Felipe Magrim

O Brasil atingiu a marca de 165 milhões de pessoas conectadas à internet, conforme o Relatório Digital 2022, tendo maior oferta de serviços digitais por empresas e governo. O distanciamento social, causado pela pandemia, acelerou quatro vezes o processo de transformação digital na iniciativa privada. Apesar disso, um estudo inédito da FGV/Unico apontou que, mesmo com esse avanço da digitalização, o uso de soluções não digitais para identificar as pessoas no momento de comprar um produto, contratar um serviço, ser admitido em um emprego novo ou mesmo exercer a cidadania ainda está muito presente e revela uma grande ineficiência: ao menos R$ 104 bilhões foram desperdiçados no país apenas no ano de 2021 com esses processos tradicionais de identificação — aqueles que exigem a presença física ou documentos físicos. 
Esse dado atesta que ainda temos um longo caminho a percorrer, marcado por atrasos na implementação de soluções tecnológicas – inclusive para digitalizar o processo de se identificar nas mais diversas situações cotidianas. Ainda que a identidade digital já seja uma realidade em muitos países, é fundamental destacar que a sua implementação deve ser realizada de forma segura e responsável, levando em consideração a privacidade e demais direitos dos cidadãos. 
Se acrescentarmos aqui a camada de inteligência artificial (IA) das tecnologias, inclusive as de identidade digital, o papel regulatório é ainda mais relevante e necessário para garantir que as empresas operadoras de soluções de IA respeitem os direitos das pessoas e promovam seu uso ético e responsável. 
A principal proposta em tramitação sobre o tema é o atual <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233">PL 2338/2023</a>, protocolado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no último dia 3 de maio, que segue sem despacho às comissões temáticas. O texto é o resultado do relatório apresentado por uma Comissão de Juristas e contém uma série de obrigações para as empresas que operam soluções de IA. O projeto é amplo e estabelece, dentre diversos pontos, o direito à reversão de decisões, a transparência e explicabilidade dos algoritmos utilizados, a revisão dos dados das pessoas e a governança da operação dessas soluções. 
O PL 2388/2023 considera os riscos que essas soluções podem trazer às pessoas, além de reforçar algumas obrigações também já cobertas por outros dispositivos legais, como a Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">LGPD</a>) e o Código de Defesa do Consumidor (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cdc">CDC</a>). Essa abordagem é importante para garantir que as empresas operadoras tenham um maior cuidado com a sua aplicabilidade à medida que a IA se torna mais avançada e onipresente a cada dia. Um importante desafio é encontrar um equilíbrio entre proteger os direitos das pessoas e promover a inovação, além de acompanhar as evoluções rápidas e contínuas da IA. 
No que se refere às soluções de identificação digital, uma das tecnologias mais seguras e promissoras é a biometria facial, capaz de reconhecer diversos pontos da face humana e validar se aquela pessoa é realmente quem diz ser – principalmente quando essa informação biométrica é cruzada com outros documentos oficiais. Mas é muito importante que exista uma distinção nos usos dessas tecnologias. 
Um exemplo é a aplicação para a segurança pública, e consequente vigilância, pois é algo que guarda uma série de questionamentos até por não solicitar autorização prévia das pessoas-alvo e já termos histórico de vieses que resultaram em condenações injustas de pessoas que depois se provaram inocentes.
Outra situação, completamente diferente, é usar a biometria facial para validar um usuário específico e com a devida autorização, incluindo o direito à autonomia sobre seus próprios dados pessoais e à sua privacidade. Esse último caso já é uma realidade em muitos setores, mas ainda guarda um grande potencial de expansão até por poder resolver os problemas e a ineficiência que citei no início, quando precisamos nos identificar para adquirir um produto ou serviço, votar, requisitar um empréstimo, fazer uma consulta médica e assim por diante. 
Portanto, soluções de biometria facial utilizadas para autenticação da identidade devem levar aos usuários toda a transparência necessária sobre o uso dos dados privados e garantir que as pessoas tenham o direito de escolher utilizá-las ou não. Já às soluções que tratam de vigilância e segurança pública, ou soluções que capturam imagens à distância, e muitas vezes sem a devida transparência, cabe o dever de serem submetidas a uma série de obrigações ainda maiores, como a governança da operação, mecanismos de auditoria e controle externo, para citar algumas delas. 
Diante desse cenário, é extremamente necessário que haja um diálogo entre empresas, órgãos reguladores e a sociedade civil para que possam ser estabelecidas as melhores práticas e regulamentações que garantam o uso ético e responsável dessas tecnologias, respeitando os direitos das pessoas e o desenvolvimento sustentável do país.

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JOTA

É necessário um diálogo entre empresas, órgãos reguladores e sociedade civil

Regulação da IA para proteção dos cidadãos e incentivo à inovação

É preciso diálogo entre empresas, órgãos reguladores e sociedade civil para estabelecermos as melhores práticas de inteligência artificial