Anamaria Prates Barroso

Gabriela Guimarães Peixoto

No âmbito do processo penal, a função do magistrado na produção de provas é assunto de intenso debate. Apesar de a exposição de motivos do Código de Processo Penal trazer a proposta de um juiz com um papel de protagonista, esse ideário passou por algumas transformações a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que, ao inaugurar o sistema acusatório no Direito Brasileiro, adequou-lhe a algumas diretrizes básicas.
Para tanto, ela fez consignar uma separação nítida entre os atores processuais – acusação, defesa e julgador – que visa a imparcialidade do magistrado, incumbindo-lhe o papel de destinatário da prova ao invés de seu produtor e instituindo que ele deve, ao zelar pela sua regularidade, atuar tão somente de forma excepcional.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Na sequência, mas ainda sob a égide das instituições do sistema acusatório, a Lei nº 11.690/2008 trouxe significativa alteração ao artigo 212 do Código de Processo Penal. A ratio legis desse dispositivo, em síntese, era buscar distanciar o magistrado da colheita de provas, retirando-lhe uma postura ativa e garantindo uma maior imparcialidade ao seu julgamento, de forma que lhe é concedido apenas poderes complementares.
O artigo em questão conferiu ao magistrado um papel subsidiário, complementar e de zelador da legalidade da produção de provas, podendo inadmitir perguntas que possam induzir a resposta, que não tenham relação com a causa ou que importem na repetição de outra já respondida (caput do artigo 212 do CPP).
O problema, contudo, é que a sua aplicação na práxis jurídica, a princípio, não teve o efeito que dela se esperou. Isso porque, ao tempo em que as defesas nutriram a legítima expectativa de que ela influiria numa condução mais isonômica da construção e valoração probatória, até mesmo por uma questão de paridade de armas, os Tribunais Superiores passaram a adotar uma posição de que a eventual correção de uma violação só ocorreria quando presente um standard comprobatório de prejuízo que, na realidade, era diabólico.
O ponto foi justamente criticado pela doutrina brasileira. Com o brilhantismo que lhe é próprio, assinala Lenio Streck: “Uma das primeiras decisões foi em um HC de Pernambuco, no ano de 2010, com voto da ministra Carmen Lucia, quem negou o writ, com base no adágio 'não há nulidade sem prejuízo'. Detalhe: naquele caso – e isso é corriqueiro – a prova foi feita toda na audiência pelo juiz, que ignorou os dizeres do art. 212. A pena foi de mais de 12 anos. Mas o HC foi negado porque não provado o prejuízo. A condenação à pena de mais de 12 anos, afinal, seria o quê? Não é prejuízo presumido?”. <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Atacou-se, além disso, a posição ambivalente da jurisprudência ao analisar essas inovações ora de forma literalista ora voluntarista, mas sempre à míngua de qualquer segurança jurídica<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Afinal, de que valeria a nova redação do artigo 212 do CPP se a sua aplicação não pudesse ser reforçada, objetivamente, pela própria legalidade processual?
<blockquote class="jota-article__eye">Felizmente, depois de tantos anos (13!), o STF parece ter dado passos na direção contrária para rever o seu antigo posicionamento e consolidar um raciocínio mais condizente com o real propósito do art. 212.</blockquote>
Isso pode ser observado, aliás, tanto no âmbito da 1ª Turma (HC nº 187.035/SP, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 06 de abril de 2021) quanto no da 2ª, que recentemente julgou o HC nº 202.557/SP no sentido de que “no que tange à oitiva das testemunhas em audiência de instrução e julgamento, deve o magistrado, em atenção ao art. 212 do CPP, logo após a qualificação do depoente, passar a palavra às partes, a fim de que produzam a prova, somente cabendo-lhe intervir em duas hipóteses: se evidenciada ilegalidade ou irregularidade na condução do depoimento ou, ao final, para complementar a oitiva, se ainda existir dúvida – nessa última hipótese sempre atuando de forma supletiva e subsidiária (como se extrai da expressão “poderá complementar”)”.
Ao conceder a ordem, inclusive, a 2ª Turma entendeu que a atuação do magistrado em violação ao art. 212 do Código de Processo Penal geraria uma limitação da defesa prospectiva, já que – em se desconhecendo a estratégia dos advogados constituídos quo ante – a sua intromissão pode ou não causar prejuízo à parte, mas sempre influenciará na condução do processo. Por tudo, afirmou que a forma processual postulada seria uma garantia cujo descumprimento comprometeria o devido processo legal.
Esse é um ponto positivo, é claro – e que encontra amplo respaldo nas reivindicações das defesas –, mas que ainda encontra certa resistência em outros tribunais. No Superior Tribunal de Justiça, por todos, ainda vige a orientação de que o prejuízo não pode ser presumido nem prospectivo, mas sim demonstrado (AgRg no AREsp nº 746.463/SP). Na Corte Cidadã, vigora o entendimento de que, sendo uma nulidade relativa, deve haver mais do que um erro in procedendo para se decretar a invalidação de uma instrução.
Não é o ponto aqui desmentir todos os fundamentos utilizados pelo STJ como ratio desse raciocínio. Em verdade, a essência dessa discussão já está posta como consequência teleológica do art. 212.
Contudo, se não por isso – e em se constatando conflito entre os Tribunais Superiores –, deve haver uma aplicação geral do entendimento do STF no HC nº 202.557/SP, qual seja, o artigo 212 não encerra uma opção ou recomendação não podendo o magistrado ocupar um papel de protagonismo quando da inquirição das testemunhas e que a demonstração de efetivo prejuízo no campo das nulidades processuais penais é sempre prospectiva.
Ponto para o STF.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> STRECK, Lenio Luiz. Por que é tão difícil “cumprir a letra da lei”? O caso do art. 212 do CPP. ConJur, 2020. Disponível em: &lt;<a href="https://www.conjur.com.br/2020-abr-30/senso-incomum-tao-dificil-cumprir-letra-lei-art-212-cpp">https://www.conjur.com.br/2020-abr-30/senso-incomum-tao-dificil-cumprir-letra-lei-art-212-cpp</a>&gt;. Acesso em: 13 de setembro de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> STRECK, Lenio Luiz. Por que é tão difícil “cumprir a letra da lei”? O caso do art. 212 do CPP. ConJur, 2020. Disponível em: &lt;<a href="https://www.conjur.com.br/2020-abr-30/senso-incomum-tao-dificil-cumprir-letra-lei-art-212-cpp">https://www.conjur.com.br/2020-abr-30/senso-incomum-tao-dificil-cumprir-letra-lei-art-212-cpp</a>&gt;. Acesso em: 13 de setembro de 2021.

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JOTA

No âmbito do processo penal, a função do magistrado na produção de provas é assunto de intenso debate

O protagonismo do magistrado no art. 212 do CPP e a comprovação do prejuízo

No âmbito do processo penal, a função do magistrado na produção de provas é assunto de intenso debate