Thiago Ferreira Almeida

O sistema monetário internacional é marcadamente dominado por uma única moeda: o dólar americano. Essa situação lhe confere um status privilegiado nas trocas financeiras e comerciais globais. Essa situação permite descrever a existência de um "privilégio exorbitante" do dólar, conforme temo adotado por Barry Eichengreen, em sua obra: Exorbitant Privilege: The Rise and Fall of the Dollar and the Future of the International Monetary System (Oxford University Press, 2011).
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Desde o final da Segunda Guerra Mundial, com a instituição de um sistema internacional fortemente vinculado à moeda americana, por meio dos Acordos de Bretton Woods de 1944, em que foram instituídos o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development - IBRD) e o Fundo Monetário Internacional (International Monetary Fund - IMF), iniciou-se o sistema Dólar-Ouro, em que somente o dólar seria vinculado a um valor fixo ao ouro.
Na época, todas as demais moedas seriam vinculadas a um valor fixo ao dólar. Esse sistema perdurou até 1971, quando os próprios Estados Unidos, unilateralmente, decidiram desvalorizar a sua moeda, em virtude dos altos gastos com a Guerra do Vietnã. A partir de então, vigora o sistema Dólar-Dólar, em que a moeda americana é lastreada a partir da credibilidade dos Estados Unidos no sistema internacional.
Outras moedas de nações consideradas estáveis financeiramente são reconhecidas nas trocas internacionais, contudo apresentam participação marginal, como é o caso da libra esterlina do Reino Unido (ao contrário da sua dominação como principal moeda internacional no século XIX até a 1ª Guerra Mundial), o yen do Japão e o euro.
Em específico, a adoção de uma moeda única na União Europeia foi aprovada no Acordo de Maastricht de 1992, sendo efetivamente implementada em 2002. Atualmente, dos 27 países membros, 19 adotam a moeda, dentre eles a França, Itália e Alemanha.
Apesar da existência de outras moedas consideradas estáveis (ou “fortes”), o dólar americano ainda permanece como moeda franca no sistema internacional. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), 60% das reservas internacionais utilizam o dólar, seguido por 20% do euro. O yen, a libra esterlina e mesmo o renminbi (moeda chinesa), respondem montantes muito inferiores.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
O reconhecimento dessa estabilidade monetária de algumas moedas ocorre na observação da composição dos Direitos Especiais de Saque (Special Drawing Rights - SDR), que consiste em uma das espécies de retirada incondicional de recursos do FMI, independentemente de sua aprovação. Criado em 1969 com o objetivo de instituir um instrumento de reserva internacional de ativos, a sua utilização ocorre quando o banco central de determinado Estado-membro do FMI precisa de reservas oficiais e adquiri SDR de outros Estados-membros. Ressalta-se que o SDR é um ativo financeiro e não uma moeda, mas seu valor advém de uma cesta de moedas aprovadas pelo FMI.
Desde novembro de 2015, o FMI aprovou a inclusão do renminbi chinês junto às demais moedas que compõem o SDR (dólar americano, yen japonês, libra esterlina e o euro).<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
A inclusão da moeda chinesa demonstra a forte presença das economias emergentes no sistema monetário internacional, alterando a configuração tradicional de Norte e Sul globais em direção a um sistema multipolar em que as tradicionais economias desenvolvidas se deparam com a presença dos países emergentes, exercendo influência econômica e política internacionalmente.
<blockquote class="jota-article__eye">O Brasil, com um montante representativo de reservas internacionais no valor de US$ 350 bilhões, apresenta a sua composição principalmente formada por títulos, depósitos em moedas (dólar, euro, libra esterlina, iene, dólar canadense e dólar australiano), SDR junto ao FMI, ouro e outros ativos.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a></blockquote>
Por outro lado, a Rússia, no presente mês de junho de 2021, anunciou que seu Fundo Soberano National (National Wealth Fund - NWF) iria se desfazer de ativos em dólar americano e substituir por correspondentes em euro, renminbi e ouro.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> O NWF possui ativos calculados no montante de 185 bilhões de dólares.
Pode-se entender de duas formas o movimento realizado pelo fundo soberano russo. Em um contexto geopolítico especifico da conduta da Rússia no plano internacional, trata-se de uma forma do governo russo de se afastar do sistema financeiro ocidental, marcadamente dominado pelos Estados Unidos, em virtude das sanções econômicas aplicadas desde a anexação da Crimeia em 2014.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> Essa situação de política internacional é coloca em evidência frente ao recente encontro entre so presidentes dos Estados Unidos e da Rússia em Genebra, na Suíça, dia 16 de junho de 2021.
Por outro lado, analisando o contexto financeiro e monetário internacional, pode-se entender o movimento do fundo soberano russo como um aumento às críticas do atual sistema marcadamente dominado pelas economias desenvolvidas, com prevalência do excepcionalismo norte-americano.
As primeiras décadas do século XXI são caracterizadas pelo crescimento de economias emergentes, em especial as integrantes do grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), pelo reposicionamento dos fóruns internacionais de debate financeiro com a prevalência do G20 sobre o G7 e pelas consequências decorrentes da crise financeira de 2008 e a atual gerada pela pandemia do Covid-19.
Dessa forma, é necessário reconhecer a persistência de estruturas desiguais no sistema financeiro e monetário internacionais, sendo prevalente o desenho de mecanismos de ampliação da representação dos países emergentes no plano global e um maior equilíbrio entre as nações.
Uma vez que tais alterações estruturas são difíceis de se obter via consenso multilateral, face à persistente posição dos países desenvolvidos de manterem inalterados os seus privilégios, os países emergentes, como as novas forças econômicas, devem se organizar e buscar a utilização de outras moedas em suas transações comerciais e financeiras. A exemplo, o Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank - NDB), conhecido como o Banco dos BRICS, adota em seus projetos de cooperação financeira o renminbi, além do dólar, flexibilizando o entendimento tradicional da moeda americana como única forma de transação financeira.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> INTERNATIONAL MONETARY FUND. Currency Composition of Official Foreign Exchange Reserves - COFER. Disponível em: https://data.imf.org/?sk=E6A5F467-C14B-4AA8-9F6D-5A09EC4E62A4. Acesso em: 6 jun. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> INTERNATIONAL MONETARY FUND -  IMF. IMF Adds Chinese Renminbi to Special Drawing Rights Basket. Disponível em: https://www.imf.org/en/News/Articles/2016/09/29/AM16-NA093016IMF-Adds-Chinese-Renminbi-to-Special-Drawing-Rights-Basket. Acesso em 6 jun. 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN. Reservas internacionais. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/reservasinternacionais. Acesso em 6 jun. 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> KORSUNSKAYA, Darya; MARROW, Alexander. Russian rainy day fund to get out of all U.S. dollar assets. Reuters, 3 de junho de 2021. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-russia-reserves-idUSKCN2DF1R9. Acesso em 6 jun. 2021.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> REUTERS. G7 remains committed to sanctions on Russia over Ukraine. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-russia-ukraine-g7-idUSKBN2BA0U6. Acesso em 6 jun. 2021.

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O dólar tem status privilegiado nas trocas financeiras e comerciais globais

O privilégio exorbitante do dólar

O dólar tem status privilegiado nas trocas financeiras e comerciais globais