Leonardo Bueno

Thales Falek

O cenário econômico atual causa preocupação para diversas cadeias industriais brasileiras, em especial aquelas responsáveis pela produção de bens voltados ao desenvolvimento do setor do agronegócio, tendo em vista o crescente aumento do custo de produção impulsionado pelo aumento dos preços dos insumos.
Por isso é importante que sejam adotadas políticas tributárias capazes de conter os efeitos econômicos adversos e, ao mesmo tempo, que estimulem a recuperação econômica sustentável do país.
Recentemente, o governo federal apresentou uma proposta para o novo arcabouço fiscal, que substituirá o teto de gastos para evitar o descontrole das contas públicas. Dentre outras medidas, o plano elaborado deve aumentar a arrecadação tributária e, muito embora nada tenha sido dito sobre este assunto, a regulamentação da Cannabis Sativa poderá contribuir muito para alcançar as metas estabelecidas.
As condições geográficas e climáticas do Brasil favorecem o cultivo da Cannabis Sativa, inclusive, e estima-se que entre 80% a 95% do território nacional dispõe de áreas com aptidão classificada como boa ou ótima para o cultivo do cânhamo para fins industriais<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A atividade agrícola, na qual a cultura do cânhamo está inserida, apresenta incertezas quanto à efetivação da produção, em virtude das intempéries a que a atividade está suscetível, o que coloca a agricultura como uma atividade produtiva de alto risco empresarial<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Além disso, a sazonalidade inerente aos produtos agrícolas provoca a descontinuidade do fluxo de produção ao longo do ano, o que implica ociosidade temporária de terras, armazéns e equipamentos, majorando, assim, o custo produtivo<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
A regulamentação do setor exigirá do governo políticas de desenvolvimento e expansão da cultura. Em contrapartida, a arrecadação tributária fortalecerá o mercado interno e permitirá ao Brasil competir com o mercado internacional.
O desenvolvimento da cadeia produtiva do cânhamo a partir da regulamentação da Cannabis Sativa tem um inegável potencial na geração de empregos, na arrecadação de receita para o Estado, na criação de novas linhas de financiamento e na criação de uma nova atividade financeira no mercado de capitais, entre outros tantos benefícios.
Os estudos iniciais sobre este setor apontam que a tributação da Cannabis Sativa deve surgir nos moldes do que ocorre hoje com o Imposto sobre Produtos Industrializados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/IPI">IPI</a>), que é seletivo. Neste modelo o governo pode aumentar ou reduzir as alíquotas para atender suas políticas públicas. No caso da cannabis, as alíquotas podem variar conforme sua aplicação: medicinal, industrial ou recreativa.
Os produtos medicinais, por exemplo, teriam uma tributação reduzida em relação ao cânhamo industrial. Já os produtos relacionados ao uso recreativo, se permitidos, teriam uma tributação semelhante à do álcool e do cigarro.
Atualmente, a cannabis medicinal no Brasil é regulamentada por duas resoluções da Anvisa: a <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-da-diretoria-colegiada-rdc-n-327-de-9-de-dezembro-de-2019-232669072">RDC 327/2019</a> e a <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-660-de-30-de-marco-de-2022-389908959">RDC 660/2022</a>. A primeira estabelece os critérios para produção, importação, registro e venda de medicamentos à base de cannabis nas farmácias nacionais. A segunda define os critérios para a importação por pessoas físicas.
A diferença entre a Cannabis Sativa para uso medicinal ou industrial e para uso recreativo é que a destinada a este último fim, em geral, tem uma concentração maior de THC, o componente psicoativo da planta. Apenas para referência, nos EUA se a concentração for de até 0,3%, o composto é considerado cânhamo; se a concentração for superior é considerado marijuana ou maconha. Os compostos para uso recreativo nos países que regulamentaram o seu consumo têm tributação mais pesada em relação aos demais.
Segundo pesquisa da consultoria Kaya Mind, o comércio de produtos medicinais derivados da Cannabis Sativa movimentou R$ 130 milhões no país em 2021 e este valor representou uma alta de 124% em relação a 2020. Estes números levaram em conta só os medicamentos importados e disponíveis nas farmácias, todavia, há como acessar os medicamentos por meio de associações e pela importação por pessoas físicas.
Um outro estudo, das consultorias New Frontier Data e The Green Hub, projetou uma arrecadação anual de R$ 4,7 bilhões para o Brasil apenas com o setor medicinal se for implementada uma política abrangente para o uso da Cannabis Sativa na saúde. Neste cenário, seriam alcançados 4 milhões de pacientes.
É importante frisar que o potencial da cultura do cânhamo no Brasil só será aproveitado em seu nível máximo se as autoridades brasileiras entenderem que a cadeia produtiva merece benefícios fiscais atrelados à política fiscal de incentivo agrícola, prevista no art. 187 da Constituição Federal<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
O artigo 187 da Constituição Federal dispõe que a política agrícola será planejada e executada com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como setores de comercialização, de armazenamento e de transportes. A norma constitucional estabeleceu a participação ampla de diversos setores na política agrícola e tributar de forma diferenciada o setor do agronegócio não é privilégio, longe disso, é cumprir o que determina a Constituição Federal.
O “agronegócio” e a cadeia produtiva da Cannabis Sativa incluem desde a elaboração de insumos para a produção agropecuária, a atividade rural ou agrária na essência, além de operações de produção agroindustrial, processamento, armazenagem, distribuição e consumo, ou até mesmo instrumentos financeiros voltados a fomentar estas atividades.
A Cannabis Sativa possui inúmeras especificidades ou peculiaridades que não podem ser ignoradas pelo legislador, e que justificam um tratamento diferenciado em matéria fiscal. Ademais, é necessário que sejam utilizadas políticas tributárias para conter os efeitos econômicos negativos experimentados atualmente pelo Brasil e ao estimulem a recuperação econômica sustentável do país.
Ontem já passou e o amanhã não chegou, nós precisamos transformar o Brasil hoje.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ROCHA, Sérgio Barbosa Ferreira. Potencial brasileiro para o cultivo de cannabis sativa l. Para uso medicinal e industrial. II CANNABIS COLLOQUIUM: Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, UFV, Viçosa/MG, jun. 2019
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ARBAGE, Alessandro Porporatti. Fundamentos de Economia rural. Chapecó: Editora Argos, 2012.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ACCARINI, J. Economia Rural e Desenvolvimento. Editora Vozes Ltda. Petrópolis, RJ. 1987
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: I – os instrumentos creditícios e fiscais; II – os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização; III – o incentivo à pesquisa e à tecnologia; IV – a assistência técnica e extensão rural; V – o seguro agrícola; VI – o cooperativismo; VII – a eletrificação rural e irrigação; VIII – a habitação para o trabalhador rural. § 1º Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agro-industriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais. § 2º Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.

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JOTA

Desenvolvimento da cadeia produtiva a partir da regulamentação tem inegável potencial na arrecadação de receita para o Estado

O potencial do cânhamo para solução de políticas públicas

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