Paulo Roberto Coimbra Silva

A semana foi marcada pelo <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/carf-volta-ao-presencial-com-temas-controversos-e-processos-bilionarios-04102023">retorno dos julgamentos presenciais</a> no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carf">Carf</a>), com uma pauta bilionária, seletivamente represada desde o início da pandemia e da supressão do voto duplo de representante da Fazenda em casos de desempate.
Os julgamentos presenciais foram retomados logo após a sanção da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14689.htm">Lei 14.689/2023</a>, que marca o retorno da antiga sistemática de votação, comumente aludido como “voto de qualidade”, e sob a pública e agressiva pressão para que o órgão de revisão resolva os problemas de curto prazo no fechamento das contas públicas da União. Nesse contexto, abriram-se as comportas do Carf.
Num dos casos, após sustentação oral, pudemos assistir à dinâmica de julgamento que nos surpreendeu pela falta de interesse e debates entre julgadores, o que era comum no passado e se esperava rever, especialmente com a retomada da dinâmica presencial. Em vez disso, após leitura do voto do relator, sucedida pela formal (e necessária) indagação da presidente da Câmara se os demais conselheiros tinham alguma dúvida, iniciou-se, em ritmo digno das mais lépidas narrativas de jóquei clube, uma sucessão ininterrupta de lacônicos “de acordo com o relator”.
Aqueles que, como eu, viveram sua infância na década de 1980 e assistiam os desenhos animados do Super-Homem, vão entender: “É um pássaro? É um avião? Não... é o julgamento do Carf!".
O caso discutia a exigência do adicional para custeio de aposentadorias especiais com fundamento na exposição dos empregados da contribuinte a ruído em intensidade supostamente superior aos limites de tolerância. Em sua defesa, a empresa sustentou e comprovou a ausência de exposição efetiva ao agente nocivo em níveis superiores aos toleráveis, considerando-se a utilização pelos empregados de Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz e apto à mitigação da exposição.
A aposentadoria especial é direito previsto no texto da nossa Constituição (CRFB/88) e pressupõe, para ser devida, a exposição efetiva do empregado ao agente nocivo. A contribuição para custeio deste benefício especial, por sua vez, pressupõe a exposição do agente a condições tais que permitam a sua futura concessão. Nesse contexto, a análise acerca da eficácia do EPI é central para a definição sobre ser ou não devida a contribuição.
Passando a clara impressão de inibição e constrangimento diante de uma cultura fiscalista opressora, os jovens conselheiros não suscitaram indagações sobre algumas dúvidas fáticas bastante claras e evidentes.
Ao sustentar em seu voto “não poder presumir a eficácia de EPIs”, a primeira dúvida que refulge é se o relator leu os laudos acostados aos autos, provas produzidas pela fiscalizada, que concluem de forma contundente e assertiva nesse sentido. São três (!) laudos, um da ABNT e dois firmados pela maior referência no assunto no Brasil sobre o tema que foram simplesmente ignorados pelo relator, sob assustadora omissão dos demais conselheiros.
Segunda dúvida fática surge quando o relator, após descrever minuciosamente a metodologia utilizada pela fiscalização, que se baseou exclusivamente na leitura parcial, seletiva e tendenciosa da documentação apresentada pela fiscalizada, sustenta em seu voto que os argumentos de defesa, por estarem lastreados em documentação da autuada, não podem ser considerados.
Por que documentos da autuada, nos quais se fundamenta toda a autuação, não merecem fé? Não houve arbitramento, expediente próprio para tais casos, mas leitura da documentação apresentada pela fiscalizada sem integridade, dela extraindo seletivamente fundamentos necessários para a autuação, com cegueira deliberada em relação à parte dos mesmos documentos que fundamentam a defesa.
Por fim, para não cansar os leitores, uma terceira dúvida: o CTN do relator é o mesmo que lecionamos há mais de 25 anos no curso de graduação de direito? Ao aplicar o artigo 106, I, do digesto tributário, para justificar a aplicação retroativa de um édito normativo infralegal que fundamenta a autuação (a saber, ADI/SRF 2/2017), o fez de forma clamorosamente incompleta. Ora, qualquer estudante de graduação, ainda neófito, mas com mais de um mês de aula na disciplina Direito Tributário II, sabe que a aplicação retroativa da lei interpretativa exclui a aplicação de penalidade. Outras dúvidas decorrentes dessa terceira: acabou a tinta do relator para aplicar com inteireza, diga-se, com integridade, o inciso I do artigo 106 do CTN? Quem foi professor de direito tributário do relator? Tivesse sido eu, não conseguiria esconder minha enorme vergonha.
Essas foram apenas algumas das dúvidas não suscitadas e não debatidas em resposta à indagação formal da Presidência da Câmara que antecedeu a também formal coleta da anuência dos demais conselheiros.
Aos mais jovens, vale lembrar: apesar da impressão de estarem claramente sufocados e inibidos nos grilhões de uma cultura fiscalista opressora, vocês não são detentos! Não precisam (e nem devem) agir como se o fossem. Coragem, altivez e independência é o que se espera de quem aceita o ônus (e bônus) de ocupar a importante cadeira de julgador.

carf

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JOTA

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