Júlio M. de Oliveira

Gabriel Caldiron Rezende

Os debates em torno da caracterização da exportação de serviços para fins de desoneração do Imposto Sobre Serviços (ISS) vêm se alongando há mais de uma década, desde a edição de Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, especialmente no que diz respeito à definição do significado do termo “resultado do serviço” a ser verificado no exterior.
Recentemente, em mais uma etapa deste debate, a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo editou o Parecer Normativo 02, de 26 de abril de 2016, definindo o resultado do serviço como “a realização da própria atividade descrita na lista de serviços”, sendo que o “resultado aqui se verifica quando a atividade descrita na referida Lista de Serviços se realiza no Brasil”.
Não nos parece que tal entendimento seja juridicamente (e sequer semanticamente) preciso, culminando no absurdo de eliminar por completo a desoneração das exportações brasileiras de serviços, em nítido desatendimento dos preceitos constitucionais.
Antes de demonstrarmos os motivos de sua imprecisão, vejamos o contexto legislativo em que se insere.
O ISS e a exportação de serviços no ordenamento jurídico
Em sua essência, a tributação sobre o consumo busca uma tributação uniforme de determinado bem ou serviço ao longo de uma determinada cadeia econômica. Contudo, isto só é possível quando se fala numa tributação uniforme, o que se mostra difícil no comércio internacional, tendo em vista as particularidades do sistema tributário de cada país.
A esse respeito, conforme leciona Alcides Jorge Costa [1], a compatibilização da tributação sobre valor acrescido em comércio internacional se dá por meio da escolha da forma pela qual a tributação se dará, optando-se pelo princípio do país de origem ou pelo princípio do país de destino.
Pelo princípio do país de origem, nas transações internacionais os produtos e serviços são tributados no país em que são produzidos, independentemente do país em que vierem a ser consumidos, afastando assim a tributação no país de destino; já o princípio do país de destino preconiza a tributação de bens e serviços em transações internacionais no país em que forem consumidos, seja qual for o lugar em que tenham sido produzidos, afastando a tributação no país de origem.
No Brasil, podemos afirmar, com certa precisão, que em matéria de tributação de bens e serviços o Legislador Constituinte optou por adotar o princípio da tributação internacional do país de destino, desonerando as exportações de bens e serviços do Brasil, de forma a reduzir os seus custos, aumentando a competitividade e a presença brasileira no exterior, ensejando ingresso de divisas.
Por outro lado, os bens e serviços provenientes do exterior devem ser objeto de tributação no Brasil, de forma a, principalmente, estabelecer condições de competitividade entre estrangeiros e nacionais, assim como tratamento tributário uniforme.
Com relação à desoneração das exportações, é o que se nota da análise exemplificativa dos seguintes dispositivos constitucionais:
<ul>
<li>art. 149, § 2º, I: desonera da incidência de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico as receitas de exportação;</li>
<li>art. 154, § 3º, III: estabelece a imunidade do IPI em relação às exportações de produtos industrializados; e</li>
<li>art. 155, § 2º, X, “a”: estabelece a imunidade do ICMS em relação às operações que destinem mercadorias para o exterior e serviços prestados a destinatários no exterior, assegurando a manutenção e o aproveitamento dos créditos referentes ao o imposto cobrado nas operações e prestações anteriores.</li>
</ul>
Em relação ao ISS, contudo, o Legislador Constituinte não foi tão enfático e claro quanto à desoneração das exportações de serviço, estabelecendo apenas em seu artigo 156, § 3º, II, que caberá à lei complementar excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
Seguindo a determinação constitucional quanto ao princípio da tributação internacional no destino, a Lei Complementar 116/03, em seu artigo 1º, § 1º, determinou que o ISS “incide também sobre serviços provenientes do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País”. Por outro lado, o artigo 2º, I, e seu parágrafo único, estabelecem que o ISS não incide sobre “as exportações de serviços para o exterior do País”, não caracterizando a aludida exportação “os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”.
Conforme se verifica, infelizmente a Lei Complementar 16/03 não foi clara, quanto à regulamentação das exportações de serviços para fins de ISS, definindo pela negativa o que se caracteriza como exportação de serviços ou, melhor dizendo, definindo o que assim não se caracteriza.
Com efeito, segundo a legislação complementar, não é exportação de serviços quando o serviço é (a) desenvolvido no Brasil e (b) seu resultado se verificar no Brasil. Por esta definição, pode-se inferir que é uma exportação de serviços desonerada do ISS quando (a) o serviço é desenvolvido no Brasil e (b) seu resultado se verifica no exterior.
Nessa medida, já se pode afirmar que um serviço pode ser exportado e desonerado do ISS, mesmo quando executado no Brasil. O que a legislação exige é que o resultado se verifique em território estrangeiro.
A questão que implica debates é justamente a definição do “resultado” a ser verificado no exterior para fins de caracterização da exportação de serviços. E foi justamente isso que a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo pretendeu ao editar o lamentável Parecer Normativo 02/16.
O Parecer Normativo 02/16 e o resultado do serviço
Conforme apontamos inicialmente, a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo editou o Parecer Normativo 02/16, exarando seu entendimento acerca da definição do “resultado” a ser verificado no exterior para fins de caracterização da exportação de serviços. Assim, seu artigo 1º, caput e § 1º, estabeleceram que o resultado do serviço é “a realização da própria atividade descrita na lista de serviços”, sendo que o “resultado aqui se verifica quando a atividade descrita na referida Lista de Serviços se realiza no Brasil”.
Em sequência, o § 2º determina que, segundo aquelas autoridades, “não se considera exportação de serviço a mera entrega do produto dele decorrente, tais como relatórios ou comunicações, bem como procedimentos isolados realizados no exterior que não configurem efetiva prestação dos serviços no território estrangeiro”.
Da análise deste parecer, pode-se inferir que, no entendimento da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, o resultado do serviço a que a Lei Complementar 116/03 faz alusão é a própria execução do serviço, sendo que, se realizada inteiramente no Brasil, não caracterizará a exportação de serviços, devendo a atividade se sujeitar ao ISS. Por outro lado, segundo tal entendimento, nos parece que estaria caracterizada a exportação de serviços apenas quando a atividade fosse executada em território estrangeiro, ou seja, a exportação do próprio prestador do serviço.
Segundo consignado no artigo 2º deste parecer, este possui caráter interpretativo da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, revogando suas manifestações em sentido contrário.
Esta, contudo, não parece ser a melhor exegese da norma de desoneração da Lei Complementar 116/03. Vejamos os diversos motivos pelos quais, a nosso ver, a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo andou mal na aplicação do direito.
O resultado como execução: incongruência semântica
Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho, “interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos”. Assim, no trabalho de exegese jurídica, cabe ao intérprete partir de textos de direito positivo, lendo-o, identificando os signos nele contido, atribuindo conteúdos de significações aos vocábulos lá constantes, organizando-os em orações, construindo enunciados prescritivos e, por fim, contextualizando-os dentro do ordenamento jurídico, de forma a construir normas jurídicas.
Nessa medida, inevitavelmente o intérprete deve caminhar pelo plano da semântica, onde investigará os significados dos símbolos constantes do texto de direito positivo. Nesse momento, é fundamental que se tenha pleno conhecimento da codificação empregada no texto avaliado, de forma a buscar o alcance gramatical de cada termo empregado pela legislação. Justamente neste ponto é que reside a primeira grande incongruência do Parecer Normativo 02/16.
Para esclarecer tal questão, vejamos a definição gramatical dos vocábulos “resultado” e “execução”.
Resultado [3]:
“ato ou efeito de resultar 1 o que resulta, o que é consequência, o efeito de uma ação, de um princípio (...) 2 qualquer espécie de resolução sobre algum assunto (...) 6 jur consequência de um ato ou fato, praticado ou ocorrido (...)”
Executar [4]:
“1 t.d. tornar efetivo ou levar a efeito; realizar, efetuar, fazer &lt;e. um plano, uma obra, um trabalho&gt; 2 t.d. tornar concreta, realizada, efetiva *uma prescrição); (...) 3 t.d. representar, desempenhar, encenar &lt;os atores executaram bem seus papéis&gt; (...)”
Conforme se verifica das definições gramaticais dos vocábulos “resultado” e “execução”, é evidente que ambos não são sinônimos. Ao contrário, o resultado é uma consequência de um ato ou fato, sendo a execução a própria realização deste ato ou fato. É dizer, o resultado decorre da execução, mas com ela não se confunde; trata-se de uma relação de causa e consequência, sendo um logicamente posterior ao outro.
Assim, independentemente de qualquer análise jurídica sobre o tema, já podemos verificar que a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo incorreu em grave incongruência semântica, distorcendo o significado de “resultado”, equiparando-o ao ato ou fato que lhe deu caso, a execução.
A incongruência com a Lei Complementar 116/03
Outro ponto que indica o nítido equívoco que o parecer em análise representa é o fato que acaba por ignorar a própria literalidade da Lei Complementar 116/03.
Conforme apontado anteriormente, pela interpretação da definição pela negativa da exportação de serviços, teremos a sua caracterização quando (a) o serviço for desenvolvido (ou executado) no Brasil e (b) seu resultado se verificar no exterior.
Com efeito, é evidente que a Lei Complementar prevê a possibilidade da prestação de um serviço executado inteiramente no Brasil ser uma exportação de serviços desonerada do ISS, estabelecendo como condição para tanto que o seu resultado se verifique no exterior.
Contudo, o parecer acaba por ignorar este fato, eliminando o item “a”, ou seja, desconsiderando a possibilidade de uma exportação de serviços quando este for executado no Brasil. É dizer, segundo tais autoridades, a despeito da própria legislação complementar prever a possibilidade de exportação e serviços executados no Brasil, desde que se resultado não se verifique aqui, não é possível caracterizar a exportação de serviços quando a sua execução aqui se verificar.
Prova cabal desta incongruência se revela ao substituirmos os termos da definição de exportação de serviços extraído da Lei Complementar 116/03 pelos termos do parecer (substituindo o item “b” pela definição fiscal de resultado), chegaríamos num paradoxo onde se caracterizaria a exportação de serviços quando (a) o serviço for executado no Brasil e (b) sua execução (ou pretenso resultado) se der no exterior.
Nessa mesma linha, substituindo os termos da legislação complementar pelos termos do parecer, chegaríamos a uma conclusão que nada diz respeito à exportação de serviços, qual seja: não se caracteriza exportação de serviços quando (a) o serviço for executado no Brasil e (b) sua execução (ou pretenso resultado) se der no Brasil.
O que se nota é que o entendimento fiscal acaba por esvaziar a regulamentação da desoneração das exportações de serviços exigida pela Constituições Federal, ora tornando as disposições da Lei Complementar 116/03 redundantes, ora esvaziando seu sentido, tornando-o paradoxal e desconexo.
Com efeito, se o resultado é a própria execução do serviço, nunca haveria uma exportação se este fosse executado no Brasil, mesmo que a Lei Complementar 116/03 preveja tal possibilidade. É justamente esta a incongruência interpretativa criada pela Secretaria de Finanças do Município de São Paulo que, além de paradoxal, ignora a literalidade da Lei Complementar 116/03.
A reafirmação do princípio da territorialidade
Toda norma jurídica deve existir no contexto de um sistema jurídico, mantendo relação de pertinência com ele. Assim, temos que uma norma jurídica terá forças para disciplinar certos fatos quando estes forem verificados dentro do âmbito de vigência territorial de seu correspondente sistema jurídico. É, em apertada síntese, o que se denomina de princípio da territorialidade, segundo o qual a legislação terá forças para disciplinar os fatos ocorridos dentro dos limites territoriais de seu sistema jurídico.
Segundo a interpretação da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, teríamos, então, uma exportação de serviços sujeita ao ISS apenas quando o serviço não fosse executado no Brasil. Por vias reflexas, pode-se afirmar que a exportação de serviços restaria caracterizada apenas quando o prestador do serviço fisicamente se locomovesse para o exterior e lá executasse integralmente a atividade, ou seja, quando verificada a exportação do prestador do serviço.
Tal entendimento nada mais faz do que reafirmar o princípio da territorialidade da legislação tributária, ou seja, tão somente afirma que a legislação tributária nacional não alcançará os fatos ocorridos no exterior, uma vez que o direito brasileiro tem seu alcance limitado ao território brasileiro.
Novamente, com a devida vênia ao entendimento municipal, o parecer em nada esclareceu acerca do resultado dos serviços. Sim, pois se um serviço for executado inteiramente em território estrangeiro, não há que se falar em exportação de serviços, mas sim de fatos jurídicos ocorridos além dos limites territoriais da legislação pátria, sujeitos ao direito alienígena.
Conclusão
Conforme pudemos verificar, o Parecer Normativo 02/16 incorre em diversas incongruências, de ordem semântica e legislativa. Isso porque:
<ul>
<li>atribui ao vocábulo “resultado” conteúdo de significação incongruente, equiparando-o à execução que lhe dá causa;</li>
<li>ignora a própria literalidade da Lei Complementar 116/03, desconsiderando a expressa possibilidade de caracterização da exportação de serviços executados no Brasil;</li>
<li>incorre em paradoxo interpretativo, tornando as disposições do artigo 2º, I e parágrafo único, da Lei Complementar 116/03, ininteligíveis e vazias de conteúdo; e</li>
<li>faz com que a exportação de serviços seja reduzida à ocorrência da fatos estranhos ao direito brasileiro, sujeitos à legislação estrangeira.</li>
</ul>
Evidente que o entendimento da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo se mostrou demasiadamente equivocado, eliminando, na prática, a existência da exportação de serviços para fins de ISS, contrariando (a) a adoção do princípio da tributação internacional no destino, conforme preconizado pela Constituição Federal e (b) a própria regulamentação da exportação de serviços posta na Lei Complementar 116/03.
Em nosso entendimento, é claro que o resultado do serviço não deve ser pautado na execução do serviço, mas sim no benefício almejado quando de sua contratação. Sim, pois o tomador do serviço não busca a execução do serviço em si, mas sim a utilidade que este lhe proporcionará.
Assim, entendemos que o termo “resultado” deve se referir ao benefício auferido em decorrência do objeto contratado. Isso porque, o benefício do serviço é justamente o fim almejado pelo tomador, sendo, portanto, a satisfação da obrigação atingida com o resultado. Dessa forma, o que se deve investigar é o local da ocorrência do benefício proporcionado pelo serviço prestado, à luz do objeto contratado.
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[1] COSTA, Alcides Jorge. O ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1978. p. 41-42.
[2] Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 66.
[3] Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2443. 
[4] Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 1283.

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JOTA

Resultado do serviço não deve ser pautado na sua execução, mas no benefício atingido com a contratação 

O parecer do município de São Paulo e a extinção da imunidade do ISS nas exportações de serviços

Resultado do serviço não deve ser pautado na sua execução, mas no benefício atingido com a contratação