Alexandre Manir Figueiredo Sarquis

Auro Augusto Caliman

Sob a perspectiva da vigência do Novo Código de Processo Civil ocorrida em 18 de março passado, existe uma fundada preocupação em acomodar seus possíveis reflexos no âmbito do Processo de Contas. 
Há debate sobre ser – ou não – o processo aplicado pelos Tribunais de Contas uma espécie autônoma, que se desprende diretamente do gênero processo. Enfim, se é sui generis o suficiente para se distinguir tanto do Processo Judicial quanto do Processo Administrativo, emparelhando-se a eles.
Certamente difere do judicial quanto à impulsão, pois escapa ao postulado da inércia do juiz e à clássica composição “actum trium personarum”, a relação piramidal formada por autor, réu e juiz. Ainda assim, manifestam-se mais paridades com o processo judicial do que com o administrativo. 
Relembre-se que, no âmbito do processo de contas e por força de expressa disposição constitucional, deve haver “observância das normas de processo” e das “garantias processuais” aos interessados (art. 73, caput, c/c art. 96, I, “a”, da CF/88), em tudo confirmando, evidentemente, que também o processo de contas se subsume ao princípio do devido processo legal, de que o contraditório e a ampla defesa são consectários, e sustentando-se daí que o processo de contas se estrutura como um processo nos moldes do judicial, imbuído, porém, de singularidade.
De fato, a responsabilidade financeira é apreciada com exclusividade no âmbito dos Tribunais de Contas e ali transita em julgado, posto que a definitividade de suas decisões já foi reconhecida. O Supremo Tribunal Federal as considerou insindicáveis pelo juízo não especializado, salvo no intuito de retificar eventual turbação do devido processo (STF - MS 23550 e MS 7280). A responsabilidade financeira assim apurada projeta efeitos nas esferas administrativa, eleitoral, criminal e cível. 
Daí também o interesse que a lacuna de norma nacional sobre processo de contas suscita, remetendo-se a uma lei-paradigma de integração a consolidar o processo de controle externo em um sistema nacional de controle externo, hoje disperso nas peculiares e próprias formas e procedimentos de fiscalização e controle desenvolvidos pelos atuais 34 Tribunais de Contas. 
Nessa senda, o Processo de Contas amiúde procura esteio no Código de Processo Civil (TCU súmula 103; art. 52 da LOTCE-PR; arts. 76/80 da LOTCE-MG; art. 99-A da LOTCE-RO, dentre outros). A legislação paulista, por sua vez, estabelece arrimo na aplicação supletiva da “legislação federal pertinente” (art. 116 da LOTCE-SP) e, quanto às normas de natureza regimental, das normas do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado, subsidiariamente (art. 252 RITCE-SP). 
Convém parcimônia no emprego supletivo das normas do Processo Civil ao Processo de Contas, entretanto. É que o transplantar despreocupado de disposições, fazendo uso disso como se aquilo fosse, não celebra a autonomia do Processo de Contas e difunde confusão inconveniente.
Como exemplos de inaplicabilidade do CPC estariam: i) o prazo dobrado no litisconsórcio (art. 229), pois a pluralidade de interessados é a regra em Tomadas de Contas; ii) o reconhecimento do estado de litispendência (art. 337, §1º), vez que não se comunicam as órbitas de contas, administrativa, cível e penal, salvo esta última em duas hipóteses; iii) as prerrogativas da fazenda pública (art. 183), vez que o interesse do tesouro é onipresente nos processos de contas; iv) o duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 496), pelo mesmo motivo; v) prazo em dobro para recorrer do Ministério Público (art. 180), eis que, na jurisdição de contas, esse órgão constitucional encontra-se alojado na “intimidade estrutural” do próprio Tribunal de Contas; vi) prescrição (art. 332, §1º), pois quando se sopesa a imprescritibilidade de ações de ressarcimento ao erário (art. 37, §5º CF/88), aquelas que lhes acedam respeitam a mesma regra (ainda que o assunto esteja sendo discutido nos autos da ADI 5259).
Por outro lado, há disposições de caráter geral que, ausentes na legislação especial, convocam a supletividade ou a subsidiariedade, tornando-as aplicáveis no âmbito do Processo de Contas, tais como: i) a que preconiza que “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis” (art. 219); ii) aquela que permite ao “advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão” (art. 937, § 4º); iii) a fixação de prazo para que o advogado exiba procuração, nos casos de postulação sem procuração para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente (art. 104); iv) os elementos essenciais da sentença, relatório, fundamentos e dispositivo, bem como toda a disciplina de fundamentação constante do art. 489 e incisos.
As disposições mencionadas são meras amostras, mas bastam para ilustrar o umbilical vínculo que se estabelece com o devido processo e o amplo interesse entre os que manejam ações de contas, porquanto não deixam de disciplinar aspectos das garantias processuais. Evidentemente, a construção da variante de contas do devido processo prima pela manifestação das Cortes de Contas para ser descortinado, haja vista a forte autonomia existente.

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JOTA

Há debate sobre ser – ou não – o processo aplicado pelos Tribunais de Contas uma espécie autônoma, que se desprende diretamente do gênero processo

O Novo CPC e o Processo de Contas

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