Hugo Nakashoji

Paulo Boechat Torres

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento do RE 1.420.691/SP, que deu origem ao Tema 1.262 da repercussão geral. O objeto da discussão foi a “possibilidade de restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial por mandado de segurança.”
O STF, por unanimidade de votos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>: (i) reputou constitucional a questão constitucional então controvertida; (ii) reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada; e, no mérito, (iii) reafirmou a jurisprudência dominante do tribunal sobre a matéria, fixando-se a seguinte tese: “Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal".
Em síntese, o plenário seguiu a orientação exposta no voto da relatora e concluiu que a jurisprudência do STF já havia reconhecido a impossibilidade de o contribuinte – vencedor de demanda proveniente de mandado de segurança impetrado com o objetivo de reconhecer o direito ao indébito tributário – optar pela restituição pela via administrativa, sendo obrigatória a observância do regime de precatórios. Muito embora não tenham sido apresentados posicionamentos divergentes pelos demais julgadores, a matéria discutida merece ser objeto de reflexões mais aprofundadas, algumas das quais tentaremos suscitar ao longo do presente artigo.
De antemão, merece destaque a ausência da efetiva participação dos mais diversos sujeitos processuais em um julgamento de tamanha relevância. A quietude do processo de deliberação envolvendo a matéria chama atenção, ainda mais pelo fato de que, entre a autuação do processo e o término do julgamento virtual (o que levou aproximadamente seis meses), houve apenas uma manifestação oriunda da União Federal, e que será abordada mais à frente.
Não se pode olvidar de certa utilidade na utilização dos julgamentos via plenário virtual no âmbito STF, que potencializou o número de processos julgados pela Corte Suprema. Entretanto, vale a reflexão: a visão consequencialista quanto ao aumento do número de recursos e processos julgados poderia se sobrepor à necessidade da compatibilização da sistemática do julgamento no plenário virtual aos princípios, aos direitos e às garantias fundamentais erigidas na Constituição Federal?
Esse questionamento merece destaque, especialmente se o leitor considerar que a análise pela existência, ou não, da repercussão geral no plenário virtual consistiria apenas em uma forma de o STF poder verificar se a questão suscitada no recurso extraordinário apresenta relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.
A despeito da indiscutível relevância do amplo debate em se tratando de matéria submetida ao julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, não foi o que ocorreu no caso objeto do presente artigo. No curto intervalo de uma semana, se reconheceu a existência de repercussão geral da matéria discutida e houve a reafirmação da jurisprudência dominante – que parece ser inaplicável ao caso, conforme demonstrar-se-á – isso sem que houvesse qualquer intervenção processual de amici curiae ou apresentação de razões orais a serem ofertadas pelas partes litigantes.
Com o devido respeito que se deve à sistemática de julgamento no plenário virtual, há que se salientar que uma das bases estruturantes do exercício da jurisdição constitucional é a pluralização do debate, de modo a permitir a participação das entidades interessadas que possam contribuir para a formação do entendimento quanto à matéria discutida nos autos, que, em linha de que foi reconhecido pelo tribunal, “possui expressivo potencial de multiplicidade”.
Realizada esta primeira reflexão, algumas considerações merecem ser tecida acerca das implicações do resultado do julgamento sobre a jurisprudência dos demais tribunais, especialmente com relação ao Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STJ">STJ</a>).
O único fundamento adotado pelo STF no julgamento do Tema 1.262 de repercussão geral foi que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em decorrência de pronunciamentos jurisdicionais devem ser realizados por meio da expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, nos termos do art. 100 da CF/88. É dizer, o contribuinte não mais tem o direito de buscar a restituição direta do indébito tributário por meio da instauração de um processo administrativo.
A título de reforço, cumpre esclarecer que a Fazenda Nacional se manifestou nos autos em igual sentido ao que restou decidido pelo Tribunal, acrescentando que o posicionamento coaduna-se com o Tema 831 da repercussão geral (necessidade de observância do regime de precatórios para pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva) e a ADPF 250/DF (necessidade de uso de precatórios no pagamento de dívidas da Fazenda Pública, independentemente de o débito ser proveniente de decisão concessiva de mandado de segurança).
Importante chamar atenção para o fato de que nenhum dos precedentes retromencionados guarda pertinência com a particularidade da matéria debatida no RE 1.420.691/SP. A um, porque em nenhuma das ocasiões foi discutida a aplicação do regime de precatórios para os casos específicos em que as sentenças concessivas de mandados de segurança reconhecem o indébito tributário. A dois, porque nenhum casos julgados pelo STF se deu no bojo de uma relação jurídico-tributário, o que revela o ineditismo da matéria discutida suficiente para afastar as alegações sustentadas pela Fazenda Nacional e a suposição de que o Tema 1.262 seria hipótese de reafirmação de jurisprudência.
Não bastasse isso, o mesmo entendimento se estende aos precedentes citados pelos julgados utilizados como suporte na manifestação do voto condutor. Cite-se, por exemplo, o AgRg no RE 602.184/SP no qual se concluiu pela impossibilidade de restituição administrativa dos valores reconhecidos pela sentença concessiva do mandamus impetrado com o propósito de garantir o direito à restituição de valores referentes a licença-prêmio não gozada, não havendo indícios de que matéria lá julgada seja de natureza tributária.
A evidência dessa dissonância pode ser constada a partir da análise da jurisprudência consolidada no âmbito do STJ, que há muito fixou a possibilidade de o contribuinte buscar a restituição do indébito tributário pela via administrativa.
Cite-se o recentíssimo acórdão proferido pela 1ª Turma no julgamento do AgInt no REsp 1.944.971/RS<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, por meio do qual se assentou o entendimento de que “não há obrigatoriedade de submissão do crédito reconhecido pela via mandamental à ordem cronológica de precatórios, na forma imposta pelo art. 100 da Constituição Federal, já que esse dispositivo se refere ao provimento judicial de caráter condenatório, que reconhece um direito creditório, o que não se verifica na hipótese dos autos, em que o acórdão recorrido apenas declarou o direito de repetição de indébito pela via administrativa, ainda que em espécie".
Como se vê, há nítido confronto entre o entendimento do STJ e a tese proposta pelo STF, que, agora, determina a observância obrigatória do regime de precatórios nas hipóteses de restituição do indébito tributário.
Além disso, corroborando com a percepção de que o julgamento do Tema 1.262 poderia ser aperfeiçoado, verifica-se que não houve manifestação acerca dos dispositivos que autorizam a possibilidade de restituição do indébito pela via administrativa, dentre eles os arts. 165 do CTN, 73 e 74 da Lei 9.430/1996 e 66, § 2º, da Lei 8.383/1991. De se ressaltar que o temperamento desses dispositivos com a interpretação literal e isolada do art. 100 da CF/88 parece ser imprescindível para se chegar à melhor conclusão do julgamento.
Esperamos que as reflexões acima levantadas não necessariamente convençam o leitor de que a conclusão adotada no Tema 1.262 seja necessariamente equivocada, mas tão somente de que o entendimento que prevaleceu precisa ser aperfeiçoado diante dos inúmeros fatores que circunscrevem a matéria debatida (que neste artigo foram brevemente abordados sem qualquer pretensão de esgotamento).
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Se faz a ressalta de que não houve manifestação da ministra Cármen Lúcia.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> STJ, AgInt no REsp n. 1.944.971/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, DJe de 22/6/2023.

segundo semestre stf 2023

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Entendimento que prevaleceu precisa ser aperfeiçoado diante dos inúmeros fatores que circunscrevem a matéria debatida

O silencioso julgamento do Tema 1.262 no STF e repercussões aos contribuintes

Entendimento que prevaleceu precisa ser aperfeiçoado diante dos inúmeros fatores que circunscrevem a matéria debatida