Iara Peixoto Melo
Head em Direito Digital e Proteção de Dados no Chenut Oliveira Santiago. Especialista em Direito e Tecnologia da Informação pela Universidade de São Paulo. DPO certificada pela Universidade de Maastricht
Após mais de um mês de invasão do território ucraniano pela Rússia, a guerra entre os dois países já é considerada um evento sem precedentes no campo cibernético. É inegável que a sociedade passou por um grande movimento de digitalização nas últimas décadas. Portanto, não é de se espantar que a guerra entre Rússia e Ucrânia já seja considerada a guerra com maior envolvimento hacktivista que se tem notícia na história.
O hacktivismo é o fenômeno no qual hackers utilizam suas habilidades para promover ataques cibernéticos em prol de uma causa. Embora os ataques hackers entre Rússia e Ucrânia não datem de hoje, eles se intensificaram muito após a invasão russa no início de 2022, transformando o ambiente cibernético em um verdadeiro campo de batalha.
Enquanto hacktivistas de todo o mundo se unem para defender um lado ou outro na guerra, especialistas em cibersegurança trabalham em estado de alerta para proteger redes corporativas.
Temas como segurança da informação e proteção de dados pessoais já habitam as pautas de reunião de empresas brasileiras há um certo tempo. A entrada em vigor de leis do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e, mais recentemente, da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a Lei 13.709/2018, colaboraram para que as empresas passassem a investir recursos em privacidade e proteção de dados.
Porém, se ainda pairava alguma dúvida sobre a importância de se investir neste campo, a atual guerra cibernética e o crescente número de ataques ransomware a grandes corporações vieram para eliminar qualquer tipo de questionamento neste sentido.
É essencial que a empresa analise seu cenário de segurança da informação e proteção de dados pessoais para identificar seus pontos de vulnerabilidade e implementar medidas para mitigar riscos de incidentes.
Embora pareça que esta questão é um tema a ser tratado exclusivamente pela equipe de TI, outras áreas da empresa também precisarão ser envolvidas para que se obtenha melhores resultados. Por exemplo, é essencial que a área de comunicação estabeleça um plano para que a empresa se manifeste em caso de incidentes e que o Encarregado da empresa esteja ciente e tudo para que tome eventuais providencias face a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Um ponto que merece especial atenção é a atuação cada vez mais ativa de hacktivistas. Isto porque ao ser envolvidas em escândalos, estas empresas podem facilmente se tornar alvos destes atores. Assim, não é porque sua empresa não está em um destes países em guerra que ela não deve se preocupar.
Lembre-se do caso da empresa de móveis Alezzia, que em 2017 foi alvo do grupo de hacktivismo Anonymous Brasil[1] após ter causado polêmica ao utilizar conteúdo publicitário que objetificava as mulheres e por ter contratado funcionário conhecido por postar comentários de conteúdo machista nas redes sociais.
Na época, os hackers substituíram o conteúdo do site da empresa por uma nota afirmando que estavam em posse de todos os dados de clientes e que contatariam os clientes sugerindo que processassem judicialmente a empresa pela falha de segurança.
Não podemos deixar de considerar os efeitos que uma ação desta teria após a entrada em vigor da LGPD e a criação da ANPD. Certamente, em dias atuais, as consequências para a empresa caso se confirmasse um incidente deste porte envolvendo dados pessoais de consumidores poderiam ser muito maiores.
Como forma de identificar e mitigar estes riscos, é altamente recomendável que a empresa revise suas políticas internas e prepare um plano de resposta a incidentes para atuar nestes casos.
Por fim, vale lembrar que a importância do direito à proteção de dados pessoais vem sendo cada vez mais reconhecida no cenário nacional e internacional. No Brasil, a Emenda Constitucional 115/2022 reconheceu a proteção de dados pessoais como garantia fundamental e elencou este direito no artigo 5° da Constituição Federal Brasileira.
É especialmente importante falar sobre este grande avanço em um artigo cujo tema é exatamente a privacidade em meio a uma guerra. Em meio a denuncias supostas verificações de celular de cidadãos por oficiais russos, não há dúvidas que a melhor forma de terminar este artigo é ressaltando a importância que o direito à proteção dos dados pessoais representa em nosso atual cenário.
A defesa cibernética e proteção de dados pessoais são temas de extrema importância que devem ser tratados por empresas que vislumbram uma continuidade e crescimento contínuo. Negligenciar o tema pode custar caro e trazer consequências desastrosas às companhias.
[1] https://exame.com/pme/site-da-alezzia-sofre-invasao-pelo-anonymous-brasil/