Bruno Rodrigues Teixeira de Lima

Oswaldo F. Coelho Neto

O limite do poder regulamentar da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/receita-federal">Receita Federal do Brasil</a> permeia inúmeras discussões tributárias. Aliás, não apenas do órgão federal, mas das Secretarias de Estado ou Municipais de Fazenda. Desde a faculdade, ao operador do direito é ensinado que a regulamentação de uma lei encontra limite nela própria. Não há espaço para a restrição de um direito concebido pelo legislador ordinário; não há regulamentação que justifique o exercício restrito de um direito. Este artigo trata de mais um caso em que a autoridade fiscal, sob a pretensão de regulamentar um direito do contribuinte, acaba restringindo-o.
O artigo 11 da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9779.htm">Lei 9.779/1999</a> reconheceu a possibilidade de ressarcimento ou compensação de créditos escriturais de IPI, desde que tenha sido acumulado no trimestre e seja decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero.
O dispositivo estabeleceu ainda que o ressarcimento ou a compensação deverão seguir o rito dos artigos 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996, que trata de restituição e compensação de tributos, assim como normas expedidas pela Receita Federal do Brasil. Este trecho do artigo 11 da Lei 9.779/1999 cuida de estabelecer as diretrizes para o procedimento de ressarcimento ou compensação dos créditos de IPI por ele assegurado.
A Receita Federal do Brasil, por sua vez, editou inúmeras Instruções Normativas sobre restituição, ressarcimento ou compensação de créditos do contribuinte, a exemplo das Instruções Normativas n. 210/2002, 460/2004, 600/2005, 900/2008, 1.300/2012 e 1.717/2017. Em todas elas havia dispositivo que só permitia o ressarcimento de créditos do IPI escriturados no trimestre-calendário de referência do pedido. Essa limitação está prevista atualmente no artigo 43, §1º da Instrução Normativa n. 2.055/2021.
Significa dizer que o dispositivo do regulamento assevera que os créditos de IPI serão passíveis de ressarcimento apenas se forem escriturados nos trimestres próprios de sua competência. Não são passíveis de ressarcimento, portanto, os créditos de IPI escriturados de forma extemporânea, ou seja, quando reconhecidos pelo contribuinte, em sua escrita fiscal, em período posterior àquele estabelecido na legislação para o ato de reconhecimento.
Veja que a regulamentação da Receita Federal do Brasil limitou o direito do contribuinte, coisa que a lei ordinária, expressão do princípio da legalidade, não o fez, senão apenas determinou à autoridade fiscal regulamentar a matéria, isto é, a estabelecer procedimento para realização do escopo da lei.
O artigo 11 da Lei 9.779/1999 reconheceu a possibilidade de ressarcimento de créditos de IPI, desde que observado o seu próprio comando, ou seja, que o crédito tenha sido acumulado no trimestre e seja decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero. Não há qualquer restrição ou ressalva em relação ao momento da escrituração do crédito.
O dispositivo não confere poderes para que a Receita Federal do Brasil, por meio de ato infralegal (Instrução Normativa), restrinja o direito reconhecido em lei. Na verdade, o que a legislação delega é somente a possibilidade de regulamentar o procedimento de ressarcimento.
Cabe ainda destacar que a própria Receita Federal do Brasil, quando emitiu a Solução de Consulta Interna COSIT n. 22/2014, firmou entendimento sobre a possibilidade de ressarcimento do IPI escriturado extemporaneamente, veja:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI UTILIZAÇÃO EXTEMPORÂNEA DE CRÉDITO DE IPI. CABIMENTO INDEPENDENTEMENTE DE EVENTUAL INFLUÊNCIA NA APURAÇÃO DO IRPJ E DA CSLL.
Eventual influência na apuração do IRPJ e da CSLL causada pela não utilização de crédito de IPI no momento oportuno, não prejudica, observados os prazos de prescrição, o direito à escrituração do crédito do IPI a destempo, bem assim o direito ao ressarcimento ou a compensação do saldo credor, observadas as regras gerais aplicáveis à matéria. Dispositivos Legais: Constituição Federal, art. 153, IV, e § 3º; Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 49; Decreto nº7.212, de 15 de junho de 2010, arts. 225, 256 e 257; Parecer Normativo CST nº 515, de 1971.
Observe que apesar de a referida solução de consulta tratar acerca da influência do IPI creditado extemporaneamente na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), conclui-se que o IPI pode ser escriturado a qualquer tempo, desde que observado o prazo de prescrição, sendo passível de pedido de ressarcimento ou de declaração de compensação.
Mesmo assim, ainda é possível identificar casos em que a autoridade fiscal federal indefere pedido de ressarcimento do contribuinte, quando fundado em créditos de IPI escriturados extemporaneamente. Há uma corrente de auditores-fiscais que entendem pela aplicação literal do artigo 43, §1º da Instrução Normativa n. 2.055/2021, ainda que conflitante com artigo 11 da Lei 9.779/1999 e com o princípio da legalidade.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) já teve a oportunidade de decidir acerca do tema. A orientação de diversas Turmas do órgão é pela impossibilidade de Instrução Normativa restringir direito concebido pela Lei 9.779/1999:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI)
Período de apuração: 01/10/2007 a 31/12/2007
NULIDADE. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA.
Não se configura cerceamento do direito de defesa diante da constatação de que elementos obrigatórios de validade do despacho decisórios estão presentes, bem como que o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação se encontraram plenamente assegurados.
IPI. CRÉDITOS BÁSICOS EXTEMPORÂNEOS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. DEFERIMENTO.
É possível o ressarcimento de créditos básicos de IPI apurados extemporaneamente, nos termos do art. 11 da Lei n° 9.779/99. (Processo n. 10882.901687/2010-58, Recurso Voluntário, Acórdão n. 3401-008.374 – 1ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento, julgado em 21 de outubro de 2020, Relatora: Fernanda Vieira Kotzias)
A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) também já analisou o tema, por meio de acórdão que restou assim ementado:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS IPI
Período de apuração: 01/07/2001 a 30/09/2001
SALDO CREDOR DE IPI ACUMULADO DE PERÍODOS ANTERIORES. POSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO. RESSARCIMENTO E/OU COMPENSAÇÃO.
O art. 11 da Lei nº 9.779/99 estabeleceu que o saldo credor acumulado em cada trimestre calendário, resultante do abatimento de débitos do próprio imposto, deixou de ser um crédito meramente escritural, podendo, ao final de cada trimestre calendário, ser objeto de pedido de ressarcimento ou de compensação.
É possível, atendendo-se ao princípio da não-cumulatividade, a utilização extemporânea dos créditos de IPI, os quais se não foram escriturados na época própria poderão ser aproveitados em até 5 (cinco) anos, contados da data da entrada dos insumos no estabelecimento industrial. (Processo n. 10805.002266/2001-74, Recurso Especial do Procurador, Acórdão n. 9303-007.144 da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, julgado em 11 de julho de 2018. Relatora: Conselheira Vanessa Marini Cecconello).
Casos desta natureza servem de exemplo para a demonstração da necessidade de uma postura republicana das autoridades fiscais, de apego à lei e aos mecanismos do Estado Democrático de Direito, pois a regulamentação não é o campo apropriado para a restrição de direitos do contribuinte. Cumpre ao Congresso Nacional atos desta natureza. Ao Poder Executivo, cabe o estabelecimento de normas de procedimento, com vias à concretização do direito concebido no parlamento.
Portanto, resta claro que os créditos de IPI escriturados a destempo são passíveis de ressarcimento, dado o direito reconhecido pelo artigo 11 da Lei 9.779/1999, sem qualquer ressalva do legislador ordinário, senão pela incompatível restrição prevista artigo 40, §1º da Instrução Normativa n. 1.717/2017, cuja aplicação deve ser afastada pelas autoridades fiscais.

Superintendência da Receita Federal, em Brasília.

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JOTA

Lei 9.779/1999 reconheceu a possibilidade de ressarcimento ou compensação de créditos escriturais de IPI

O ressarcimento de créditos extemporâneos de IPI: lei é lei e regulamento é regulamento

Lei 9.779/1999 reconheceu a possibilidade de ressarcimento ou compensação de créditos escriturais de IPI acumulados no trimestre