Eduardo M. Gaban

Fernanda Dalla Valle Martino

Em outubro de 2018, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica ("CADE") publicou o seu Guia de Remédios Antitruste ("Guia" ou "Guia de Remédios") [1]. A negociação de remédios pode ocorrer como condição para aprovação de Atos de Concentração, por meio do Acordo de Controle de Concentrações ("ACC") [2]. A necessidade de remédios efetivos ganhou importância após o advento da Lei 12.529/2011 e fortaleceu-se no último ano, tendo em vista o julgamento de grandes operações globais [3].
Os remédios podem ser negociados com as Requerentes ou impostos unilateralmente pelo CADE.  O importante é que eles sejam desenhados de forma a mitigar eventuais efeitos unilaterais ou coordenados decorrentes da operação, além de riscos de fechamento de mercado em atos de concentração verticais.
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O Guia estabelece que os remédios devem ser proporcionais, ou seja, suficientes para sanar as preocupações concorrenciais, mas não excessivos. Também devem ter um prazo razoável, possuírem mecanismos de checagem do cumprimento das obrigações e serem factíveis. Sobre este aspecto, é importante que os custos de monitoramento sejam igualmente razoáveis. O monitoramento é uma questão relevante no desenho dos remédios e o Guia destaca a preferência do CADE para a nomeação de trustees de monitoramento, em linha com sua prática recente, que serão subordinados ao CADE e terão uma série de obrigações para garantir o cumprimento do remédio estipulado, já que o CADE não pode estar diretamente presente no monitoramento de cada compromisso assumido.
Os remédios podem ser estruturais, comportamentais ou híbridos (estruturais e comportamentais). Em linha com a experiência internacional, o Guia expressamente afirma a preferência do CADE por remédios estruturais, uma vez que o desinvestimento tem se mostrado ser a estratégia mais eficaz para mitigar riscos concorrenciais, além de trazer menor custo de monitoramento.
Segundo o Guia, os remédios não triviais de possível aplicação (com a devida cautela) pelo CADE são: (i) fixação de um preço máximo (price caps); (ii) obrigação de fazer (ou de não fazer) certos investimentos; (iii) obrigação de fornecimento de longo prazo; (iii) obrigações relacionadas a estrutura organizacional da empresa, como alguma forma de separação dentro do grupo econômico ou restritivas ao exercício de direitos de acionistas. Estes remédios são considerados menos efetivos e demandam, por princípio, um alto custo de monitoramento.
Entre os desafios na estipulação de remédios estruturais destaca-se a delimitação do pacote de ativos, a manutenção destes ativos (i.e., de seu valor de mercado e desempenho) até o momento do desinvestimento e a determinação do comprador.
O pacote de ativos deve ser suficiente para garantir que o novo player seja um concorrente efetivo no mercado. Para isto, o pacote pode incluir ativos tangíveis (instalações), ativos intangíveis (direitos de propriedade intelectual), autorizações regulatórias necessárias, contrato com fornecedores, carteira de clientes e mão-de obra-obra especializada. O CADE também deve avaliar, caso a caso, se a melhor opção é a venda de um negócio autônomo ou um remédio  mix and match - formado por mais de uma das Requerentes (i.e., partes em um ato de concentração econômica).
Para desenvolver o trabalho de preservar o pacote de ativos, pode ocorrer a nomeação de um trustee de operação, que será subordinado ao trustee de monitoramento e será responsável por garantir a independência dos ativos até o seu desinvestimento. A adoção de medidas como proibir a troca de informações entre o negócio desinvestido e o vendedor são mais difíceis de serem fiscalizadas (ring fencing).
A determinação do comprador adequado pode ser realizada em três momentos: (i) antes da aprovação da operação pelo CADE (fix-it-first); (ii)  após a aprovação da operação, mas antes da consumação da operação (upfront buyer); (iii) após a consumação da operação. O Guia de Remédios ressalta que a terceira opção traz mais riscos do que as duas primeiras. Assim, a definição do comprador após a consumação deve ser escolhida nos casos em que há muitos compradores adequados e não há risco de degradação dos ativos até o seu desinvestimento.
Quanto ao prazo para o desinvestimento, este deve ser o menor possível, sendo a prática recente referente a um período de 3 a 6 meses. Quando as Requerentes não conseguirem realizar a venda dentro do prazo, poderá ser nomeado um trustee de desinvestimento para realizar a venda em um segundo prazo acordado. Neste último caso, não haverá a exigência de preço mínimo, como forma de atrair mais interessados.
Remédios comportamentais devem ser utilizados quando um remédio estrutural não for efetivo, suficiente para mitigar os riscos concorrenciais ou proporcional para o caso concreto.  São aplicados principalmente em casos de integrações verticais como, por exemplo, a obrigação de acesso a infraestrutura (essential facility) e a concessão de direitos de propriedade intelectual.  Os remédios comportamentais exigem maiores custos para monitoramento, além de serem mais longos – ao contrário dos remédios estruturais, não há recomendação sobre limite de prazo (5 anos tem sido a média definida pelo CADE nos vários casos de aprovação com restrição nos últimos 10 anos).
Em remédios comportamentais, recomenda-se a nomeação de um trustee de monitoramento. Instrumentos como Chinese walls, que limitam o fluxo de informações entre divisões da própria empresa, devem ser adotados apenas de forma acessória. 
Por fim, o Guia de Remédios ressalta a necessidade de interação do CADE com órgãos regulatórios e com jurisdições internacionais na definição de remédios, quando o caso concreto assim exigir. No caso de remédios aplicados simultaneamente por autoridades de outras jurisdições, o Guia recomenda a nomeação do mesmo trustee de monitoramento.
Em conclusão, o Guia de Remédios foi bem recebido pela comunidade antitruste, especialmente tendo em vista a consolidação das melhores práticas do CADE e a uniformização de termos usados por outras jurisdições. Como destaque, o Guia expressamente declara a preferência do CADE por remédios estruturais e pela nomeação de um trustee de monitoramento.  A publicação do Guia está em linha com a política do CADE de garantir uma maior transparência e previsibilidade em seus procedimentos [4].
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[1] Versão preliminar do Guia estava disponibilizado desde maio/2018 e recebeu inúmeras contribuições da sociedade. 
 
[2] O Guia de Remédios trata apenas de remédios no âmbito de Atos de Concentração, mas ressalta-se que a aplicação de remédios também é possível em casos de infração à ordem econômica (unilateralmente determinada pelo Tribunal do CADE ou estipulados por meio de Termos de Compromisso de Cessação – TCC). 
 
[3] Exemplos recentes de fusões internacionais com aprovação condicionada a 
imposição de remédios são os casos Bayer/Monsanto (AC nº  08700.001097/2017-49), Linde AG/Praxair Inc. (AC nº 08700.007777/2017-76), Dow/DuPont (AC nº  08700.005937/2016-61); Essilor/Luxottica (AC nº  . 08700.004446/2017-84) e AT&amp;T/Time Warner (AC nº 08700.001390/2017-14). 
 
[4] Desde 2015, o CADE já publicou alguns guias importantes com o objetivo de consolidar as suas melhores práticas: Guia de Gun Jumping, Guia de Compliance, Guia de Leniência, Guia de TCC, Guia de AC Horizontal.

Movida

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JOTA

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