Pedro Henrique Esteves Fonseca

Nos últimos dias, com a polêmica tramitação do PL das Fake News (<a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2256735#:~:text=Institui%20a%20Lei%20Brasileira%20de%20Liberdade%2C%20Responsabilidade%20e%20Transpar%C3%AAncia%20na%20Internet.">PL 2630/2020</a>) na Câmara dos Deputados, muito se debateu sobre o que se chamou de lobby das big techs. Este é um artigo que pretende lançar luzes sobre este último ponto, e não propriamente avaliar o conteúdo e o mérito daquele PL que tem animado as mais variadas paixões e torcidas.
O fato é que as grandes empresas de tecnologia, como é lícito em uma democracia, têm se posicionado contra o texto final apresentado (até então) pelo relator, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP).
E elas têm, efetivamente, e como também é lícito, atuado diretamente no Congresso Nacional na representação de seus interesses. Essa parte, e apenas ela, consiste em lobby propriamente dito, em sentido estrito.
A academia tem buscado tratar, é verdade, a representação de interesses de forma mais ampla e multidimensional, considerando as várias formas de influência e engajamento que os atores privados podem exercer na tomada de decisões públicas, inseridos no contexto das relações governamentais e de public affairs<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O problema central é que nada disso está devidamente regulamentado em nosso ordenamento jurídico corrente, e já passou da hora de estar. A incursão legislativa mais moderna nesse sentido consistiu na adição do art. 2º-A ao Estatuo da OAB (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm">Lei 8.906/94</a>) que, desde 2022, passou a prever que “o advogado pode contribuir com o processo legislativo e com a elaboração de normas jurídicas, no âmbito dos Poderes da República”.
É importante reforçar a premissa de que o lobby e as variadas formas de representação de interesses decorrem do próprio catálogo constitucional de direitos, especialmente os de petição (art. 5º, XXXIV, “a”) e de participação do usuário na Administração Pública (art. 37, § 3º), dentre vários outros. Se não há regulamentação taxativa do que é o lobby, há clareza em relação ao que ele não é: nada tem a ver com corrupção, tráfico de influência. Esse são tipos penais, e não lobby.
O lobby legítimo, transparente e profissionalizado contribui com a democratização e com a tomada de decisões públicas e legislativas bem informadas, que privilegiem a dialética de representação dos mais variados setores da sociedade civil organizada.
No caso específico do Google, que inseriu em sua página inicial de busca artigo com sua posição oficial contrária a determinados pontos do PL das Fake News e sugestões de aprimoramento, tanto o governo federal, por meio da <a href="https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2023/05/ministerio-da-justica-exige-mudancas-de-divulgacao-do-google-sobre-o-pl-que-regula-acoes-de-big-techs">Secretaria Nacional do Consumidor</a>, quanto o <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/pl-das-fake-news-alexandre-de-moraes-determina-remocao-de-anuncios-contra-projeto-02052023">ministro do STF Alexandre de Moraes</a>, em despacho cautelar no bojo do Inquérito 4781 (Inquérito das Fake News), vislumbram eventual “abuso de poder econômico”.
Em ambos os casos, determinou-se a retirada do conteúdo, dentre outras obrigações. O <a href="https://www.jota.info/justica/mpf-sp-questiona-google-e-meta-sobre-campanha-contra-o-pl-das-fake-news-02052023">Ministério Público Federal ainda avaliará</a> se as plataformas direcionaram, via algoritmo, os seus usuários – privilegiando textos contrários ao projeto.
A tese do “abuso de poder econômico” se ampara ora na legislação concorrencial, ora na legislação de defesa do consumidor, mas ela é fragilizada pela ausência de tipificação (aplicável de modo inequívoco ao caso concreto) do que seja abuso de poder econômico.
Há uma lacuna legislativa evidente para verificar os limites da atuação das big techs (e de qualquer outro player) no âmbito da representação legítima de interesse juntos aos poderes constituídos. E ela não será suprida pelo PL das Fake News.
A discussão aqui é outra, tão ou mais urgente: simplesmente não existe a figura do abuso na representação de interesses, porque esta última não está regulamentada a contento. É necessário regulamentá-la de modo amplo e estruturante para que sejam estabelecidas balizas claras em torno do que os agentes privados podem ou não fazer no âmbito da defesa legítima de suas posições junto aos tomadores de decisão.
A inclusão do referido artigo na página inicial do Google, por exemplo, não configura lobby, enquanto atuação direta junto aos tomadores de decisão, mas certamente se insere no contexto de uma estratégia orientada de public affairs. Não se pode cercear, a priori, a legitimidade da defesa de interesses. É plenamente legítimo que as empresas adotem sua própria posição contrária ou favorável a determinada proposição legislativa que lhes impacte, mas é possível regular a forma, inclusive para gerar segurança jurídica para os próprios agentes privados. 
Já houvesse alguma regulamentação, não haveria tanta controvérsia, inclusive em termos de competência, em torno das decisões já citadas (da Senacon e do ministro Alexandre de Moraes), justamente porque eventual abuso já estaria tipificado em legislação específica. O cenário lacunoso atual é de indesejável insegurança jurídica.
É por isso que, sobre este assunto, o Senado terá a imensa responsabilidade de avaliar e eventualmente aprimorar o <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=353631">PL 1202/2007</a>, já aprovado na Câmara dos Deputados, que regulamenta a representação de interesse realizada por pessoas naturais ou jurídicas perante agentes públicos com o fim de efetivar as garantias constitucionais, a transparência e o acesso a informações. 
O PL é resultado de discussões que se arrastam no Congresso há décadas e representa o “consenso possível” na Câmara àquele momento.
Ocorre que este novo contexto, que aponta a potencial assimetria entre os vários atores privados na representação de seus interesses, poderá contribuir para que o Senado, enquanto casa revisora, incorpore ao texto cuidadosamente relatado pelo deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) disposições que busquem coibir e regulamentar o abuso na representação de interesses – e reforcem a necessidade de atuação paritária e dialética na tomada de decisões.
Também caminharia muito bem o texto se buscasse ampliar a regulamentação, para além da representação direta, das estratégias de engajamento da sociedade civil organizada em torno de determinas agendas, no contexto evolutivo de public affairs.
Essa é uma rara oportunidade legislativa de aprimorar a nossa democracia, de destacar as regras do jogo. Não há soluções fáceis, mas certamente há as necessárias. O lobby praticado de forma cada vez mais transparente e legítima é não só um dever, mas um direito fundamental.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Sobre a simbiose entre lobby, relações governamentais e public affairs, sugere-se: DA PATRI, Eduardo Carlos Ricardo. Relações governamentais, lobby e advocacy no contexto de public affairs. Organicom, v. 8, n. 14, p. 129-144, 2011. Disponível em : <a href="https://www.revistas.usp.br/organicom/article/view/139089">https://www.revistas.usp.br/organicom/article/view/139089</a>

Brasília 60 Anos – Congresso Nacional

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JOTA

Há uma lacuna legislativa evidente para verificar limites da atuação de qualquer player na representação legítima de interesses

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