaram ao conhecimento do impetrante”. STF. MS 37.751/MC. Relator: Ministro NUNES MARQUES.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> TCU. Acórdão 1522/2016-Plenário. Relator: Benjamin Zymler. No mesmo sentido: Acórdão 6941/2015-TCU-Primeira Câmara, 2437/2015-Plenário, 7880/2014-1ª Câmara, 2875/2014-Plenário, dentre outros.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> “Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.”
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> MS 36.274/DF, e MS 37.514/DF.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> BRASIL. Tribunal de Contas da União. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 71, DE 28 DE NOVEMBRO DE 2012. Atualizada. Publicado em: 25/05/2017 | Edição: 99 | Seção: 1 | Página: 49
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> MS 35208 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe-025 DIVULG 09-02- 2021 PUBLIC 10-02-2021. No mesmo sentido: MS 37913 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe-048 DIVULG 11-03-2022 PUBLIC 14-03-2022.

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JOTA

Atos realizados sem a ciência da parte não podem interromper a prescrição para tomada de contas especial

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STF e TCU: Atos realizados sem a ciência da parte não podem interromper a prescrição para tomada de contas especial