Felipe Meleiro Fernandes

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de Direito do Trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pergunte-ao-professor">#pergunte ao professor</a>.
Neste episódio de nº 89 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► O que é assédio sexual e como prová-lo?
Resposta ► Com a palavra, o professor Felipe Meleiro Fernandes.
De tempos em tempos nos deparamos com notícias acerca de assédio sexual, cometido pelos mais diversos atores nos mais diversos segmentos da sociedade. Tais casos demonstram antes de tudo um aspecto sociológico do quanto nossa sociedade ainda está erigida sobre matrizes e matizes patriarcais e machistas que reificam as mulheres, uma vez que fatos assim ocorrem e eclodem em todos os segmentos da sociedade, em todas as classes sociais, em todos os locais de trabalho.
Como dito, infelizmente não raros são os exemplos recentes, como a denúncia de assédio sexual na Caixa Econômica Federal, ou em relação ao secretário da Agricultura do Espírito Santo, ou, ainda, o mais recente e midiático caso envolvendo um Juiz do Trabalho do TRT da 2ª Região.
O grande problema do assédio sexual hodiernamente é, como dito, a cultura em que a sociedade se encontra eivada, uma vez que muitas mulheres temem denunciar os assédios sofridos por receio de sofrerem represálias ou serem desacreditadas. Ainda hoje há uma nefasta cultura de culpabilização da vítima de assédio e uma certa "diminuição" da culpa do assediador.
Com efeito, a questão aqui posta ganha especial relevo, porque a regulamentação acerca do tema ainda é pobre no Brasil, uma vez que basicamente só há a previsão em esfera criminal com o artigo 216-A do Código Penal, que aduz como tipificação: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem o favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego cargo ou função”.
Já no âmbito juslaboralista, apesar de carecer de regulamentação específica, podemos citar a proteção trazida no artigo 223- C da CLT, o qual prevê honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, lazer e integridade física como bens juridicamente tutelados inerentes às pessoas físicas.
E tais descrições são de relevo diante dos mais diversos e nefastos impactos, sobretudo na psique humana que assédios podem causar em suas vítimas.
<h3>O que é o assédio sexual?</h3>
À luz da legislação penal brasileira, assédio sexual é o constrangimento de alguém por um superior hierárquico com a intenção de obter vantagem ou favorecimento sexual em razão do cargo ou função.
Todavia, essa é a definição clássica de assédio sexual ou o chamado assédio sexual por vantagem, havendo ainda, segundo a doutrina e como também define <a href="https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_559572.pdf">Cartilha da OIT junto com o MPT</a>, o assédio sexual por intimidação ou ainda assédio sexual ambiental (nome que nos parece mais assertivo), que consiste em provocações sexuais inoportunas no ambiente de trabalho, com o efeito de prejudicar a atuação de uma pessoa ou criar situação ofensiva, caracterizando-se pela insistência, impertinência, hostilidade praticada individualmente ou em grupo, manifestando relações de poder ou de força, nem sempre atrelados à hierarquia.
Claro está que a OIT possui uma definição mais ampla do que venha a ser o assédio sexual, inclusive, tendo-o definido no artigo 11, da Recomendação 19 da CEDAW – que é a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, promulgado no Brasil pelo Decreto-Lei 4377/2002, desta forma:
O assédio sexual inclui aqueles comportamentos determinadamente sexuais e indesejados como o contato ou insinuações físicas, comentários de índole sexual, exibição de pornografia e exigências sexuais, quer em palavras ou ações. Esta conduta pode ser humilhante e constituir problema de saúde e de segurança. É considerado discriminatório, quando a mulher tem razões suficientes para acreditar que sua objecção irá trazer-lhe desvantagens em relação ao seu emprego, incluindo no recrutamento ou na promoção ou quando cria um ambiente de trabalho hostil.
Importante citar que pela lei penal brasileira o assédio sexual apenas ocorrerá nos casos em que o agente pretender valer-se de sua posição de ascendência ou posição hierárquica superior, e que qualquer outra forma de avanços sexuais poder-se-ia ser balizado pelo artigo 146 e 215 do mesmo codex, sob a tipificação de importunação sexual e/ou constrangimento ilegal.
Temos, portanto, que, em linhas gerais, quanto aos tipos de assédio sexual podem ocorrer por chantagem ou intimidação, ou ainda quando há a concreção de ambiente hostil em face da vítima ou vítimas em um contexto de um cenário machista e inóspito para as mulheres (invariavelmente maiores vítimas de tais atos), e em relação ao assediador este pode ocorrer de forma vertical e/ou horizontal.
<h3>Quanto ao ônus da prova e as teorias aplicáveis</h3>
O grande cerne da discussão sobre o assédio sexual sempre se pautou em relação à prova em virtude da natural dificuldade de prová-lo, uma vez que a maioria dos casos não há testemunhas e o assediador costuma não deixar qualquer tipo de vestígio. Por isso, se faz necessária a adoção de provas indiciárias e das diversas teorias a fim de se dar a interpretação conforme à Constituição Federal e dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Neste escopo temos que, não raro, os pretórios trabalhistas há tempos admitem as inversões do ônus da prova, sobretudo em matéria trabalhista, uma vez que a hipossuficiência do(a) trabalhador(a) é praticamente inerente à condição laboral, ainda que o assédio em estudo possa ocorrer na fase antes, após ou ainda durante a consecução do contrato de trabalho.
As inversões do ônus da prova, chamadas também de inflexões pretorianas, têm sido cada vez mais admitidas em nossos tribunais, mormente, após a vigência do CPC 2015 que trouxe em seu bojo o princípio da melhor aptidão da prova, positivado na legislação obreira por meio do §1º do artigo 818 da CLT.
Quanto a este aspecto, assim ponderou Guilherme Guimarães Feliciano<a href="#_ftn1" name="_ftnref3">[1]</a>, sobre as inflexões formais e interpretações conforme:
<blockquote class="jota-article__citation">“São, pois, alterações pretorianas da ordem positiva de repartição do ônus da prova, que eram outrora decidida fora de qualquer permissivo legal expresso, explicando-se pouco ou mal em perspectiva legal-positiva, mas que se compreendem bem sob a égide de inflexões formais constitucionalmente inscrita e juridicamente legítimas (sempre no contexto de ponderações judiciais concretamente estabelecidas). Já não é mais assim para o processo civil, à luz do atual art. 373, §1º do NCPC, como talvez, jamais tenha sido para o processo do trabalho, À luz do art 765 da CLT”.</blockquote>
Neste escopo, apenas pela análise teleológica dos preceitos e objetivos da Constituição da República, tais como ideário de assegurar o exercício dos direitos sociais, bem-estar, igualdade como valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundados na harmonia social e, mais, a defesa inexorável da dignidade da pessoa humana, pode-se concluir pelo arcabouço teórico que passa a fundamentar a inversão do ônus da prova em tais casos.
De mais a mais, o inciso XXII do artigo 7º da Carta Republicana traz como direito social a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Nele há também a ideia de que todo trabalho em si representa um risco, não faz distinção quanto às normas, restando, por óbvio, a necessidade de diminuição de tais riscos diante da manutenção de um ambiente hígido do trabalho, também em seu aspecto mental e social.
Além do mais, clara é a alínea “e” do art. 3º da Convenção 155 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1992, tendo ingressado em nosso ordenamento jurídico por meio da promulgação do Decreto-Lei 1.254 de 29.9.94, que assim define: “o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.
Em cotejo com tais dispositivos, temos ainda a previsão constitucional do meio ambiente do trabalho hígido, nele contido o meio ambiente do trabalho a teor do inciso VIII do artigo 200 da CFRB.
Ainda, nos dizeres de Feliciano (2017), a permissão do sistema jurídico-positivo para as inflexões do devido processo formal raramente decorre do manejo de técnicas formais de hermenêutica convencional ou integrativos, mas sim de interpretação conforme (verfassungskonforme Auslegung). Ou seja, ao se escorar nos princípios constitucionais, estamos falando da capacidade de aprendizado da norma, conceito trazido por Canotilho, afinal, não se pode invocar uma norma protetiva com o fito de desproteger seus destinatários.
Logo, nos dizeres de Feliciano (2017), utilizarmo-nos de três teorias, in verbis:
3.1 O princípio da melhor aptidão para a prova.
É o já conhecido princípio estampado inclusive nos artigos que preveem sobre a produção de provas, tanto no CPC, quanto na CLT, onde se impinge como princípio instrumental a prova, à parte que tenha maior condição de produzi-la e/ou dá-la, como exemplo dado pelo autor retro mencionado, a Sumula 338 do TST.
3.2 A tecnologia de Ancheisbeweis ou a prova por verossimilhança.
Trata-se em suma de hipóteses-tipos, definidas pela lei ou jurisprudência que quando observadas no caso concreto, se prestam à satisfação do ônus probatório, incumbindo à parte contrária, a prova de que aquele fato presumido não se verificou.
No modelo brasileiro tal teoria já se encontra albergada do artigo 6º, VIII, do CDC, como também se verifica sua emanação no teor da súmula 443 do TST.
3.3 Tecnologia das constelações de indícios
Trata-se da ideia de que um conjunto coerente de fatos laterais tendentes ao fato principal pode satisfazer o respectivo ônus probandi, impingindo desta forma o ônus à outra parte de fazer prova da inocorrência do fato ou na inexistência ou inviabilidade dos indícios que se apresentam para inversão em comento.
Como exemplifica Feliciano, eis a tecnologia por trás da OJ SDI-1/TST nº 233, e que conquanto para o autor diga respeito ao processo civil brasileiro na forma do artigo 375 CPC, pensamos ser um cristalizador de tal tecnologia, que de igual sorte, entendemos também ser atualmente aplicada pelo entendimento dominante do STJ em crimes sexuais que entrega especial relevância à palavra da vítima desde que em consonância com as demais provas indiciárias, eis que, pela natureza do crime/ato em comento costuma ocorrer às ocultas.
Estas são as breves linhas trazidas para a reflexão do assédio sexual e como prová-lo em juízo, eis que, diante da dificuldade da coleção de provas materiais pela própria natureza do ato em si, torna-se necessária a adoção das diversas interpretações hermenêuticas ora trazidas, com o propósito de se dar efetividade em última ratio ao princípio da dignidade da pessoa humana e à dignidade sexual.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn3">[1]</a> Feliciano. Guilherme Guimarães. Assédio e Inversão do Onus da prova. Breves considerações. <a href="https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/108693/2017_feliciano_guilherme_assedio_inversao.pdf?sequence=1&amp;isAllowed=y">https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/108693/2017_feliciano_guilherme_assedio_inversao.pdf?sequence=1&amp;isAllowed=y</a> acesso em 22.08.2022

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JOTA

Inversões do ônus da prova têm sido cada vez mais admitidas em nossos tribunais

O que é assédio sexual e como prová-lo?

O que é assédio sexual no direito trabalhista e como prová-lo? Inversões do ônus da prova têm sido cada vez mais admitidas em nossos tribunais