Maria Letícia Machado

Sara Ellen Tavares

Agatha Eleone Borges

Dispor de informações confiáveis e em tempo oportuno sobre o estado de saúde das pessoas em todos os seus ciclos de vida é o primeiro passo para garantir a integralidade, um dos princípios fundamentais do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sus">SUS</a>. Esse princípio se refere à garantia de assistência à saúde aos cidadãos ‒ promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento, reabilitação ‒ levando em consideração não apenas fatores biológicos, mas também as diversas dimensões que influenciam a produção da saúde e da doença, como as relações sociais, econômicas e o contexto ambiental.
Entretanto, hoje não é possível acessar dados sobre a jornada completa dos usuários nos diferentes serviços de saúde, incluindo a saúde suplementar, o que se reflete, por exemplo, nas longas filas de espera por atendimento e nos altos índices de mortalidade por causas evitáveis, e compromete o princípio da integralidade do SUS. Isso ocorre pela coexistência de múltiplos sistemas de informação, que respondem a lógicas de financiamento distintas e majoritariamente não são integrados e interoperáveis, ou seja, são incapazes de trocar dados e informações de maneira padronizada e eficiente para a saúde pública.
Esforços do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-da-saude">Ministério da Saúde</a> para reduzir a fragmentação dos dados e acelerar a informatização do SUS são observados desde a primeira versão da Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (<a href="https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_infor_informatica_saude_2016.pdf">PNIIS</a>) em 2015. Além disso, a publicação da nova Estratégia de Saúde Digital para o Brasil (<a href="https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estrategia_saude_digital_Brasil.pdf">ESD28</a>) e a criação da Rede Nacional de Dados em Saúde (<a href="https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/seidigi/rnds">RNDS</a>) representam projetos ambiciosos e promissores para que sejam realizados saltos de qualidade no sistema de saúde brasileiro.
Uma vez que o SUS já <a href="https://ieps.org.br/panorama-ieps-04/">faz uso de padrões e soluções de interoperabilidade internacionalmente reconhecidas</a>, o momento atual requer ultrapassar a discussão sobre disponibilidade de tecnologias capazes de promover uma troca de dados otimizada, propondo um modelo de governança de dados em saúde com o objetivo de efetivar essa troca. Em outros termos, é oportuno concentrar esforços na ampliação da capacidade do Ministério da Saúde em guiar os atores envolvidos na produção e compartilhamento de dados para a adoção de um modelo único e convergente.
Algumas contribuições nesse sentido têm surgido do Poder Legislativo, como o texto substitutivo apresentado ao <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/582806">PL 5875/2013</a>, que propõe a criação de um Prontuário Eletrônico Único no SUS. Apesar de uma lei implicar em uma política perene e com maior peso normativo do que uma portaria ministerial, na prática, a proposta em discussão remete ao modelo já em vigor por meio da RNDS. O PL pouco avança em aspectos de implementação, que poderiam ser regulamentados, como defendemos em <a href="https://ieps.org.br/nota-tecnica-32/">pesquisa recente</a> publicada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) .
Antes de determinar legalmente a obrigatoriedade da adoção de padrões de integração e interoperabilidade de dados, como propõe o PL, é preciso definir sobre qual conjunto de dados estamos falando, entre quais atores eles deverão ser compartilhados e para quais finalidades deverão ser utilizados, sejam elas de pesquisa, análise, execução ou elaboração de políticas públicas.
No atual arcabouço normativo da RNDS, há carência de instrumentos que definam prioridades e metas de interoperabilidade a serem atingidas pelos entes federativos e demais atores de interesse; mecanismos para incentivar o uso do modelo; e instâncias de fiscalização desses instrumentos. Outro problema sem solução diz respeito à segurança e privacidade de dados em saúde, que bloqueiam direta ou indiretamente a interação dos usuários do sistema de saúde com os seus próprios dados, o que contraria a lógica de continuidade do cuidado que a integralidade pressupõe.
Considerando que um modelo nas dimensões do que já é feito pela RNDS, ou do que propõe o PL, requer uma implementação gradual, resta ao ministério definir ações que levarão ao uso da plataforma para resolver problemas do sistema de saúde. Profissionais, provedores e usuários devem ser engajados nessa agenda, fazendo com que a plataforma funcione não apenas como um repositório de dados, mas uma ferramenta de gestão que impulsione a integralidade e atenda as necessidades de saúde da população de forma abrangente.

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JOTA

Momento atual requer ultrapassar discussão sobre disponibilidade de tecnologias para troca de dados

O que falta para alcançarmos a integralidade do cuidado no SUS?

Momento atual requer ultrapassar discussão sobre disponibilidade de tecnologias para troca de dados no SUS