Rubens Glezer

Vivianne Ferreira

É sempre mais fácil contar as vitórias do que as derrotas. Esta série de artigos foi proposta porque temos um caso de sucesso: arriscamos em fornecer um grau extraordinário de autonomia para alunos de graduação e eles nos recompensaram com seu esforço e dedicação, com trabalhos de alta qualidade. Seria tentador parar nossa narrativa por aqui, mas não seria honesto. Em especial, não seria útil para quem tiver interesse em replicar algum tipo de experiência semelhante.
Em primeiro lugar, não é possível imaginar que alunos, em qualquer nível de escolaridade, vão simplesmente reagir com profissionalismo ao receber um amplo grau de autonomia para enfrentar uma tarefa ampla. Mesmo em um ambiente, como na FGV Direito SP, onde essa noção de autonomia foi trabalhada, é preciso pactuar constantemente com os alunos a relevância e a seriedade do que estão fazendo. Para isso, no início da disciplina, os estudantes tinham produtos individuais e coletivos a serem entregues semanalmente.
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As devolutivas eram orais, em sala de aula e rigorosas (mas sempre respeitosas). Se o aluno tem a impressão de que os professores não leem com cuidado o que pedem dos alunos, isso é meio caminho andado para a entrega de produtos medíocres. Essa cobrança rigorosa na fase inicial gerou notas que corresponderam a aproximadamente 25% da nota final de cada um e ajudaram a colocar um ritmo de seriedade na disciplina.
Além disso, a ideia de produtos claros e bem definidos é central. Se os alunos forem simplesmente exposto a um problema muito complexo, dificilmente desenvolverão um método para resolvê-lo por inteiro. Tenderão à paralisia ou focar em algum aspecto que não é necessariamente o que se almejava com a disciplina.
<blockquote class="jota-article__eye">A necessidade de produtos – com clareza e compatíveis com a disponibilidade horária dos discentes – é uma forma de colocá-los em um trajeto. Não é só uma forma de cobrança, mas um modo de guiá-los em uma espécie de raciocínio.</blockquote>
Propor então esses produtos de contorno muito claro e compatíveis com a disponibilidade e capacidade dos alunos está profundamente sujeita a equívocos. Erramos muito nesse processo, mas remediamos isso com uma posição muito clara de abertura a ouvir a sala, designando momentos específicos para discutir o andamento da disciplina.
Na medida em que nossa tarefa era profundamente experimental, precisamos ser francos a esse respeito com os alunos e demonstrar a humildade que eles poderiam dizer quanto sentiram que erramos. Isso permitiu um ajuste constante de expectativas de ambas as partes e, com isso, a repactuação de compromisso com a disciplina.
Desse modo, pudemos montar um ambiente em que os estudantes receberam a liberdade para escolher como enfrentar os desafios do sistema de adoção, mas sabendo que precisavam entregar produtos específicos que lhes auxiliariam a fazer isso.
Contudo, o compromisso dos alunos e alunas só foi efetivamente sedimentado pela perspectiva de que seus produtos teriam que ser apresentados no “mundo real”. A ideia de que as suas soluções seriam levadas a agentes relevantes e possivelmente implementadas foi central para manter o comprometimento na segunda metade da disciplina.
Se na primeira metade essa parece ser uma expectativa irreal aos alunos, na segunda metade – quando o tédio se abate inevitavelmente sobre os alunos – essa possibilidade os mantém seguindo em frente.
Em último lugar, há uma grande perplexidade sobre como atribuir as notas na porção de execução e implementação do projeto. Em primeiro lugar porque aparentemente não há lugar para um meio termo: ou há sucesso ou há fracasso. Além disso, essas tarefas são necessariamente coletivas.
A partir de um certo ponto na disciplina há cada vez mais riscos de que alunos relapsos “peguem carona” no empenho de quem se dispõe a levar a disciplina a sério. Como remediar isso?
Sobre esse ponto, sendo francos, temos dúvidas se há realmente algo a ser “remediado”. Quando esse tipo de tarefa é realizado na vida profissional, algo muito semelhante acontece. O produto vai ser aprovado ou reprovado e, além disso, o mérito é no geral igualmente distribuído entre os membros da equipe envolvida.
Atividades como reformas de grade curricular, a fundação de um novo programa – para se manter dentro do que ocorre na academia – obedece a essa lógica. Há um destaque ou outro para alguma liderança ou uma notória má performance, mas no final o mérito é distribuído de forma equânime. Provavelmente não há porque imaginar que em uma disciplina como essa as notas devam ser atribuídas de forma distinta.
No final, a maioria de nossos alunos teve notas altas. A média da disciplina foi muito mais elevada do que costumam em disciplinas comuns que nós mesmos ministramos. Eventualmente isso pode levar a algum tipo de estranhamento.
Porém, qual é o problema se os alunos de fato trabalharam por merecer essas notas, com produtos que inspiraram a publicação de uma série de artigos. Possivelmente, essa é uma oportunidade para revisitarmos uma premissa oculta da rotina acadêmica: que matérias sérias precisam ter uma média baixa e um certo número de reprovações.
Essa premissa muitas vezes não dita parece ser contraditória com o que pensamos sobre educação. Se sabemos que os docentes envolvidos são sérios e responsáveis, porque não pensar que notas altas refletem uma experiência de troca bem sucedida entre alunos e professores, nos quais as expectativas foram bem atendidas?
Talvez seja preciso revisitar uma outra premissa: de que uma experiência séria de ensino-aprendizado não pode ser diverta. Há muito a ser dito sobre isso, mas gostaríamos de compartilhar que, em nossa percepção, o ensino é melhor quando o desafio e a diversão se encontram. Um pouco como a vida.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE

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JOTA

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