Débora Motta

Em recente audiência pública realizada pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, o presidente do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-central">Banco Central</a>, Roberto Campos Neto, afirmou que a autoridade monetária pretende responsabilizar bancos por “contas laranjas” em casos de fraudes utilizando o Pix.
A fala foi motivada pelo aumento do número de casos de roubos de celulares com o intuito de acessar os aplicativos bancários para transferência indevida de dinheiro para outras contas. Isso porque nestes casos, se a conta receptora for uma conta falsa, intermediária, criada com a finalidade apenas de receber os valores ilícitos, será muito mais difícil identificar e responsabilizar o criminoso e consequentemente recuperar o ativo, o que na prática vem se mostrando como uma forma de incentivo ao cometimento de delitos.
De mais a mais, os pagamentos instantâneos feitos a partir de celulares furtados ou roubados utilizando contas hospedeiras não são a única maneira pela qual os brasileiros têm perdido dinheiro em crimes envolvendo o Pix. As banalizadas fraudes de “clonagem” e “perfil falso” de WhatsApp são formas de golpes empregados por criminosos com o intuito de induzir a lista de contatos de suas vítimas a lhes transferir dinheiro sob variados pretextos como falsa urgência, falso sequestro, falsa dívida e o que mais a criatividade puder alcançar.
Fácil perceber que o dia a dia daquele que faz uso dos meios eletrônicos de pagamento é cheio de armadilhas. Ora o “phishing”, ora a “central de relacionamento bancária falsa” ou o “QR code adulterado”, isso sem mencionar o “ransomware”, sofisticado artifício utilizado por cibercriminosos altamente capacitados em termos técnicos, que através de um malware bloqueiam dados, criptografam arquivos confidenciais, e exigem um resgate em troca da liberação dos dispositivos informáticos em uma verdadeira extorsão digital.
A inovação criada pelo Banco Central, a qual se deve elogiar, e muito, assim como outros modelos de transações instantâneas, democratiza o sistema bancário, já que na maioria das vezes é gratuita e confere uma maior agilidade às transferências de recursos por estar disponível 24 horas, inclusive aos finais de semana, em tempo real. Ocorre, porém, que esses mesmos benefícios conferem vantagens também àqueles que se utilizam deste caminho para a rápida obtenção do produto do crime, tanto assim o é que se tem levantado dúvidas acerca da segurança do serviço.
Delitos que lesam o patrimônio sempre existiram. A criminalidade moderna não está a reinventar a roda, e sim fazendo uso das inovações tecnológicas com o objetivo de facilitar a obtenção do produto do crime, aliás, parafraseando o CEO da Microsoft, Brad Smith ("Armas e ferramentas: O futuro e o perigo da era digital", Alta Books Editora, 2020), a tecnologia é uma ferramenta útil para resolver qualquer problema, mas, ao mesmo tempo, pode transformar-se em uma arma.
Assim, se antes a promessa de dinheiro fácil decorrente do golpe do bilhete premiado, por exemplo, exigia que a vítima, induzida a erro, sacasse o montante pessoalmente em uma agência bancária para entregar ao farsante, atualmente a obtenção da vantagem ilícita pode ser obtida simplificadamente via Pix. Ou seja, a clássica artimanha que vem fazendo vítimas há décadas encontrou no novo meio de pagamento um facilitador, que confere eficiência e na grande maioria das vezes, impunidade à prática do crime.
E, como sói ocorrer em situações de aumento da criminalidade motivadas por algum fator específico, o punitivismo foi chamado à cena, tendo sido incorporada ao <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm">Código Penal</a> a figura qualificada do crime de estelionato, que prevê penas mais severas àquele que pratica a fraude utilizando de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro, induzido a erro, por meio de redes sociais, contatos telefônicos, emails fraudulentos ou qualquer outro tipo de fraude semelhante (art. 171, §2.º-A do CP). O furto, cuja execução se valha de dispositivo eletrônico ou informático, tornou-se igualmente uma modalidade qualificada de delito, punida com penas mais rigorosas (art. 155, §4º-B do CP).
Uma vez que em um Estado democrático de Direito o Direito Penal não deve intervir demais, em sintonia com as normas penais foram implementadas medidas administrativas a fim de conferir maior robustez aos mecanismos de segurança das operações realizadas via Pix. A Resolução BCB nº 147 tornou possível, por até 72 horas, o bloqueio cautelar dos recursos em caso de suspeita de fraude, permitindo que a instituição detentora do montante suspeito possa fazer uma análise mais robusta dos fatos, aumentando a probabilidade de recuperação do ativo. Em acréscimo, a notificação de infração suspeita e os mecanismos adicionais para proteção de dados passaram a ser obrigatórios. Com isso, as instituições financeiras, em especial os bancos, obtiveram um reforço do poder público no combate à criminalidade, o que na prática não parece ter sido o bastante, já que o Banco Central dá claros sinais de que irá responsabilizar as instituições financeiras que não se esforçarem na prevenção delitiva.
A pergunta é: as armadilhas do mundo virtual aparentemente potencializadas pelo Pix podem ser mitigadas por um programa de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/compliance">compliance </a>eficiente? A dizer pelo tom dado pela autoridade monetária, a resposta é positiva. Todos sabem que para garantir a efetividade dos programas de compliance é preciso personalizá-los de acordo com os perfis de risco da instituição, dos clientes, das operações, dos funcionários, parceiros, enfim, do negócio como um todo, e pela lógica não há uma receita pronta a ser seguida. O que não significa que não existam parâmetros para a criação de medidas de aprimoramento dos mecanismos de segurança e de análise de fraudes.
Voltando ao ponto de partida, e considerando que as “contas laranjas” movimentadas via Pix são em sua maioria de titularidade de pessoas físicas, normalmente de baixa renda, é possível supor que o onboarding esteja sendo feito de forma simplificada, o que consequentemente diminui a probabilidade de identificação de potenciais problemas em uma etapa inicial.
Com isso, parece lógico que ou se altera a forma de lidar com as informações cadastrais, aproximando-as mais das necessidades de conformidade, ou se cria procedimentos capazes de identificar a fraude antes que o produto do crime seja lavado. Vale dizer, o modelo exemplar de um programa de compliance eficiente deverá ser capaz de criar uma tipologia para identificar e bloquear automaticamente a conta sob suspeita, permitindo que seja eliminado do sistema bancário apenas quem o utiliza para a prática de crimes, sem prejudicar aqueles que precisam dos serviços financeiros em suas rotinas diárias, e que podem acabar se tornando vítimas do "de-risking" — a exclusão de uma classe de pessoas do sistema bancário frente aos desafios da conformidade é um fenômeno tão importante que será melhor abordado em um outro momento.
Enfim, especialmente a depender da posição final do Banco Central, as instituições que compõem o sistema financeiro deverão estruturar programas de compliance que sigam parâmetros de segurança nos quais medidas de diligência devidas cumpram com eficácia seu papel preventivo, e garantam que uma ferramenta moderna e elogiável não seja associada ao aumento da criminalidade.

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JOTA

Armadilhas do mundo virtual aparentemente potencializadas pela ferramenta podem ser mitigadas?

O Pix e o compliance

Armadilhas do mundo virtual aparentemente potencializadas pelo Pix podem ser mitigadas por um programa eficiente de compliance?