Pablo Silva Cesario

Segurança jurídica é um conceito abstrato, que envolve variáveis de difícil mensuração. Mas, em geral, tem a ver com a percepção de que as regras são claras e há uma cadeia de causas e consequências razoavelmente previsível. O papel dos tribunais, nesse caso, é tangível. Mais do que tratar de cada caso (prestação jurisdicional), as cortes, quando decidem, também ancoram expectativas. Seja pelo acúmulo de julgados ou por decisões de ampla aplicação, elas informam a sociedade sobre suas posições e, com isso, direcionam o comportamento dos agentes econômicos. Podem ser, portanto, um elemento para aumentar (ou diminuir) a segurança jurídica quando estabelecem um padrão claro (ou falham nesse propósito).
E o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) terá a oportunidade, na próxima quarta-feira, 1º de fevereiro, de debater um dos pilares da segurança jurídica: a confiabilidade de decisões judiciais transitadas em julgado. Devem ser apreciados nesta semana dois recursos extraordinários (RE 949.297, o relator é o ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/edson-fachin">Edson Fachin</a>; e RE 955.277, com relatoria do ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/luis-roberto-barroso">Luís Roberto Barroso</a>) que, em linhas gerais, questionam se decisões finais podem ser alteradas no futuro por uma interpretação posterior do próprio STF. O argumento da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/agu">AGU</a> é que uma mudança de entendimento do STF deveria alterar ou limitar decisões anteriores, para fazer prevalecer os princípios da isonomia e livre concorrência.
A discussão, portanto, é: quem dá e quando temos a palavra final? E isso, claro, tem efeitos na vida real.
Imagine um investidor, ou uma empresa, que já enfrenta o sistema tributário mais complexo do mundo, ao decidir sobre o investimento de seus recursos. Ela (ou ele), quando vencer um processo, terá também agora que conviver com o risco dessa decisão ser alterada, mesmo depois dos quase 19 anos de prazo médio para resolver uma questão tributária. Como calcular se um investimento vale a pena ser feito? Como calcular preços? Como calcular riscos?
Paras empresas e para os contribuintes em geral, um entendimento de que, sim, julgamentos já finalizados podem ser eventualmente revistos significa, na prática, que os processos nunca terminam. Independentemente do resultado, um julgamento pode ser alterado depois por um evento que não pode ser previsto, uma decisão futura do STF. Ao contribuinte seria exigido antecipar que temas serão examinados nos próximos anos (um viva aqui à divulgação de um calendário de julgamentos de seis meses!) e também o eventual resultado.
Não se deve exigir de empreendedores que tenham poderes premonitórios ou instintos autodestrutivos. Deveria bastar a vontade de trabalhar honestamente e de correr riscos para ter uma vida melhor no futuro.
Instituições ruins levam a comportamentos ruins. E assim já é o nosso sistema tributário. Mas a incerteza é paralisante. Acolher a tese de que processos transitados em julgado possam ser revistos por decisões posteriores é aumentar de maneira relevante a insegurança jurídica e a incerteza no Brasil. Em um ambiente de absoluta incerteza é impossível decidir. Porque não é possível elaborar cenários, identificar riscos, atribuir probabilidades de incidência e muitas vezes até os efeitos são imprevisíveis. Caso o STF venha mesmo a flexibilizar decisões finais, seria melhor que seus efeitos sejam sentidos apenas para o futuro, não alterando o passado. Quanto mais incerteza, menos investimento.
A decisão é, sempre, de quem tem responsabilidade de decidir. Mas decisões têm efeitos reais — e o STF já o reconhece. Já temos um ambiente de negócios ruim, não deveria ser prioridade piorá-lo. Elevar o nível de insegurança nos afasta do propósito de criarmos uma sociedade mais próspera e menos desigual. É preciso que o passado não se torne ainda mais incerto.

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JOTA

Acolher a tese de que processos transitados em julgado possam ser revistos é aumentar de maneira relevante a incerteza no Brasil

O STF e a insegurança jurídica que se pode tocar

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