Na véspera do Carnaval, antessala da quaresma, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou, e já adiou, a decisão sobre se o rol da ANS tem caráter taxativo ou exemplificativo. E isso agitou redes sociais, grupos de WhatsApp, fóruns de discussões de saúde e direito, a política, em suma, a sociedade brasileira.
O rol da ANS foi um instrumento criado para impedir a barbárie. Explico: saúde é um setor em que a assimetria de informação está presente. Isso significa que os atores componentes deste sistema têm níveis muito distintos de informações uns sobre os outros, ou seja: um sabe muito sobre algo que o outro não sabe nada. A isso, que gera uma distorção no equilíbrio de forças e traz uma vantagem para um ator às custas de uma desvantagem de outro, um artigo seminal da década de 1970, fundador da ciência da regulação, deu o nome de dilema dos limões.
Visando a impedir que operadoras de saúde oferecessem de modo assimétrico, e insuficiente, uma lista de procedimentos e tecnologias aos seus beneficiários, a legislação, acertadamente, estabeleceu um mínimo comum a todos os produtos ofertados no mercado de saúde suplementar, de modo a estabelecer um piso abaixo do qual nenhum plano poderia ficar em termos de cobertura. E até aí, estavam todos de acordo…
No entanto, a tecnologia no mundo da saúde anda na velocidade do Bolt e a cada mês novas e promissoras tecnologias surgem e são apresentadas ao mercado assistencial mundial. Naturalmente, o que é razoável hoje, em termos de rol mínimo, amanhã já se torna abaixo do aceitável. Mas a questão é que saúde, embora não tenha preço, tem custo. E este custo, num sistema mutualístico como o da nossa saúde suplementar, é rateado na mensalidade paga por todos. E, adicionalmente, para calcular um valor a ser cobrado, a partir do parecer do atuário (que é o cara que faz o cálculo do risco daquela carteira), as empresas de plano de saúde têm que ter uma ideia bem próxima da realidade do que terão de oferecer a quem compra os seus produtos.
Dito de outro modo, numa analogia culinária, para fazer um bolo há que se saber de que produtos se compõe a receita, para então se fazer o cálculo de quanto de cada ingrediente irá se comprar. E, a partir disso, se estimar algum preço para revendê-lo. O problema surge quando não se sabe quantos pedaços de bolo se têm que fazer e se, no meio do caminho, se têm que incluir, ou não, cobertura de chocolate, confete ou algum tipo especial de recheio. Num cenário de incerteza quanto a isso, a tendência do confeiteiro é contar que sempre terá um gasto adicional, imprevisível, que surgirá no meio do processo. E para tentar assegurar sua viabilidade econômica tenderá a jogar o seu preço de revenda do bolo para cima.
Quem defende o rol taxativo argumenta que ele dá segurança e previsibilidade para o contratante, no caso o paciente, e para o contratado, representado aqui pela operadora. E que sem se respeitar isto ambos correm risco, pois caso não se saiba o que é a regra do jogo não se pode precificar; e diante disso, na tentativa de estimar um preço com alguma segurança, ou se cobrará mais do que de fato é necessário, ou não se conseguirá garantir o serviço contratado porque as empresas de saúde acabarão por ir à falência.
Os que argumentam a favor do rol exemplificativo defendem que ele é apenas um ponto de partida, um piso mínimo, uma mera referência geral, e que caso seja necessário para o beneficiário um tratamento não coberto pelo contrato inicial, a operadora tem a obrigação de incorporá-lo, imediatamente, ao que é assegurado pelo plano contratualizado.
Ambos estão certos, no mérito, mas equivocados, a meu ver, na premissa da discussão. Ao paciente, ao cabo, o que interessa é ver o seu agravo de saúde, uma vez instalado, resolvido da melhor forma possível, dentro de um plano que melhor caiba ao bolso.
À operadora de saúde, interessa que o seu prestador ofereça ao beneficiário a possibilidade do melhor desfecho possível, a um menor custo unitário. Ao prestador interessa realizar o cuidado da melhor forma possível, gerando valor ao seu paciente, e ser pago, de modo proporcional e justo, por seu desempenho. À sociedade, em verdade, interessa que o ecossistema da saúde suplementar seja sustentável. Quando defendemos o taxativo ou o exemplificativo, na verdade, o que desejamos de fato é que tenhamos um rol que seja, sobretudo, resolutivo.