Renan Bernardi Kalil

O panorama jurídico para a proteção dos trabalhadores no Brasil é desolador. As Leis n. 13.429/17 (terceirização) e 13.467/17 (reforma trabalhista), que reduziram o patamar de direitos trabalhistas, foram aprovadas sob o argumento de que estimulariam a geração de empregos<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>. Apesar de enfraquecer a posição do trabalhador, elas não concretizaram a promessa de criação de postos de trabalho: enquanto em 2017 o desemprego, na média, atingiu 13 milhões de pessoas, no primeiro trimestre de 2019 chegou a 13,4 milhões de brasileiros, segundo o IBGE<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>. 
Ainda assim, o movimento continua. A principal proposta do atual governo, a carteira verde-amarela, estabelece um regime paralelo ao celetista em que o trabalhador terá menos direitos. Mesmo que se diga que o trabalhador poderá optar pelo regime que lhe parecer mais conveniente, essa escolha é ilusória. A experiência histórica nos ensina. Nos anos 1960, a ditadura militar criou o FGTS, dando ao trabalhador suposta opção pelo novo regime ou pela estabilidade. Na prática, nenhum empregador contratava quem escolhesse o segundo<a href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>.
Diante desse cenário, é fundamental buscar os instrumentos internacionais de direitos humanos que o Brasil ratificou para avaliar de que forma os compromissos assumidos pelo país geram obrigações que podem proteger os trabalhadores. A Convenção Americana de Direitos Humanos (ou Pacto de San José da Costa Rica) apresenta um potencial ainda inexplorado para o Direito do Trabalho no Brasil, especialmente em razão dos recentes posicionamentos da Corte Interamericana.
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A Convenção Americana, ratificada pelo Brasil em 1992, ocupa um espaço próprio na hierarquia das normas brasileiras. O STF, ao tratar do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da referida Convenção, afirmou que “o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de decisão”<a href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>. Ou seja, as normas internacionais de direitos humanos, se alinhadas à Constituição, sobrepõem-se à legislação ordinária.
Em agosto de 2017, a Corte Interamericana publicou uma sentença histórica no Caso Lagos del Campo vs. Peru<a href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>. É a decisão que declarou, pela primeira vez, a violação do art. 26 do Pacto de San José da Costa Rica, que trata do desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais. O caso concreto tratava do descumprimento de obrigações relativas ao direito ao trabalho, relacionadas à estabilidade laboral.
A Corte realizou a seguinte interpretação. O art. 26 da Convenção Americana prevê que os Estados devem adotar providências para efetivar direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes na Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA). O direito ao trabalho se depreende a partir da leitura conjunta dos arts. 45.b, 45.c e 34.g da referida Carta. Além disso, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, que contém e define os direitos humanos essenciais previstos na Carta da OEA, como indicado no Parecer Consultivo 10/89 da própria Corte, consagra o direito ao trabalho em seu art. XIV. Ainda, a Parte I da Convenção Americana, que trata dos deveres dos Estados e dos direitos protegidos, engloba o Capítulo III, que versa sobre os direitos econômicos, sociais e culturais e é composto pelo art. 26. 
Nesse sentido, o direito ao trabalho deriva da interpretação do art. 26 da Convenção em relação à Carta da OEA e à Declaração Americana, sendo que os Estados signatários se comprometem a respeitá-lo e a garantir o seu livre e pleno exercício a toda pessoa sujeita à sua jurisdição, assim como a adotar, conforme suas normas constitucionais e disposições da Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para efetivar esse direito.
No caso Lagos del Campo vs. Peru, a Corte Interamericana desenvolveu o conteúdo do direito ao trabalho e, como consequência, identificou um direito à estabilidade no trabalho, em especial a partir da Comentário Geral n. 18 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU e, ilustrativamente, da Convenção n. 158 e da Recomendação n. 143 da OIT. O direito à estabilidade laboral gera quatro obrigações para os Estados: a) adotar medidas adequadas para a devida regulação e fiscalização desse direito; b) proteger o trabalhador e a trabalhadora contra a dispensa sem justa causa, por meio dos órgãos competentes; c) em caso de dispensa sem justa causa, remediar a situação (seja pela reintegração, seja pela indenização ou outras compensações previstas nas legislações nacionais); e d) oferecer mecanismos efetivos de reclamação em situações de dispensa injustificada para garantir o acesso à justiça e a tutela judicial.
Ainda, a Corte Interamericana estabeleceu que o direito à estabilidade laboral não implica a impossibilidade de rompimento do contrato de trabalho ou a permanência irrestrita no posto de trabalho. Contudo, caso o empregador decida dispensar o trabalhador, há a necessidade de apresentar os motivos que justificam o término da relação de trabalho. Em outras palavras, é necessário que a dispensa ocorra sob causas justificadas.
Sendo assim, considerando o posicionamento do STF sobre o lugar da Convenção Americana no ordenamento jurídico brasileiro e as obrigações do país decorrentes do art. 26 da Convenção, fica evidente que o Brasil deve tomar medidas para garantir que o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador concretize-se mediante motivação.
A obrigatoriedade da justificativa para o término do vínculo empregatício pelo empregador é um passo importante em direção à democratização das relações de trabalho. Essa exigência confere maior transparência a uma relação marcada pela desigualdade de poder entre as partes e faz com que a confiança, atributo identificado na formação e na execução do contrato, também esteja presente em seu término. O trabalhador ter ciência da razão que levou ao fim da relação de emprego permite que tenha mais elementos para orientar o seu futuro profissional e para aperfeiçoar o seu labor.
Há algumas opções para regular o tema. Uma delas é a elaboração de uma lei que estabeleça parâmetros para a motivação do término das relações de trabalho.
<a name="_GoBack"></a> Outra é a adoção da Convenção n. 158 da OIT. Na sentença do caso Lagos del Campo vs. Peru, a Corte Interamericana menciona como exemplo de regulação da dispensa de trabalhadores essa norma, que trata do término da relação de emprego por iniciativa do empregador e que exige, para a ruptura contratual, a apresentação de “uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço” (art. 4). Ainda, disciplina situações em que o fim da relação de emprego ocorra por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos (art. 13).
A Convenção n. 158 da OIT, um instrumento para o Brasil cumprir a sua obrigação de assegurar dispensa justificada oriunda do Pacto de San José da Costa Rica, foi ratificada em janeiro de 1995 e entrou em vigor em janeiro de 1996. Contudo, em novembro de 1996 o governo brasileiro denunciou a Convenção, que deixou de vigorar em novembro de 1997.
O ato de denúncia da Convenção foi praticado unilateralmente pelo Presidente da República, o que ensejou o seu questionamento no STF. A ADI n. 1625, ajuizada em junho de 1997, aponta que o referido ato é inconstitucional, pois haveria a necessidade de submetê-lo ao Congresso Nacional. Até o momento, 6 ministros votaram, sendo que três foram pela procedência em parte (a denúncia da Convenção depende do referendo do Congresso Nacional), um pela improcedência e dois pela procedência total (o decreto que denunciou a Convenção é inconstitucional). O STF, a depender da decisão que proferir nesse caso, poderá contribuir para que o país se adeque ao Pacto de San José da Costa Rica.
Independentemente da opção que se faça, deve-se ressaltar que a estabilidade laboral, oriunda do direito ao trabalho, é uma obrigação de caráter imediato, dado que não está sujeita a uma aplicação progressiva e não depende de recursos para a sua efetivação. Nesse sentido, ainda que se considere de aplicação mediata o art. 7º, I da Constituição Federal, que prevê como direito dos trabalhadores “a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”, o art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece a obrigação de motivar o término da relação de trabalho e, tendo em vista a sua hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro, é passível de ser exigida imediatamente. Corrobora esse argumento o voto do Min. Edson Fachin na ADPF 347, quando aponta que “o Pacto de San José da Costa Rica possui status suptralegal, conforme entendimento firmado por esta Corte, e, nos termos do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, suas normas tem aplicação imediata (...) Inexistem motivos para prorrogar a aplicabilidade da norma convencionada internacionalmente, sejam por razões de ordem técnica ou financeira, ou ainda de necessidade de adequação. A cultura jurídica precisa dar efetividade aos compromissos firmados pela República Federativa do Brasil e às normas positivadas democraticamente debatidas no âmbito do Poder Legislativo e sancionadas pelo Poder Executivo”.
As normas interamericanas de direitos humanos oferecem um caminho para reverter a tendência inaugurada em 2017 pelos Poderes Legislativo e Executivo de precarizar as condições de trabalho. Buscar a motivação da dispensa (ou estabilidade laboral, como estabelecido na sentença do caso Lagos del Campo vs. Peru pela Corte Interamericana), oriunda do direito ao trabalho, é um passo inicial. Cabe aos atores do sistema da Justiça do Trabalho avançar e pleitear a aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos nas relações de trabalho no Brasil com o objetivo de fazer frente ao desmonte do Direito do Trabalho. 
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<div id="sdfootnote1">
<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> FOLHA DE SÃO PAULO. Terceirização e reforma trabalhista vão gerar empregos, diz Meireles. São Paulo, 04 abr. 2017. Disponível em: <a href="https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/04/1872602-terceirizacao-e-reforma-trabalhista-vao-gerar-empregos-diz-meirelles.shtml">https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/04/1872602-terceirizacao-e-reforma-trabalhista-vao-gerar-empregos-diz-meirelles.shtml</a>. Acesso em 30 maio 2019; VALOR ECONÔMICO. Reforma trabalhista vai gerar 6 milhões de empregos, diz Meireles. São Paulo, 30 out. 2017. Disponível em: <a href="https://www.valor.com.br/politica/5176096/reforma-trabalhista-vai-gerar-6-milhoes-de-empregos-diz-meirelles">https://www.valor.com.br/politica/5176096/reforma-trabalhista-vai-gerar-6-milhoes-de-empregos-diz-meirelles</a>. Acesso em 29 maio 2019.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> AGÊNCIA IBGE. Entre 2014 e 2017, desemprego cresceu mais em Santa Catarina e no Rio. Brasília, 23 fev. 2018. Disponível em: <a href="https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24283-desemprego-sobe-para-12-7-com-13-4-milhoes-de-pessoas-em-busca-de-trabalho">https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24283-desemprego-sobe-para-12-7-com-13-4-milhoes-de-pessoas-em-busca-de-trabalho</a>. Acesso em 29 maio 2019; AGÊNCIA IBGE. Desemprego sobe para 12,7% com 13,4 milhões de pessoas em busca de trabalho. Brasília, 30 abr. 2019. Disponível em: <a href="https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24283-desemprego-sobe-para-12-7-com-13-4-milhoes-de-pessoas-em-busca-de-trabalho">https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24283-desemprego-sobe-para-12-7-com-13-4-milhoes-de-pessoas-em-busca-de-trabalho</a>. Acesso em: 29 maio 2019.
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> SEVERO, Valdete Souto. O desmanche do direito do trabalho e a recente decisão do STF sobre a prescrição. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, ano XI, n. 177, fev. 2015, p. 62.
</div>
<div id="sdfootnote4">
<a href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> STF. RE 349.703, rel. min. Ayres Britto, red. p/ o ac. Gilmar Mendes, P, j. 3-12-2008, DJE de 5-6-2009.
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<div id="sdfootnote5">
<a href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a> Corte IDH. Caso Lagos del Campo Vs. Peru. Exceções preliminares, mérito, reparações e custas. Sentença de 31 de agosto de 2017. Série C, n. 340.
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JOTA

Brasil deve garantir que término da relação de trabalho por iniciativa do empregador concretize-se mediante motivação

O sistema interamericano de direitos humanos e a motivação da dispensa

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