Clóvis Borges

No Sul do Brasil, durante muitas décadas, a substituição de vastas áreas naturais para a implementação de atividades rurais convencionais representou uma premissa básica para gerar renda e estabelecer a economia de regiões que se transformaram em produtoras de commodities em grande escala. Até a implementação do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4771.htm">Código Florestal Brasileiro em 1965</a>, praticamente nenhum regramento legal ordenava a gestão das propriedades rurais. E os estímulos governamentais sempre estiveram alinhados aos ciclos de extrativismos da madeira e da abertura de espaço para a implantação de sistemas agrícolas.
Uma oferta surpreendente oferecida pelo Brasil com esse regramento permitiu a contextualização muito especial do que representa o interesse público da propriedade privada, amparando a premissa de que para manter a qualidade de vida e a perenidade das atividades econômicas no campo e nas cidades, uma fração do território deveria ser mantida protegida, com a criação da Área de Preservação Permanente e da Reserva Legal.
Nas últimas três décadas dos anos 90, foram criadas muitas outras regulamentações ambientais voltadas à proteção de nosso patrimônio natural. Surgiram as instâncias públicas com responsabilidade específica de atender a agenda ambiental, no âmbito federal, estadual e municipal. O arcabouço legal evoluiu de forma bastante robusta, dando sustentação ao entendimento sobre a necessidade de um equilíbrio entre a exploração do território e a sua proteção. Um dos ganhos mais importantes com função adicional à proteção de áreas naturais orientada pelo Código Florestal foi o surgimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), qualificando diferentes modelos de Unidades de Conservação em nosso território.
Apesar de todos esses avanços - em parte enriquecidos com o conceito do "desenvolvimento sustentável" surgido a partir da Rio 92 - estarem relativamente bem equacionadas no âmbito legal, a aplicação destas práticas não se mostrou efetiva para um enorme número de propriedades rurais, criando passivos que, somados, representam um gigantesco déficit de áreas naturais que até hoje não foi resolvido. Já no início dos anos 2000 medidas do Governo Federal que buscavam pressionar para o cumprimento do Código Florestal geraram uma reação inversa, com o enfraquecimento profundo de nossa legislação protetiva, consumada pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/congresso-nacional">Congresso Nacional</a> de 2012.
Nesses anos seguintes, pouco mudou em relação à situação que envolve a necessidade de reverter o processo de degradação além dos limites. Novas áreas vêm sendo destruídas, embora dentro de um ritmo muito menor, dada a praticamente inexistência de remanescentes mais significativos, ainda em bom estado de conservação, no que se refere à região do planalto sul brasileiro. Seguem até hoje resistências duras para o cumprimento do Código Florestal, mesmo com as modificações impostas em 2012. Ao mesmo tempo as gestões públicas mais recentes ainda mantém um comportamento bastante flexível à manutenção de parâmetros de desenvolvimento baseados numa agenda de pouca valorização das áreas naturais.
Apesar de todo esse cenário que se mostra bastante negativo em relação à agenda da conservação, a sociedade está cada vez mais bem informada. As pessoas estão sentindo na prática os efeitos agregados do fenômeno das mudanças climáticas e da perda da biodiversidade. São problemas globais e que se potencializam entre si, causando enormes desafios para as gerações presentes e futuras. São imensuráveis os prejuízos gigantescos decorrentes dos eventos climáticos extremos, em muito potencializados pela ausência de um arcabouço mínimo de áreas naturais bem conservadas, consideradas infraestrutura verde de proteção e que oferecem maior resiliência a esses eventos.
Como consequência desse melhor entendimento sobre a necessidade de compatibilizar as estratégias de desenvolvimento econômico e social com a agenda ambiental, avançamos com o surgimento de critérios mais qualificados para medir o desempenho de corporações: surge o ASG, uma proposta que avança em todos os países do mundo para estabelecer parâmetros mais mensuráveis nas práticas ambientais, sociais e de governança das empresas. Em última instância, está criada uma nova possibilidade de evolução de toda a sociedade para amparar questões que até aqui não estão sendo suficientemente atendidas.
A diferença, ao que tudo indica, em relação às legislações ou às iniciativas voluntárias criadas anteriormente, o ASG se apresenta uma ferramenta mais exigente, demandando métricas que, ao longo dos últimos anos, deixaram de estar presentes em muitas ações direcionadas a atender os desafios da sustentabilidade. Certamente experiências passadas que permitiram que iniciativas fossem colocadas ao público de uma forma inconsistente deram espaço a um novo momento, em que a demonstração efetiva de resultados e numa escala coerente com as responsabilidades de cada negócio estejam dentro de um processo de transparência muito mais efetivo.
Essa janela de oportunidade não apenas abre espaços para o refinamento de práticas já em boa parte consolidadas. O ASG está proporcionando o ingresso no jogo de demandas até aqui mal atendidas, em especial no que se refere ao combate ao aquecimento global e à conservação de nosso patrimônio natural. Completamente distante de uma visão de filantropia, que não se mostrou em nenhum momento algo de maior significância de atuação na área ambiental em nosso país, investimentos direcionados nesse campo de atividade passaram a ter uma procura crescente. A razão deste novo mercado emergente é garantir um posicionamento estratégico que esteja mais próximo das exigências que paulatinamente vem sendo impostas pela sociedade, incluindo parceiros de negócios, financiadores e clientes.
Atores presentes em nossa sociedade, em especial organizações não governamentais que atuam no campo da conservação, há muitos anos vem lutando com todas as forças para estabelecer uma agenda mais efetiva na área ambiental. E hoje observam que seu trabalho começa a ser mais reconhecido e valorizado, com a oportunidade de ampliar o mercado, abrindo espaços para novas parcerias corporativas, que se multiplicam de forma bastante acelerada. Definitivamente, o segundo setor, e mesmo os governos, não poderão se omitir em relação ao reconhecimento de que estamos frente a um caminho sem volta.
Essas tendências abrem a perspectiva de que realmente o meio ambiente passará a ser respeitado de forma condizente com a necessidade de manter os serviços ecossistêmicos que produz, dos quais todos nós temos absoluta necessidade, com a proteção adequada de áreas naturais em nosso território. O que temos chamado de desenvolvimento para atender as expectativas até aqui alcançadas está em franco processo de contestação. Muito mais do que uma ameaça, uma grande oportunidade de avanços àqueles negócios que se aproximem de um novo normal que não pode mais esperar.

meio ambiente

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JOTA

O reconhecimento de áreas naturais conservadas como ativos socioeconômicos

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