Reforma tributária

O novo velho oeste tributário do planejamento sucessório

É válido fechar portas para planejamentos abusivos desde que a regra societária não seja invertida pelos desvios de alguns

planejamento tributário
Crédito: Freepik

Hoje se glamourizam muitas coisas do passado distante. As cruzadas, a ocupação espanhola, até as lutas em guerras tomam ares românticos. O old wild west americano é um exemplo interessante que pode ser trazido aos dias de hoje. 

O período em que os americanos se moveram em direção à Califórnia é representado como um momento de oportunidades e de liberdade aventureira. A luta contra bandidos numa terra sem lei é vista como um desafio para heróis, não na sua nudez crua e violenta em que a lei de nada valia.

Quem sabe um dia romantizaremos esse período de reformas tributárias do  Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD). É verdade que muito vem sendo feito para colocar ordem na balbúrdia que se tornaram as brechas legais deste imposto.

Desde que os estados resolveram se financiar com o aumento dos tributos sobre herança e desde que a pandemia fez com que as pessoas realmente sentissem na pele a fragilidade da vida, houve uma torrente de profissionais buscando oferecer fórmulas tributárias mágicas a seus clientes, como os desbravadores do sol poente. E, do mesmo modo, tornaram essa uma terra sem lei, em que abusos são vistos como normais.

A resposta do fisco, porém, extrapola os limites do razoável.  E um dos exemplos disso é considerar a distribuição desproporcional de dividendos como doação. Basicamente, temos o “atire primeiro e pergunte depois” em que o fisco é o gatilho mais rápido do oeste. 

Os princípios da presunção da boa-fé e da inocência simplesmente não existem mais. E, o que é pior, princípios esses que foram expressamente reforçados na chamada Lei da Liberdade Econômica.

Óbvio que o fisco sempre (e não apenas após a inclusão do parágrafo único ao artigo 116 do CTN) pôde considerar uma distribuição desproporcional de lucros uma doação simulada. Mas cabia ao fisco demonstrar a má-fé e não o contrário.

Essa ideia de que o contribuinte, por uma avaliação subjetiva do que é motivo, se torna o objetivamente culpado até prova em contrário traz riscos à atividade econômica que nem precisam ser elencados de tão óbvios. Viola a essência do Estado democrático de Direito desde seus primórdios com o devido processo legal estampado na Carta Magna.

Resta esperar que esse excesso de Poderes outorgado aos estados, em contrapartida às receitas que lhes estão sendo tiradas, seja objeto de mais reflexão no Senado. O contribuinte não é o “lado mau” da relação. Ele é quem sustenta a existência do próprio fisco.

Fechar portas para planejamentos abusivos (ainda que outras continuem abertas); política e socialmente se definir que heranças devem ser objeto de maior tributação. Tudo isso é válido. Inverter uma regra societária boa e justa por desvios de alguns... isso é uma atrocidade.logo-jota

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