Paulo Batimarchi

À medida que a sociedade em geral se adapta ao conceito pós-moderno de inovação, com rápidas rupturas de mercados e redefinições de uma série de conceitos legais, é possível vislumbrar-se um futuro com alto grau de transparência, uso de tecnologia e embasado pela valorização da propriedade intelectual.
Mas esta retórica é repleta de conceitos densos e a prática tem se mostrado desafiadora. Tomando por exemplo a indústria do entretenimento e, mais especificamente, o mercado musical (e sua já longa e interessante relação com a internet) podemos apontar alguns ótimos exemplos desse processo de amadurecimento no qual estamos todos inseridos.
No momento inicial do choque e da negação em que viu-se a aplicação do ferramental jurídico de proteção à propriedade intelectual, nenhum outro resultado poderia ser obtido além de uma série de decisões jurídicas e regulações cujo objetivo era o de proteger um modelo de mercado, portanto um modelo de incentivos à produção intelectual, baseado em tecnologias já ultrapassadas.
Importante salientar-se que naquele momento, em que a indústria cultural foi mergulhada na revolução digital, a indústria tecnológica deu inicio à sua batalha de patentes, protegendo novas tecnologias e assegurando mercados para novos modelos de negócio que surgiram rapidamente. Assim, cresceram rapidamente empresas que hoje são parte do cotidiano de milhões e cujo diferencial está não somente em plataformas inovadoras para distribuição de conteúdo e interação humana, mas também e principalmente em algoritmos e softwares que possibilitam esses serviços.
Assim se estabelece um paradoxo: a indústria da tecnologia se utiliza amplamente da propriedade intelectual para proteger seus negócios e, ao mesmo tempo, se beneficia da negação desse direito aos criadores, pois suas plataformas necessitam de tais bens para efetivamente crescerem e gerarem um modelo rentável de negócio.
Não há dúvidas de que a revolução digital expandiu horizontes para o consumo de bens culturais em escala global, ampliou a penetração de acesso à internet e a capacidade de interação entre indivíduos. Também gerou uma mudança geracional no perfil de consumo – que se tornou imediato, superficial e, portanto, com menor valor percebido. As pessoas consomem mais bens culturais e passam também a produzi-los de forma muito mais fácil, assumindo protagonismo nessa teia multicultural que o ambiente digital teceu e que permeia o cotidiano de grande parte da população – e seguramente de todos que estão minimamente conectados à internet.
Aqui, portanto, deve-se fazer uma análise para a desconstrução do paradigma de que na internet os bens culturais devem ser livres e, portanto, gratuitos. Essa suposta liberdade de circulação e uso não implica automaticamente em gratuidade ou na negação aos autores da fruição de seus direitos morais e patrimoniais. No entanto, deve-se reconhecer a falsa impressão de que tal paradigma é verdadeiro pela falta de um sistema de propriedade intelectual eficiente que se possa definir limites e garantir a proteção a tais direitos de cada co-criador de obras no novo ambiente digital. É também nesse complexo contexto que a economia da abundância cria um cenário de produção de bens em geral cada vez mais automatizada, barata e globalizada – reduzindo o valor e a necessidade da mão de obra pouco especializada.
Dessa forma a propriedade intelectual assume papel fundamental na sociedade pós-moderna e na revolução digital em si, voltando-se aos seus princípios básicos, valorizando e garantindo que cada usuário de internet possa efetivamente ser um criador de bens culturais e, assim, ser reconhecido e remunerado.
Corroborando essa perspectiva onde a criação de bens culturais é efetivamente reconhecida, é possível recordar-se da hierarquia das necessidades de Maslow. O psicólogo norte-americano hierarquizou grupos de necessidades básicas dos indivíduos sendo o topo de sua pirâmide o ápice da realização pessoal. Baseado em tal teoria, tem-se a hierarquia da informação, em similar formato propõe a estruturação das relações entre dados, informação, conhecimento e sabedoria.
O modelo atualmente questionado, em crise, baseia-se na concentração de ganhos por empresas de tecnologia criadoras de plataformas para usuários e tecnologia onde ocorre o consumo desses bens, gerando uma limitação de mercado que faz com que apenas grupos já estruturados de criadores de conteúdo artístico e intelectual tenham ganhos reais com suas obras. Deixa-se, assim, um amplo e profundo vazio para a massa de outros produtores de bens culturais, de tecnologia e conhecimento.
Na indústria musical é possível observar esse fenômeno. O modelo de mercado já foi profundamente moldado pela revolução digital, que transformou o produto físico (disco) em virtual e em serviço. Com essa evolução é possível observar que há plena possibilidade de acesso e remuneração aos bens culturais por qualquer cidadão-usuário, mas também que é necessário haver melhor proteção desses direitos para que o mercado e a sociedade ampliem horizontes de produção cultural (em termo amplo) a fim de garantir a sustentabilidade do mercado.
Uma nova economia de compartilhamento somente será sustentável se baseada num sistema mais moderno de garantias à propriedade intelectual, que possa gerar reconhecimento efetivo de cada criador de bens culturais ao longo de toda cadeia produtiva. Com isso, tanto as básicas informações de usuários até a criação de uma obra musical em um coletivo virtual serão devidamente registrados e proporcionalmente remunerados numa cadeia de distribuição global por meio de plataformas digitais.
A valorização da propriedade intelectual na sociedade e na economia digital é um fator fundamental para sua sustentabilidade.
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* Este é o quinto de uma série de cinco artigos escritos para marcar o mês em que se comemora o Dia Mundial da Propriedade Intelectual (World IP Day). A data, 26 de abril, é celebrada anualmente pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO) e reforça a atenção da sociedade para a necessidade de proteção dos direitos imateriais como forma de impulsionar a inovação e a criatividade.

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