Jamile Bergamaschine Mata Diz

Vinícius Cobucci

Alana Carvalho Miranda

As leis de proteção ambiental editadas pela União Europeia têm levado a questionamentos por outros Estados, especialmente no que se refere à possível produção de efeitos jurídicos extraterritoriais. Alguns deles sustentam que as normas europeias seriam atentatórias à sua soberania nacional, visto que regulariam fatos ocorridos fora do território europeu. A questão é particularmente sensível na hipótese de normas relativas à produção de bens destinados à importação pela UE.
A crítica à possível extraterritorialidade das normas europeias reside no fato de que, por vezes, a proteção se destina não à tutela do meio ambiente em território europeu, mas à tutela do meio ambiente no território de terceiro Estado. Haveria, portanto, uma ofensa à soberania, na medida em que cada Estado seria o responsável pela proteção e consequente utilização de seus próprios recursos naturais.
Em 31 de maio de 2023, foi aprovado o Regulamento 2023/1115, relativo à disponibilização no mercado da União e à exportação para fora da União de determinados produtos de base e produtos derivados associados à desflorestação e à degradação florestal e que revoga o European Union Timber Regulation<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> que se aplicava somente à madeira. O Regulamento 2023/1115, também chamado de EU Deforestation Regulation (EUDR), parte da ideia de que o EUTR, apesar de ter tido um impacto positivo, ao se concentrar apenas na legalidade da madeira não foi o suficiente para a consecução dos objetivos estabelecidos pela UE. No dia 13 de setembro, a Câmara dos Deputados brasileira realizou uma audiência pública<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> para discutir os impactos sobre o país, mas antes precisamos compreender a regulação europeia.
O EUDR estabelece que produtos como madeira, soja, carne bovina, cacau, café, óleo de palma, borracha e derivados não podem ser colocados, disponibilizados, nem exportados no mercado europeu caso estejam associados à desflorestação, em dissonância com a legislação aplicável do país de produção ou nos quais não tenha ocorrido a due diligence. Portanto, o EUDR abarca e expande o objeto do EUTR, ao exigir a comprovação por parte dos comerciantes e operadores da não vinculação desses produtos com o desmatamento ou a degradação florestal.
O EUDR afeta diretamente o mercado brasileiro, tendo em vista que dispõe sobre as principais commodities produzidas e comercializadas pelo Brasil. Como exemplo, segundo dados recentes do Foreign Agricultural Service (FAS), do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o Brasil é o maior produtor de soja do mundo, detendo 41% da produção mundial<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. O Brasil é ainda o maior produtor de café do mundo atualmente, com uma produção estimada em 54,94 milhões de sacas para 2023<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> e o segundo maior produtor mundial de carne bovina, com previsão de produção em 2023 de 10,57 milhões de toneladas<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Com relação a due diligence, o EUDR dispõe que os produtos descritos e seus derivados deverão sempre estar acompanhados de uma declaração de diligência devida, de maneira similar ao previsto no EUTR, incluindo três elementos: “os requisitos de informação, a avaliação do risco e as medidas de atenuação de risco, complementados pelas obrigações de comunicação de informações”.<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> Assim, o operador só terá a autorização para colocar ou exportar o produto para o mercado europeu após a conclusão de que o risco de não estar em conformidade com o regulamento é nulo ou negligenciável.
O EUDR, em seu art. 16, trata da obrigação dos Estados-membros de verificar e fiscalizar o cumprimento das regras estabelecidas, além de prever nos arts. 24 e 25 medidas corretivas e sanções em caso de descumprimento, que incluem a retirada e o recolhimento dos produtos, além da possibilidade de confisco de produtos ou receita e aplicação de multas que podem chegar em até 4% do volume de negócios total anual do operador ou comerciante à escala da União no exercício financeiro anterior à decisão. Cabe destacar que o EUTR, apesar de ser revogado em dezembro de 2024, continuará sendo aplicado, em partes, até 2027 no que diz respeito à madeira e seus produtos derivados, conforme art. 37 do EUDR.
Portanto, ao analisar o EUTR frente ao seu sucessor EUDR, é possível perceber que este traz novos requisitos e parte de uma perspectiva mais incisiva e detalhada, expandindo a lista de produtos livres de desmatamento. O seu art. 9 estabelece um rol mais exaustivo e pormenorizado de requisitos de informação a serem fornecidos pelos operadores, que podem acarretar na extrapolação do escopo de cooperação. Por exemplo, o EUDR determina que ​​a necessidade de informar a geolocalização de todas as parcelas de terreno em que foram produzidos os produtos de base em causa que o produto derivado em causa contenha ou a partir dos quais tenha sido fabricado, bem como a data ou período de produção.
O regulamento parece estabelecer critérios unilaterais sem remissão à legislação local de terceiros países, o que reforçaria o caráter extraterritorial dessas normas e as consequentes críticas daí decorrentes acima mencionadas. Assim, o EUDR pode acarretar maiores impactos a terceiros países, sobretudo aos que possuem uma economia pautada na exportação de commodities.
O caráter aparentemente unilateral destes regulamentos demonstra que a aplicação de normas possivelmente extraterritoriais independe da existência de um acordo preferencial de comércio prévio entre as partes. O próprio acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, a rigor, não contempla a possibilidade direta de aplicação direta de medidas extraterritoriais. O capítulo relativo a meio ambiente e desenvolvimento sustentável do acordo se vale de medidas de cooperação, no sentido de que as partes devem direcionar seus esforços de forma coordenada à obtenção do fim pretendido, no caso, a proteção ambiental, com expressa menção à necessidade de se cumprir os acordos multilaterais ambientais e devidamente implementá-los. Em nenhum momento, todavia, há possibilidade de aplicação direta da norma europeia no território do Mercosul.
Apesar da controvérsia doutrinária, parece inegável a incidência, ainda que parcial, da norma europeia no momento da produção do bem, em um terceiro Estado a ser importado para a UE. Neste sentido, haveria uma aplicação extraterritorial. A discussão jurídica acerca da extraterritorialidade traz grandes desafios e questionamentos, com uma rápida evolução ocasionada por fatores como o reconhecimento dos efeitos derivado da chamada emergência climática. De todo modo, a União Europeia tenta se equilibrar na promoção de seus valores e interesses, ao mesmo tempo em que busca minar as críticas relativas a uma ingerência na soberania de terceiros países, com a alegação do uso de medidas de cooperação para proteção de interesses globais, mas que são acompanhadas por medidas unilaterais e autônomas.
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BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Brasil é o maior produtor mundial e o segundo maior consumidor de café. Disponível em: &lt;https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/brasil-e-o-maior-produtor-mundial-e-o-segundo-maior-consumidor-de-cafe#:~:text=Brasil%20%C3%A9%20o%20maior%20produtor,Minist%C3%A9rio%20da%20Agricultura%20e%20Pecu%C3%A1ria&gt; Acesso em 17 set. 2023.
LEADING beef and veal producing countries worldwide in 2022 and 2023. Available in: &lt;https://www.statista.com/statistics/263990/leading-beef-producers-around-the-world-since-2007/#:~:text=The%20statistic%20shows%20the%20forecasted,following%20only%20the%20United%20States&gt;. Access in: 17 Sep. 2023.
MATA DIZ, Jamile Bergamaschine. ARAÚJO, Hélio Eduardo de Paiva. Extraterritoriality and the Impact of EU Regulatory Authority: Environmental Protection as Soft Power. In: RODRIGUES, N. Cunha (Org.). Extraterritoriality of EU Economic Law, European Union and its Neighbours in a Globalized World. v. 4, 2021, p. 319-333.
Regulamento (UE) 2023/1115 do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de maio de 2023 relativo à disponibilização no mercado da União e à exportação para fora da União de determinados produtos de base e produtos derivados associados à desflorestação e à degradação florestal e que revoga o Regulamento (UE) n.o 995/2010.
USDA’s Foreign Agricultural Service. Soybean 2023 World Production. Available in: https://ipad.fas.usda.gov/cropexplorer/cropview/commodityView.aspx?cropid=2222000. Access in: 17 Sep. 2023
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> No contexto do EUTR e das três principais obrigações nele previstas, a UE não necessariamente define o que é madeira ilegal. Caberia ao Estado-produtor definir o conceito em tela e adotar as providências adequadas para a verificação de sua procedência. Dessa forma, o manejo dos recursos naturais continuaria a cargo do Estado-produtor, no contexto de sua soberania. Os requisitos exigidos pela UE não recairiam sobre a produção em si, mas sobre a verificação da técnica empregada na produção com vistas à obtenção de uma finalidade, isto é, a proteção ao meio ambiente.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/lei-da-uniao-europeia-sobre-o-desmatamento-extrapola-os-limites-territoriais-e-nao-atende-a-realidade-brasileira-e-o-conceito-de-sustentabilidade
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> USDA’s Foreign Agricultural Service. Soybean 2023 World Production. Available in: <a href="https://ipad.fas.usda.gov/cropexplorer/cropview/commodityView.aspx?cropid=2222000">https://ipad.fas.usda.gov/cropexplorer/cropview/commodityView.aspx?cropid=2222000</a>. Access in: 17 Sep. 2023
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Brasil é o maior produtor mundial e o segundo maior consumidor de café. Disponível em: &lt;https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/brasil-e-o-maior-produtor-mundial-e-o-segundo-maior-consumidor-de-cafe#:~:text=Brasil%20%C3%A9%20o%20maior%20produtor,Minist%C3%A9rio%20da%20Agricultura%20e%20Pecu%C3%A1ria&gt; Acesso em 17 set. 2023.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Leading beef and veal producing countries worldwide in 2022 and 2023. Available in: &lt;https://www.statista.com/statistics/263990/leading-beef-producers-around-the-world-since-2007/#:~:text=The%20statistic%20shows%20the%20forecasted,following%20only%20the%20United%20States&gt;. Access in: 17 Sep. 2023.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Regulamento (UE) 2023/1115 do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de maio de 2023 relativo à disponibilização no mercado da União e à exportação para fora da União de determinados produtos de base e produtos derivados associados à desflorestação e à degradação florestal e que revoga o Regulamento (UE) n.o 995/2010.

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