Covid-19

O papel decisivo da OMC na pandemia

Organização tem papel crucial no momento em que número de mortes continua descontrolado e vacinação anda lenta

18/03/2021|07:49
Atualizado em 18/03/2021 às 07:50
OMC
Organização Mundial do Comércio / Crédito: Divulgação

Em 11 de março de 2021, dia em que a pandemia completou um ano no Brasil, o país registrou o número recorde diário de mortes pela Covid-19, superando, pela primeira vez, a marca de 2.000 mortes. Na mesma data, os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) reuniram-se durante dois dias para discutir possíveis saídas para a questão da pandemia.

Desde que assumiu o cargo no início do mês, a nova diretora-geral, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, tem demonstrado uma grande preocupação com a falta de vacinas em todo mundo, sobretudo em países de menor desenvolvimento econômico relativo e em países em desenvolvimento, e já se manifestou no sentido de que os fabricantes devem acelerar o envio de vacinas a esses países.

Índia e África do Sul encabeçam uma proposta para a concessão de um waiver temporário à implementação, aplicação e execução das Secções 1, 4, 5, e 7 da Parte II do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) em medicamentos utilizados na prevenção, na contenção ou no tratamento da Covid-19.

Na prática, a proposta objetiva suspender as proteções dos direitos de propriedade intelectual (patentes, direitos autorais, desenhos industriais e informações não divulgadas) em medicamentos utilizados na proteção e no tratamento da Covid-19 até que a pandemia esteja sob controle.

A proposta da Índia e da África do Sul foi inicialmente apresentada ao Conselho do TRIPS em outubro de 2020 e deveria ter sido analisada 90 dias. O atraso foi criado, em parte, por outros membros, como Canadá, Austrália e Chile, que solicitaram evidências de que o waiver realmente cumpriria o objetivo de facilitar a fabricação de vacinas adicionais e ajudaria a resolver a atual escassez do imunizante.

Na reunião do Conselho do TRIPS que ocorreu em 10 e 11 de março – a oitava sobre o tema – a proposta de waiver foi novamente objeto de votação, mas não foi aprovada, já que os 164 membros da OMC não chegaram a um consenso sobre o tema.

Se por um lado a proposta contava com o apoio de 57 membros, incluindo todo o Grupo Africano e países menos desenvolvidos, por outro, países desenvolvidos como Inglaterra, Suíça e os Estados Unidos, que têm grandes indústrias farmacêuticas domésticas, se manifestaram contrários, alegando que a proteção dos direitos de propriedade intelectual incentivou a pesquisa e a inovação e que a suspensão desses direitos não resultaria em um súbito aumento no fornecimento de vacinas.

Na última reunião do Conselho do TRIPS, o Brasil, após semanas de silêncio sobre o tema – com vistas a evitar uma crise política com a Índia, que é um importante fornecedor do imunizante – adotou a mesma postura que havia adotado nas reuniões anteriores e se manifestou contrariamente à proposta da Índia e da África do Sul.

A posição do governo brasileiro é controversa, já que o Brasil vive o pior momento da pandemia e é considerado o novo epicentro mundial. De acordo com a OMS, entre os dias 1 e 7 de março de 2021, houve queda de 6% em mortes pela Covid-19 no mundo, enquanto no Brasil as mortes pela Covid-19 deram um salto de 23%.

Parte do problema se deve à falta de vacinas. Atualmente, apenas cerca de 5% da população brasileira foi vacinada, que é uma das taxas mais baixas do mundo.

Com a pandemia fora de controle, os países membros concordaram em discutir o assunto duas vezes antes da próxima reunião do Conselho do TRIPS, agendada para 8 e 9 de junho.

Até a próxima reunião do Conselho do TRIPS, devem ganhar peso propostas alternativas, incluindo a proposta de uma moratória de dois anos para a aplicação de patentes, sem as exigências de renúncia à proteção da propriedade intelectual sobre direitos autorais, desenhos industriais e informações confidenciais, bem como a proposta de flexibilização de quaisquer restrições e impostos de exportação que possam estar restringindo o fluxo de vacinas e tratamentos para a Covid-19.

Também há esperanças de que os membros possam chegar a um acordo com empresas farmacêuticas sem que necessariamente ocorra um waiver do TRIPS, como vem sugerindo a Diretora-Geral da OMC.

Não restam dúvidas que a OMC tem um papel crucial neste momento em que o número de mortes continua fora do controle e que a vacinação está longe de ser concluída, sobretudo em países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento econômico relativo.

Nos próximos meses poderemos avaliar a habilidade negociadora da nova diretora-geral e sua capacidade de unir os membros para preservar vidas em todo mundo, bem como se a organização ainda consegue funcionar de forma plena ou se as reformas profundas em questões como o consenso não podem mais ser adiadas.


O episódio 52 do podcast Sem Precedentes discute os bastidores e as desconfianças envolvendo o caso Lula no Supremo Tribunal Federal. Ouça:

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