Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

Contra a Lei francesa n. 2010-1192, que proíbe qualquer pessoa de esconder e/ou cobrir seu rosto em lugares públicos, cidadã franco-paquistanesa  (S.A.S.) foi à Corte Europeia de Direitos Humanos contestar tal legislação.
Muçulmana, a requerente sustentou que de acordo com sua fé, cultura e convicções pessoais, e, frisamos, sem nenhuma pressão de seu marido ou outro membro familiar, adota como vestimenta a burqa<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> ou a niqab<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Afirmou ainda que não faz uso rigoroso dessas vestimentas, em especial quando vai ao médico ou em encontro sociais com amigos em lugares públicos. O uso do vestuário em questão se dá por sua escolha e em razão de seus sentimentos espirituais. No Ramadan, e para sentir-se em paz consigo mesma, a requerente faz uso daquelas roupas mesmo em público. Dito isso, questiona a proibição contida naquela lei francesa, em face de causar a legislação interferência em sua vida privada e religiosa.
O governo da França, por ouro giro, defendeu-se argumentando que a requerente se faz de "vítima", pois teria deixado de fazer uma série de provas referentes a seu pleito, inclusive quanto a alegação de ser mulçumana. E se faria de vítima, segundo o governo francês, pois a própria cidadã afirma usar tais vestimentas por questões de índole pessoais. Argumenta que a legislação não busca atingir um interesse individual, mas, sim, resguardar políticas internas e interesse de Estado, como a segurança pública. Por fim, consignou que a legislação foi entendida como necessária pelo Conselho Constitucional e pela Corte de Cassação.
Terceiros também se manifestaram. As organizações não-governamentais Anistia Internacional; Liberdade; e, Sociedade Aberta para Inciativa de Justiça. Também autuaram como terceiros o Governo da Bélgica e o Centro de Direitos Humanos da Universidade Ghent. Em apertada síntese, alguns observaram que a utilização de vestimentas com conotação religiosa é protegido pela Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, pois que garantido a liberdade de expressão, crença e pensamento. Outros alertaram, entretanto, que não se pode também deixar de se notar e aplicar para o exame do debate a Convenção de Eliminação de toda Forma de Discriminação contra as Mulheres, discriminação essa que também pode estar fundada em preceitos religiosos. Alguns ainda argumentaram que a proibição legal francesa poderia ser contra produtivo às mulheres mulçumanas. Indo além outros disseram tratar-se de Islãmofobia. O Estado belga defendeu a legalidade da norma francesa, pois a mesma teria por finalidade promover a interação social, a igualdade de gêneros, a separação entre Igreja e Estado, e reforçar a democracia.
Aquele Tribunal de Direitos Humanos quando do exame desse caso n. 43835/11 promoveu exaustiva análise de temas como (i) a prática e a legislação doméstica; (b) a prática e a legislação internacional; e, (c) a situação em outros países europeus; para, ato contínuo, conhecer do pedido formulado. Fundamentada em sua jurisprudência, a Corte reiterou que a enumeração de exceções para as manifestações de direitos individuais ou de crenças é exaustiva e suas definições são restritivas, sendo necessário que as limitações às mesmas estejam em linha com objetivos legítimos.
E a segurança pública, segundo aquele Tribunal, seria o primeiro dos objetivos legítimos a declarar a licitude da norma francesa. Em uma interpretação conectiva também reconheceu a legalidade do banimento daquelas vestimentas em público no caso da busca de proteção dos direitos e liberdade de terceiros e na manutenção da ordem pública, esse dois últimos argumentos com acolhidos com ênfase. Em alguns casos, decidiu, interesses individuais devem ocasionalmente se subordinar ao de um grupo, sendo que em uma democracia um balanço/equilíbrio deve ser encontrado. Mais, asseverou que a legislação em exame se justificava pela garantia do convívio em sociedade.
Em julho de 2014, o não ferimento daquela norma francesa aos artigos 8, 9, 10 e 14 da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais foi decidido majoritariamente.
No Brasil, irmãs de uma congregação religiosa impetraram no ano de 2010 mandado de segurança contra a "necessidade de retirada do véu em nome da segurança do próprio passageiro e da incolumidade pública." Em sentença<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> lavrada em dez laudas no ano de 2011, a segurança foi parcialmente deferida para que a retirada do véu pelas irmãs não se desse em público, e só!
A retirada do véu em local reservado foi determinada sob o argumento de que embora a Constituição Federal proteja a liberdade de crença, a mesma Carta também prevê o princípio da segurança, e, em assim sendo, faz-se necessário conciliar, balancear, equilibrar os princípios constitucionais com terceiro princípio: o da proporcionalidade. No caso concreto, então e de forma proporcional, proibiu-se a retirada do véu em público (liberdade à crença), mas não a sua não retirada em hipótese alguma (segurança da coletividade).
Referida decisão transitou em julgado em maio de 2014.
Vê-se que o julgador enfrentou o tema de modo bastante razoável, mais ainda, que a interpretação de nossa Constituição permite o exercício pleno de manifestações religiosas, culturais, políticas e filosóficas, com sua expressa ressalva, caso a caso e com a devida proporcionalidade; lembrando ainda l "liberdade não significa independência total, isto é, não depender de nada nem de ninguém. A vida em sociedade é, necessariamente, marcada pela mútua dependência."<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
O banimento puro e simples de tais convicções, cremos, pode ser mais gravoso do que a busca por um melhor conhecimento de tais valores que, sejam pessoais ou coletivos, podem nos parecer estranhos a um primeiro olhar, o que reforça o reclame pela promoção incessante de diálogos multiculturais, melhor aceitação e respeito aos direitos humanos, mesmo que para tanto se faça necessário desenhar<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> tais aspirações.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vestimenta que cobre todo o corpo da mulher, acrescido de uma malha a cobrir-lhe os olhos.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Vestimenta que cobre todo o rosto da mulher, com uma abertura apenas para os olhos.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Sentença n. 368/2011-B Processo 32127-59.2010.4.01.3400
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Tratado de direito constitucional, v. 1/ coordenadores Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento. - "Direitos Fundamentais", Ives Gandra Martins Filho, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 288
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> O mundo de Aisha - A revolução silenciosa das mulheres do Iêmen, Ugo Bertotti, Editora Nemo
O árabe do futuro - Uma juventude no Oriente Médio (1978-1984), Riad Sattouf, Editora Intrínseca
Crônicas de Jerusalém, Guy Delisle, Editora Zarabatana

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JOTA

O banimento puro e simples de convicções religiosas pode ser mais gravoso do que a busca pelo conhecimento de tais valores

O princípio constitucional da segurança a desvendar o véu das crenças

O banimento puro e simples de convicções religiosas pode ser mais gravoso do que a busca pelo conhecimento de tais valores