Gabriela Rosa

Wagner Parente

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>) declarou inconstitucional o dispositivo do Código de Processo Civil que impunha o impedimento de juízes em processos envolvendo clientes de escritórios de advocacia de seus parentes. Decisões como essa fazem crer que os operadores do Direito estão acima de qualquer suspeita. Como diriam os colegas advogados, “data máxima vênia”, melhor seria encarar seu ofício como o de um lobista, visto pela maior parte da sociedade com severas reticências.
Tanto é assim que durante audiência pública no Senado sobre o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/155324">PL 2914/22</a>, o Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), dentre várias sugestões, sugeriu a elevação do prazo – de 12 para 24 meses – para que o agente público passe a fazer representação profissional de interesses<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> depois de deixar o setor público. Trata-se de um claro exemplo da diferença entre a busca pela credibilidade da atividade e a pauta corporativista trazida pelo julgamento citado.
Na direção correta veio a nota da OAB, de 23 de agosto<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, quando afirma que "vê com preocupação o julgamento do Supremo Tribunal Federal que, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 144, VIII, do CPC, dá margens ao entendimento de que teria sido derrubada a regra que impede juízes de julgarem causas em que seus parentes são advogados". A nota é o mínimo que se poderia esperar, mas insuficiente. Qualquer equivalente a essa decisão, aplicada à atividade de defesa de interesse, teria gerado (corretamente) uma comoção.
De fato, o histórico de escândalos de corrupção no Brasil resultou em descrédito à atividade de defesa de interesses, desconfianças nas relações público-privadas e até fraturas na democracia. Naturalmente, sob a máscara de lobby, atividades criminosas de corrupção foram cometidas e o ofício – e aqui destacam-se os profissionais que efetivamente se dedicavam à defesa de interesses legítimos – precisou se reinventar. O que se observa, no entanto, é que uma profissão-irmã, mais antiga, mas igualmente presente em escândalos de corrupção, não sofreu com a pressão da sociedade na mesma medida e talvez, por isso, siga com velhas e não tão belas práticas.
Em apertada síntese, a advocacia poderia ser compreendida como o lobby cuja arena de política é o Poder Judiciário. Não à toa, Prado Kelly chamava os advogados de intérpretes de interesses. Contudo, se as áreas são realmente próximas, a advocacia tem muito o que aprender com o lobby, que se reinventou. Velhas práticas, como limitar a atuação de relações governamentais à troca de contatos pessoais, dão lugar à apresentação de dados técnicos e instrumentos tecnológicos de ponta. O convencimento é racional e baseado em evidências.
Não é aceitável que a prática corriqueira de buscar escritório de parentes de ministros de tribunais superiores, ou de empregar advogados ligados a esses julgadores, passe agora a ser institucionalizada. Trata-se de um péssimo exemplo para toda a sociedade, como se viu em diversas ocasiões na história recente.
Só na Lava Jato, diversos casos suscitaram suspeitas envolvendo a contratação de filhos de ministros do STJ ou do STF na expectativa de sentenças favoráveis e não se pode ignorar que dos sete votos favoráveis a esse entendimento do Supremo, seis possuem cônjuges ou filhos na advocacia.
É interessante revisitar a delação premiada de Sérgio Cabral para ilustrar como as relações familiares facilitaram tratativas pouco republicanas. O ex-governador do Rio de Janeiro revelou que o presidente afastado da Fecomércio/Sesc/Senac-RJ Orlando Diniz fez um verdadeiro périplo pelas árvores genealógicas para conseguir seu cargo de volta.
Primeiro, contratou Eduardo Martins, filho do ministro Humberto Martins, e conseguiu a presidência do Sesc/Senac de volta. Depois, Diniz pediu apoio a Cabral para ter de volta a Fecomércio (que custou mais R$ 19 milhões, que teriam sido pagos à primeira-dama Adriana Ancelmo). Cabral, por sua vez, procurou o advogado Tiago Cedraz, filho do ministro do TCU Aroldo Cedraz. Tiago trouxe para o caso o advogado Caio Rocha, filho do ex-presidente do STJ Cesar Asfor Rocha. Finalmente, Asfor Rocha era amigo do julgador do caso no STJ, ministro Napoleão Maia, com quem negociou a compra da decisão. Diniz foi finalmente reconduzido ao cargo, em uma sentença que teria custado R$ 6,5 milhões<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
São tantos parentes que até fica confuso entender a história toda. De qualquer forma, ela corrobora o entendimento de que a decisão do STF de afrouxar o conflito de interesses na atuação do advogado é péssima e não poderia vir em hora pior. O tecido institucional brasileiro terminou as eleições de 2022 esgarçado. O momento deveria ser de cura.
Mais uma vez, vale o exemplo do lobby: quando qualquer agente econômico relevante contrata um profissional para representar seus interesses, um questionário exaustivo de compliance é preenchido. Nesse questionário é de praxe que o profissional tenha que listar todos os parentes que ocupem cargos públicos, para se prevenir conflitos de interesse.
Parece frágil o argumento trazido pelo Supremo de que seria inaplicável o art. 144, VIII, do CPC, pois o juiz não teria como saber se haveria parentes no caso. Bastaria – como ocorre na prática do lobby – que os próprios advogados informassem, sob pena de falsidade, seus parentes julgadores. Essa solução parece ser o razoável, inclusive para preservar a respeitabilidade do julgador.
Há um motivo para que se respeite a autoridade dos juízes. Para além da expectativa de um notável saber, o juiz está fora da realidade do conflito que possui a missão de solucioná-lo sem buscar interesses pessoais. A Justiça é vendada para não ver as partes, e sua credibilidade decorre da expectativa da imparcialidade. Portanto, mais do que elementos concretos, o fundamento da Justiça está na confiança daqueles que a buscam. Porém, quando essa confiança é abalada, a força do Judiciário é quase nula.
É nesse espaço que se insere a responsabilidade do advogado. Assim como o lobista precisa utilizar de elementos técnicos e éticos para resguardar a esfera da política, também o advogado precisa encontrar freios e boas práticas para assegurar a estabilidade da Justiça, local de sua atuação. A advocacia por influência pessoal, porém, degenera a confiança no juiz.
A regra é dura para a imposição de limites no trato com a administração pública. Na já citada discussão sobre a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/regulamentacao-do-lobby">regulamentação do lobby</a>, abundam sugestões de limitação quanto à cobrança de taxas de sucesso, previsão de divulgação de pautas das reuniões e até penalidades administrativas pesadas em caso de ações indevidas dos lobistas. Fora as regras em discussão, já existe a vedação legal que limita a concessão de brindes em até R$ 100, estabelecida pela Comissão de Ética da Presidência da República.
Porém, há uma seletividade ao se olhar para o Judiciário. Não seria esse o momento mais crítico para se observar a ausência de quarentenas na advocacia ou mesmo colocar uma lupa sobre os congressos internacionais luxuosos que ministros dos tribunais superiores frequentam com recursos públicos? São velhas práticas que o lobby parece caminhar para se desvencilhar, mas a comunidade jurídica ainda se apega.
Em momentos como estes convém recordar as palavras do grande mentor da advocacia brasileira, Rui Barbosa, quando diz: “Nada avaria mais seriamente as instituições populares do que os atos do poder que abalarem a confiança do povo no respeito das leis pela autoridade”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vide : <a href="https://www.irelgov.com.br/irelgov-participa-de-audiencia-publica-sobre-regulamentacao-do-lobby/">https://www.irelgov.com.br/irelgov-participa-de-audiencia-publica-sobre-regulamentacao-do-lobby/</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Vide: <a href="https://www.oab.org.br/noticia/61328/nota-sobre-o-impedimento-para-atuacao-de-magistrados">https://www.oab.org.br/noticia/61328/nota-sobre-o-impedimento-para-atuacao-de-magistrados</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Para mais detalhes vide: <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/politica/delacao-cabral-diz-ter-articulado-supostas-compras-de-ministros-do-stj-e-tcu/">https://www.cnnbrasil.com.br/politica/delacao-cabral-diz-ter-articulado-supostas-compras-de-ministros-do-stj-e-tcu/</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BARBOSA, Rui. Novos Discursos e Conferências. São Paulo : Saraiva, 1933. p. 96, 102, 117, 132.

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O que a advocacia precisa aprender com o lobby?

Atividade de defesa de interesses soube se reinventar