Oberdan Costa

Dalide Barbosa Alves Correa

A controvérsia jurídica acerca do cumprimento da condenação proferida pela Justiça da Itália contra o ex-jogador de futebol <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/robinho">Robinho</a> ganhou novo capítulo na última sexta-feira (24/3). O ministro do Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a>) Francisco Falcão, relator do processo de homologação da decisão estrangeira em questão (HDE 7986 – EX, sigiloso), determinou que o atleta entregue compulsoriamente seu passaporte às autoridades, como forma de garantir que não se esquive da persecução penal.<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559731&quot;:566,&quot;335559737&quot;:114,&quot;335559738&quot;:140,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:381}"> 
A medida atende a pedido formulado pela União Brasileira de Mulheres (UBM), organização feminista aceita como amicus curiae nos autos do processo, demanda com a qual o Ministério Público, quando intimado a se manifestar, concordou[1]. Sob a ótica do parquet, a medida justificar-se-ia porque o jogador teria tentado se evadir do processo na Itália, indicativo de que faria o mesmo no Brasil[2]. Vale ressaltar que, anteriormente, a presidente do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, indeferiu esse mesmo pedido da UBM, porque pleitear medidas cautelares não caberia ao amicus curiae, figura jurídica que seria destinada somente a contribuir com subsídios técnicos para a tomada de decisões mais acertadas. Tal entendimento foi agora, portanto, revisto pelo ministro relator.<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559731&quot;:566,&quot;335559737&quot;:114,&quot;335559738&quot;:0,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:364}"> 
A decisão constritiva acima, todavia, é só o debate mais recente de uma sequência cujos passos anteriores sequer estão isentos de polêmica. Tanto é assim que a própria ministra presidente admite que a Corte Especial, órgão máximo de jurisdição criminal do STJ, ainda não se pronunciou conclusivamente sobre a possibilidade de homologação de sentença condenatória penal para transferência da execução ao Brasil.<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559731&quot;:566,&quot;335559737&quot;:116,&quot;335559738&quot;:23,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:381}"> 
O caso foi rumoroso também na imprensa de lá. A defesa italiana da vítima do crime sexual, ao tempo do envio do pedido de extradição pelo Ministério da Justiça deles ao Brasil, deu declarações públicas de confiança na extradição,<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559731&quot;:566,&quot;335559737&quot;:118,&quot;335559738&quot;:2,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:381}">  mesmo sabendo da vedação constitucional aqui vigente, pois o Brasil não poderia “virar um paraíso de impunidade”[3].
A bem da verdade, existe precedente pátrio de extradição de brasileiro nato, textualmente vedada pela Constituição no artigo 5º, LI. Na Extradição 1.462, julgada em 2017 pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu-se enviar uma mulher nascida no Brasil, que matou a tiros o marido, para cumprir pena nos Estados Unidos. Ali, porém, a mulher havia perdido a naturalidade brasileira anteriormente, em consequência da forma de aquisição da nacionalidade secundária estadunidense. Como essa circunstância está ausente no caso de Robinho, descabe a adoção da mesma solução jurídica neste.
Diante do insucesso do primeiro pedido, a República da Itália consertou seu pedido e passou a pleitear apenas o cumprimento aqui, em solo brasileiro, da condenação que decretou. Perceba-se, portanto, que não mais se discute se o ex- jogador praticou ou não o crime sexual. Não por outro motivo o ministro Francisco Falcão, em 21 de março, indeferiu o pedido defensivo de que o governo italiano enviasse a íntegra dos autos do processo estrangeiro.
Para esse segundo pedido feito contra Robinho, por sua vez, há precedente bastante similar a nortear os debates vindouros. Na Homologação de Decisão Estrangeira 5.175/PT, a Procuradoria-Geral da República de Portugal pediu que um brasileiro, natural de Goiânia, cumprisse aqui a condenação pelos crimes praticados lá. As condutas, lá denominadas roubo, rapto e burla informática, corresponderiam aos nossos crimes de roubo, sequestro e invasão de dispositivo informático, o que preenche o requisito da “dupla tipicidade” exigido na Lei da Migração[4]. O parquet português, aliás, não gastou tempo pedindo a extradição; na realidade, considerou a pena cumprida aqui como preferível, porque mais adequada “para a reinserção social do nacional”.
A decisão, ao tempo, foi pela transferência da execução da pena para cá, mas como foi tomada por um ministro isoladamente, não gozaria da coercibilidade que um entendimento acordado entre toda a Corte Especial (como provavelmente ocorrerá agora) teria.<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559737&quot;:120,&quot;335559738&quot;:80,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:381}"> 
Existem, porém, dois grandes temas que precisarão ser enfrentados no julgamento que se avizinha. Sem a pretensão de esgotar neste texto todas as controvérsias, será preciso, primeiramente, entender qual o alcance do verbo “poderá” no artigo 100 da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm">Lei de Migração</a>, em que se lê: “nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar (...) a transferência de execução de pena”. Ora, se o caso de Robinho não autoriza extradição, como usar tal lei para fundamentar a prisão dele? O artigo reproduzido afinal, quando usa o termo “poderá”, esgota ou somente exemplifica as possibilidades de transferência da pena estrangeira?<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559731&quot;:566,&quot;335559737&quot;:114,&quot;335559738&quot;:2,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:381}"> 
Por fim, e talvez mais espinhosa, é a questão que atravessa tanto o precedente de Portugal quanto o debate atual, da Itália: um instituto da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-migracao">Lei de Migração</a>, que data de 2017, pode ser usado para punir o cometimento de crimes anteriores à sua vigência (no caso, 2013)? O Código Penal brasileiro é inaugurado por artigo com redação que permanece intacta há quase 40 anos: não há crime sem lei anterior que o defina.
O princípio, conhecido como “reserva legal”, evita que sejamos punidos amanhã por conduta que praticamos, e é perfeitamente legal, no dia de hoje: se, amanhã, criminalizarem o silêncio dos padres em relação aos crimes a eles confessados, guardar segredo sobre o que ouviram até hoje não lhes deve ser motivo de angústia. A controvérsia a ser sanada, portanto, diz respeito à centralidade ou não da Lei de Migração, inexistente ao tempo dos crimes do jogador, como requisito sine qua non da possibilidade punitiva<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559731&quot;:566,&quot;335559737&quot;:116,&quot;335559738&quot;:0,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:379}"> estatal.<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:1,&quot;335551550&quot;:1,&quot;335551620&quot;:1,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:0,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:249}"> 
O acórdão resultante deste caso, ao tempo que guarda a responsabilidade de dar resposta satisfatória a episódio repugnante aos olhos de toda a comunidade internacional, também influenciará a vida de toda a sociedade brasileira no exterior, pois definirá o tratamento dispensado aos nacionais que retornam buscando guarida da justiça estrangeira.
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[1] <a href="https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;termo=HDE%207986">https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;termo=HDE%207986<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:1,&quot;335551620&quot;:1,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559731&quot;:0,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:0,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:240}"> </a>
[2] <a href="https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/24032023-Relator-determina-que-Robinho-entregue-passaporte-ao-STJ.aspx">https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/24032023-Relator-determina-que-Robinho-entregue-passaporte-ao-STJ.aspx</a>
[3] <a href="https://milano.repubblica.it/cronaca/2022/10/04/news/condanna_per_stupro_violenza_sessuale_chiesta_a_brasile_estradizione_calciatore_milan_robinho_robson_de_souza_santos-368533827/">https://milano.repubblica.it/cronaca/2022/10/04/news/condanna_per_stupro_violenza_sessuale_chiesta_a_brasile_estradizione_calciatore_milan_robinho_robson_de_souza_santos-368533827/<span data-ccp-props="{&quot;134245417&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:1,&quot;335551620&quot;:1,&quot;335559685&quot;:102,&quot;335559731&quot;:0,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:1,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:240}"> </a>
[4] a) o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil; b) a sentença tiver transitado em julgado; c) a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação; d) o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e f) houver tratado ou promessa de reciprocidade.

robinho

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JOTA

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