Tércio Chiavassa

Fernanda Ramos Pazello

Tem início nesta semana o esperado julgamento de mais um tema tributário bastante relevante. O plenário do STF definirá o alcance da regra constitucional da não cumulatividade do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pis">PIS</a> e da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cofins">Cofins</a><a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A Corte Suprema se debruçará sobre a análise dos contornos da não cumulatividade dessas contribuições sociais buscando dar uma interpretação conforme a Constituição Federal de 1988 ao artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, ou seja, compatibilizar a diretriz prevista no artigo 195, parágrafo 12, da CF com as referidas normas ordinárias.
Há um aspecto importante e que permeará o julgamento do STF: verificar a conciliação da pretensão<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> dos jurisdicionados do Tema 756<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> com as manifestações sobre o tema já externadas pelo Congresso Nacional e pelo próprio STF, o que será desenvolvido adiante.
Convém destacar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no “Caso Anhambi”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, analisou o conceito de insumo trazido pelas Instruções Normativas nº 247/2002 e 404/2004 e, naquela oportunidade, declarou a ilegalidade desses diplomas infralegais e decidiu pelo conceito de insumo atrelado à essencialidade e relevância da atividade econômica do contribuinte. Naquele julgamento não se tratou do princípio constitucional da não cumulatividade. Partimos, portanto, deste cenário posto e que já é aplicado hoje pela Receita Federal, ainda que com algumas indevidas restrições.
O STF já decidiu algumas situações específicas sobre o direito ao crédito (abatimento da base) do PIS e da Cofins sob o prisma do choque da não cumulatividade com princípios constitucionais específicos, tais como a isonomia e a capacidade contribuinte. É possível afirmar que em nenhuma dessas ocasiões os Ministros da Suprema Corte analisaram o efetivo conteúdo do princípio da não cumulatividade aplicável a essas contribuições sociais, a exemplo de situações em que houve a interpretação equivalente para o ICMS e o IPI. Portanto, é digna de nota a importância do julgamento do Tema 756!
Vejam abaixo quais foram as situações analisadas e qual foi a tese fixada e confiram trechos relevantes de alguns votos:
Tema 34 (RE 570.122 – ministro Marco Aurélio)
<ul>
<li>Discutiu-se a constitucionalidade da ampliação base de cálculo e alíquota de Cofins pela Medida Provisória nº 135/2003, convertida na Lei nº 10.833/2003</li>
<li>Tese fixada:“É constitucional a previsão em lei ordinária que introduza a sistemática da não cumulatividade da Cofins, dado que observa os princípios da legalidade, da isonomia, capacidade contributiva global e não confisco” (Voto vencedor Edson Fachin)</li>
<li>Não houve análise específica dos critérios previstos na lei para a aplicação da não cumulatividade</li>
</ul>
Tema 244 (RE 599.316 – ministro Marco Aurélio) 
<ul>
<li>Discutiu-se a inconstitucionalidade do artigo 31 da Lei nº 10.833/2003, que vedou os créditos de PIS e Cofins sobre bens do ativo adquiridos antes de 30.4.2004</li>
<li>Tese fixada: "Surge inconstitucional, por ofensa aos princípios da não cumulatividade e da isonomia, o artigo 31, cabeça, da Lei nº 10.865/2004, no que vedou o creditamento da contribuição para o PIS e da Cofins, relativamente ao ativo imobilizado adquirido até 30 de abril de 2004”</li>
<li>Análise específica desta vedação sem aprofundamento sobre o sentido e alcance da sistemática não cumulativa para o PIS/Cofins</li>
</ul>
Tema 304 (RE 607.109 – ministra Rosa Weber)
<ul>
<li>Discutiu-se o direito à apropriação de créditos de PIS e Cofins na aquisição de desperdícios, resíduos e aparas</li>
<li>Tese fixada: “São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS e Cofins na aquisição de insumos recicláveis”</li>
<li>Voto da ministra Rosa Weber: “não olvido as significativas polêmicas quanto às regras gerais de tributação do PIS/Pasep e da Cofins no regime da não cumulatividade. Não obstante, fogem ao objeto da presente repercussão geral”</li>
<li>Voto do ministro Alexandre de Moraes: “No entanto, apesar de a matéria objeto do Tema 756 também ter sido debatida nas instâncias de origem, na hipótese dos presentes autos, o cerne da questão é outro”</li>
<li>Voto do ministro Gilmar Mendes: “Firme nessas razões, reputo eu as normas impugnadas são flagrantemente inconstitucionais, não apenas porque violam diretamente o princípio da igualdade, mas sobretudo por serem incompatíveis com as finalidades que a Constituição Federal almeja em matéria de proteção ao meio ambiente e de valorização do trabalho humano”.</li>
</ul>
ADI 3144 (ministro Edson Fachin)
<ul>
<li>Discutiu-se a constitucionalidade dos artigos 1º ao 16 das Leis 10.637/02 e 10.833/03</li>
<li>Admissão parcial: somente para a questão da majoração da alíquota e distinção para lucro presumido e empresas do Simples, ou seja, análise dos artigos 2º e 10, incisos II e III, Leis 10.637/02 e 10.833/03</li>
</ul>
Os trechos dos julgados destacados demonstram que o STF afastou ou manteve algumas limitações com base em princípios constitucionais, mas falta ainda delinear o efetivo alcance do princípio da não cumulatividade aplicável ao PIS e à Cofins, relegado ao Tema 756 e que terá início de julgamento nesta semana.
O legislador constituinte derivado trouxe para a Constituição Federal o princípio da não cumulavidade também para o PIS e a Cofins, a exemplo do que, no passado, fez para o ICMS e o IPI. Aqui cabe uma lembrança importante. A não cumulatividade do ICMS e do IPI é plena. Quando o legislador constitucional excepcionou o exercício pleno do direito à não cumulatividade o fez expressamente, a exemplo do artigo 155, da CF, o que nos parece um guia na busca de uma resposta à aplicação para tais contribuições sociais. Nesse sentido, o raciocínio do Professor Humberto Ávila, em parecer já anexado aos autos do Tema 756, é certeiro:
<blockquote class="jota-article__citation">“(...) 2.1.1.15 Essas considerações preambulares comprovam que existe, digamos, um ‘conceito constitucional’ de não cumulatividade com relação às contribuições devidas ao PIS e à COFINS: ao contrário de outros princípios, que podem ou não ser adotados, podem ter o seu conteúdo amplamente configurado pelo legislador ordinário, o princípio da não cumulatividade das contribuições sociais não foi apenas positivado pela Constituição, como teve o seu conteúdo parcialmente definido por ela.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">2.1.1.16 Por consequência, embora o legislador ordinário tenha liberdade para definir os setores para os quais as contribuições sobre a receita e a importação serão não cumulativas e a técnica a ser empregada para sua efetivação, ele deve definir os setores abrangidos e deve estabelecer um sistema que afaste a cumulação da carga tributária, seja diretamente, pela definição da própria não cumulatividade, seja indiretamente, pela definição dos seus elementos funcionais, como é o caso do conceito de insumo, adiante esmiuçado. (...)” (fl. 10)</blockquote>
Partindo dessa premissa, vemos que as limitações do artigo 3º claramente não atendem às características do PIS e da Cofins e, por esse motivo, restará ao STF dar uma interpretação conforme a CF/88 para que os contribuintes tenham direito à escrituração de créditos de PIS e Cofins sobre todos os custos e despesas necessários à atividade da empresa na formação da sua receita, base de cálculo do PIS e da Cofins.
Há também um outro aspecto que merece atenção no julgamento da questão. Ao tratar do Tema 337, específico das limitações aos créditos de PIS e Cofins às empresas prestadoras de serviços, os Ministros do STF concluíram que a legislação do PIS e da Cofins estaria em um processo de “inconstitucionalização” e indicaram que seria adequado, até mesmo, conceder o prazo de dois anos ao Poder Legislativo para que corrigisse essa “incoerência e irracionalidade”. Confira-se trechos dos votos:
Voto do ministro Dias Toffoli
<blockquote class="jota-article__citation">“Posteriormente, sucessivas leis (...) excluíram da regra geral da não cumulatividade outras atividades e receitas, de modo que, se havia alguma racionalidade ou mesmo neutralidade no modelo pensado pelo legislador quando da inauguração da não cumulatividade, isso foi se perdendo ao longo dos mais de quatorze anos de vigência.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Longe de atingir as finalidades almejadas, as sucessivas alterações legislativas acabaram por acentuar as imperfeições e a ausência de racionalidade na seleção das atividades econômicas.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">(...)</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Ressalto, inclusive, ser notório e amplamente divulgado nos principais veículos de comunicação que a Secretaria da Receita Federal do Brasil reconhece as deficiências do sistema atual de apuração da contribuição ao PIS e à Cofins e está discutindo com os mais diversos setores de atividade econômica reformas estruturais na legislação atual.”</blockquote>
Voto da ministra Rosa Weber
<blockquote class="jota-article__citation">“Não vejo como declarar a inconstitucionalidade pretendida, embora entenda muito oportuno esse recado que se manda ao legislador, no sentido de que, diante dessas incongruências que – sobretudo pela evolução legislativa – se fazem presentes, se possa estar caminhando para uma inconstitucionalidade.”</blockquote>
Voto do ministro Alexandre de Moraes
<blockquote class="jota-article__citation">“Ocorre que o figurino normativo proposto pelo legislador, inaugurando um duplo regime jurídico de apuração do PIS/Cofins (secundado na oportunidade e na conveniência para regular a matéria), muito embora não possa tachá-lo inconstitucional, revelou-se defectível ab ovo.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Durante os debates do Tema 337, chama a atenção a fala do ministro Gilmar Mendes sobre a necessidade imediata de reformulação da legislação do PIS e da Cofins em razão das suas evidentes distorções, a saber:</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">“(...) Por isso que eu fiz só essa ponderação no sentido, talvez, de quê? Ou – deixo isso muito explícito –, talvez, deixando um prazo e, aí, com um apelo ao legislador para que os próprios órgãos fazendários e os órgãos governamentais tenham exata consciência de que precisam fazer uma modificação num dado prazo, ou, até mesmo, que assumamos – e, aí, essa era até minha proposta alternativa, tinha até colocado ao Ministro Toffoli –, que declaremos a inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade, deixando em vigor a Lei pelo prazo, digamos, de dois anos. Mas, claro, não tenho dificuldade de subscrever o voto de Sua Excelência com esses fundamentos, entendendo que já estamos, talvez, um pouco além da situação propriamente de evolução para um quadro de processo de inconstitucionalização, talvez, a gente já esteja avançado... Mas, é claro, qualquer avanço aqui tópico vai provocar desajustes também na sistemática, que precisa de uma revisão geral, com repercussões também na arrecadação, como nós sabemos. Mas eu deixo isso apenas como alternativa. Mas, claro, não tenho dificuldade de subscrever o voto de Sua Excelência com esses fundamentos, entendendo que já estamos, talvez, um pouco além da situação propriamente de evolução para um quadro de processo de inconstitucionalização, talvez, a gente já esteja avançando... Mas, é claro, qualquer avanço aqui tópico vai provocar desajustes também na sistemática, que precisa de uma revisão geral, com repercussões também na arrecadação, como nós sabemos. Mas eu deixo isso apenas como alternativa.”</blockquote>
O se quer evidenciar é que estamos no final de 2022 e, mesmo com propostas legislativas de reforma ampla do PIS e da Cofins mediante a instituição da CBS (Contribuição de Bens e Serviços) pelo Projeto de Lei nº 2.337, de 2021, não se avançou no tema. O mais perto disso foi a inclusão de proposta da CBS na reforma tributária ampla. Há um claro retrocesso no processo de modificação do PIS e da Cofins e que deve também ser levado em consideração para que o STF verifique se aquele processo de inconstitucionalização está concluído.
Vinte anos se passaram desde a introdução das leis ordinárias que pretenderam regular o princípio da não constitucionalidade e o que se viu foram imperfeições ao longo desse percurso, identificadas pelo próprio STF. O que se espera no julgamento que se inicia nesta semana é que o STF corrija esse caminho e indique a plenitude do princípio constitucional da não cumulatividade, na linha do que já garantiu para outros tributos protegidos por esse princípio.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Artigo 195 -
<ul>
<li>
12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não cumulativas. <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc42.htm#art1">(Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) </a>
</li>
</ul>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> As empresas recorrentes e as associações admitidas como amicus curiae buscam o reconhecimento do direito ao aproveitamento dos créditos de PIS e COFINS sobre todas as entradas de bens e serviços, pois necessários ao exercício de suas atividades empresariais e para a formação da sua receita.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Repercussão geral: “Alcance do art. 195, § 12, da Constituição federal, que prevê a aplicação do princípio da não cumulatividade à Contribuição ao PIS e à COFINS”
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> RESP 1.221.170/PR

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JOTA

Tem início nesta semana mais um esperado julgamento de um tema tributário

O princípio da não cumulatividade do PIS e da Cofins na interpretação do STF

Tem início nesta semana mais um esperado julgamento de um tema tributário pelo STF: a não cumulatividade do PIS e da Cofins