
Rubens Valente, um dos mais premiados e respeitados jornalistas investigativos do Brasil, foi alvo de uma das piores condenações contra um profissional da imprensa, a pedido de uma das figuras mais influentes do Judiciário brasileiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
A condenação tem como objeto a publicação do livro “Operação Banqueiro”, lançado em 2014. Valente foi condenado, junto com a editora Geração Editorial, ao pagamento de um montante de R$ 319.126,57 mais a obrigação de incluir nas próximas edições do livro o inteiro teor do acórdão de condenação, assim como a petição inicial de Mendes no processo. Na prática, a decisão baniu a obra do mercado editorial brasileiro, pois isso poderia aumentar em até 30% o seu número de páginas.
O livro é resultado de uma extensa investigação realizada por Valente sobre a Operação Satiagraha, desencadeada em 2008, e amplamente divulgada pela imprensa à época. O personagem principal é Daniel Dantas, banqueiro que esteve bastante presente na cobertura jornalística daquele período. A obra relata sua prisão e dois habeas corpus concedidos em tempo recorde. As decisões foram assinadas por Gilmar Mendes, à época presidente do STF. Em uma investigação que envolveu viagens a diversas cidades, dezenas de entrevistas e milhares de páginas lidas, o autor solicitou entrevista tanto a Dantas como a Mendes, mas nenhum dos dois respondeu.
Isso não impediu que, pouco tempo depois, o ministro ingressasse com uma ação judicial afirmando que Rubens Valente teria deturpado os fatos, desinformado o leitor e difamado sua honra perante a sociedade. Seus pedidos iniciais eram uma indenização de R$ 200 mil e a obrigação de fazer constar, nas futuras edições do livro, o teor da sentença condenatória e de sua petição inicial.
Em primeira instância, não foi necessária a produção de outras provas além dos documentos trazidos pelas partes para que o magistrado entendesse que a demanda era improcedente. Para isso, o juiz Valter André de Lima Bueno Araújo, da 15ª Vara Cível de Brasília, se debruçou sobre uma análise que comprovou a veracidade dos fatos, relacionados a uma personalidade pública, pelos quais havia interesse público na divulgação e, mais, que esse interesse público estaria relacionado com a atuação de órgãos públicos.
Araújo retomou a jurisprudência consolidada no STF, com a ADPF 130, da importância da imprensa como alternativa à versão oficial dos fatos, e da precedência da liberdade de imprensa em relação aos direitos da personalidade, como a honra. E detalhou, em cada parte questionada pelo ministro em sua petição inicial, que não houve abuso da liberdade de expressão por parte do jornalista, sem divulgação de informação falsa ou com a intenção de difamar.
A partir daí, todas as decisões foram contrárias a Rubens Valente e a proteção da liberdade de expressão e de imprensa. Em 2015, foi negada liminarmente uma exceção de suspeição apresentada pela defesa do jornalista, mostrando que o desembargador relator do caso integrava o corpo docente do centro de ensino superior IDP, fundado por Gilmar Mendes.
Em 2016, a 6ª Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou o repórter a pagar indenização de R$ 30 mil, mas julgou improcedente o pedido de publicação da sentença e da petição inicial nas futuras edições do livro. Em 2019, veio a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que incluiu a condenação de publicar a íntegra do acórdão na obra.
O julgamento do último recurso disponível a Valente no direito brasileiro ocorreu em 2021, pelo STF, que manteve a condenação e acatou o último pedido de Mendes, ainda não aceito, de incluir nas futuras edições do livro a petição inicial de seus advogados em mesma formatação.
Diante do encerramento das possibilidades de atuação no direito nacional, Abraji, Media Defence e Robert F. Kennedy Human Rights, além do advogado do jornalista, Cesar Klouri, entraram com uma petição junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Nela, foram destacadas as violações do Estado brasileiro no caso contra Rubens Valente, considerando-se os direitos afirmados pela Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e a jurisprudência do sistema interamericano.
As violações vão desde os direitos à proteção e às garantias judiciais, que demandavam um rigor ainda maior por se tratar de um processo movido por um funcionário público de grande poder e influência no Judiciário, passando pelo desrespeito à liberdade de expressão do jornalista, por configurar uma forma de censura indireta e uma restrição desse direito, até a violação ao direito à honra, reputação e vida privada, pela estigmatização de seu trabalho como profissional, e o direito à propriedade, pela desproporcionalidade da condenação, e a impossibilidade de poder continuar publicando o livro.
A decisão do caso Rubens Valente é um caso inédito no direito brasileiro e traz um precedente perigoso para o já debilitado cenário da liberdade de imprensa no país. Os efeitos da sentença são deletérios. Além do prejuízo econômico devido à cobrança de valores exorbitantes para um profissional que vive de seu trabalho, ela provocou ainda o desgaste emocional e mental da disputa jurídica, a autocensura e a impossibilidade de reedição do livro.
Ademais de já terem sido observados julgamentos em diversos tribunais estaduais e no STJ mencionando o caso de Rubens Valente como jurisprudência, inclusive como parâmetro de cálculo da indenização por danos morais, a condenação leva à autocensura de outros profissionais da imprensa que realizam a cobertura do Poder Judiciário, do Supremo Tribunal Federal e de outros magistrados que podem se valer dessa condenação para ampliar a censura e limitar a liberdade de expressão por meio de ações judiciais.