Aldem Johnston

Em 6 de julho de 2016, o plenário do Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) prolatou o acórdão 1721 no qual deixou consignado que, “para o estabelecimento do nexo de causalidade para fins de responsabilização, aplica-se no TCU a teoria do dano direto e imediato, também chamada teoria da interrupção do nexo causal, em detrimento da teoria da equivalência das causas e da teoria da causalidade adequada”. 
Embora não devesse ser assim, registre-se que o tema das teorias que fixam o nexo de causalidade não é objeto de maiores preocupações ou debates no âmbito dos Tribunais de Contas dos entes subnacionais, sendo o TCU basicamente o único foro de discussão.
Notadamente indispensável para fixação da responsabilidade do agente público no âmbito de condutas sucessivas – extremamente corriqueiras no dia a dia das estruturas hierarquizadas de órgãos e entidades da Administração Pública –, o estudo das teorias sobre o nexo de causalidade precisa ser intensificado no âmbito das Cortes de Contas, cabendo, neste particular, inclusive rediscutir o entendimento firmado pelo TCU.
Pois bem, no Brasil, são três as teorias que se debruçam sobre o nexo de causalidade em condutas sucessivas: teoria da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non); teoria do dano direto e imediato (teoria da interrupção do nexo causal) e teoria da causalidade adequada.
A teoria da equivalência das condições resta positivada no artigo 13<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> do Código Penal e, segundo ela, é suficiente para caracterizar o dever de reparar o dano a constatação de que a conduta que provoque o dano seja condição sine qua non da lesão, de modo que toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria sido produzido é considerada como causa.
Já a teoria do dano direto e imediato, que extrai sua aplicabilidade do artigo 403<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> do Código Civil, estabelece que: causa é a conduta anterior que estabelece o resultado como sua consequência direta e imediata, devendo o agente ser responsabilizado pelos danos diretos e imediatos sempre que os tenha causado.
Por fim, a teoria da causalidade adequada, que encontra albergue nos artigos 944<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> e 945<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> do Código Civil, preconiza o seguinte: causa é toda ação ou omissão abstratamente idônea para a produção do resultado. Assim, para os adeptos de tal teoria, quando o dano for consequência normalmente previsível do fato o nexo de causalidade pode ser estabelecido.
Para Sérgio Cavalieri Filho, a teoria que melhor explica o nexo causal é a teoria da causalidade adequada, que deixa patente que nem todas as causas que concorrem para o resultado são equivalentes, sendo tão somente aquela que foi mais adequada a produzir o resultado. De tal sorte, se duas ou mais circunstâncias concorrem para a produção do evento danoso, será a causa adequada tão somente aquela que que tinha potencial para naturalmente produzir o resultado que se manifestou no caso concreto:
<blockquote class="jota-article__citation">“Em sede de responsabilidade civil, nem todas as condições que concorrem para o resultado são equivalentes (como no caso da responsabilidade penal), mas somente aquela que foi a mais adequada a produzir concretamente o resultado. Além de se indagar se uma determinada condição concorreu concretamente para o evento, é ainda preciso apurar se, em abstrato, ela era adequada para produzir aquele efeito. Entre duas ou mais circunstâncias que concretamente concorreram para a produção do resultado, causa adequada será aquela que teve interferência decisiva” (Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2014, pág. 66)</blockquote>
Em sede pretoriana, registre-se que na apuração da responsabilidade civil o STJ tem adotado a teoria da causalidade adequada, tendo aquela Corte decidido que "somente se considera existente o nexo causal em relação à conduta que se afigura determinante para a ocorrência do dano." (AgInt no REsp 1676998/ES, Terceira Turma, julgado em 24/08/2020, DJe 31/08/2020).
Pois bem, diferentemente do que restou decidido pelo TCU no acórdão 1721, é a teoria da causalidade adequada e não a teoria do dano direto e imediato que é a mais apropriada para fins de responsabilização no âmbito dos Tribunais de Contas.
E a conclusão é simples, pois, se só a condição que é a mais adequada a produzir concretamente o resultado atrai para si o nexo causal, a teoria da causalidade adequada é a única capaz de aferir adequadamente a conduta de um agente público inserida dentro de condutas sucessivas numa cadeia de responsabilização definida por uma segregação técnica de funções, atribuições e competências.
E mais, associando-se a teoria da causalidade adequada à teoria do domínio do fato fica muito perceptível quão inadequadas são as teorias do dano direto e imediato e a teoria da equivalência das causas para os Tribunais de Contas aferirem a responsabilidade de agentes públicos dentro do âmbito da segregação de funções, principalmente quando as condutas a serem apuradas forem a dos gestores máximos de órgãos e entidades da Administração Pública.
Criada por Hans Welzel em 1939 e desenvolvida em 1963 por Claus Roxin no livro "Täterschaft und Tatherrschaft", a teoria do domínio do fato afirma que a pessoa que, mesmo não tendo praticado diretamente a infração penal, decidiu e ordenou sua prática a subordinado seu, o qual foi o agente que diretamente a praticou em obediência ao primeiro é autor e não mero partícipe.
Assim, pela teoria do domínio do fato, uma pessoa que tenha autoridade direta e imediata sobre um agente ou grupo de agentes que praticam alguma ilicitude, poderia ser responsabilizada pela infração do mesmo modo que os autores imediatos.
Entretanto, para que seja aplicada a teoria do domínio do fato, é obrigatório que, por exemplo, a autoridade máxima que ocupe o topo da organização emita a ordem de execução da infração e comande os agentes diretos e o fato.
Desta forma, só pode ser responsabilizado aquele que tem o controle subjetivo do fato, e atua no exercício desse controle; tendo assim o poder de decisão sobre a realização do fato, possuindo desta forma o domínio final da ação, podendo assim decidir sobre a consumação do ilícito, ainda que não tome parte na sua execução material.
Só se pode cogitar da responsabilização da autoridade superior quando for comprovado que ela, detendo a posição de comando, determinou a prática da ação, sendo descabido levar apenas e tão somente a “posição hierárquica superior” por si só, sob pena de caracterizar autêntica responsabilidade objetiva.
Há de restar claro que para que se configure o domínio do fato é necessário que quem ocupa posição de comando tenha absoluto controle sobre o executor do fato, e não apenas ostentar uma posição de superioridade ou de representatividade institucional, ou seja, para ser responsabilizada, o gestor máximo tem que ter, de fato, emitido a ordem.
Veja-se neste sentido que o STJ exige claramente que a responsabilização de quem está no topo da cadeia hierárquica deve estar ancorada numa culpabilidade demonstrada por provas sólidas, lícitas e convincentes:
<blockquote class="jota-article__citation">“1 — A teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si mesma para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado à realidade, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo. 2. Não há, portanto, como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva”. (STJ, REsp 1854893/SP, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020).</blockquote>
Ao analisar a aplicabilidade prática por parte de uma Corte de Contas da teoria da causalidade adequada, percebe-se o quão mais correta ela é para fixar o nexo causal em comparação com as teorias do dano direto e imediato e a teoria da equivalência das causas.
Para apurar o nexo de causalidade em condutas sucessivas, o TCE/PE aplicou a teoria da causalidade adequada para aquilatar as responsabilidades dentro de um cenário de segregação de funções e assim isentar de responsabilização um prefeito por deficiência na fiscalização de uma obra pública:
<blockquote class="jota-article__citation">“Todavia, do exame dos autos, infere-se que todos os pagamentos foram autorizados à vista da apresentação dos pertinentes boletins de medição assinados pelo então Secretário de Obras (...) Por outro lado, como ao Prefeito não cabia a direta fiscalização das obras, sobre ele não se deveria recair a responsabilidade pelas irregularidades detectadas. Com efeito, fugiria ao razoável exigir que o administrador responsável pela gerência de toda uma municipalidade acompanhasse diretamente toda e qualquer obra ou aquisição de mercadoria realizada pelo município. Isso atentaria, inclusive, contra a modernização administrativa, a qual tem como um dos vetores a descentralização”. (Acórdão T.C. nº 206/10, Processo TCE-PE n° 1000125-6, Relator: Conselheiro Substituto Carlos Barbosa Pimentel, Órgão Julgador: Pleno)</blockquote>
Destarte, em razão da forma capilarizada com que se organiza a Administração Pública, com a prevalência de repartição de competências e segregações de funções para a prática de ações desconcentradas e descentralizadas, a teoria da causalidade adequada é de fato a única capaz de apurar de forma acertada e justa o nexo de causalidade para fins de responsabilização no âmbito dos Tribunais de Contas.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Artigo 13: o resultado, de que depende a existência do crime, só é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Artigo 403: Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Artigo 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Artigo 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

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JOTA

Cabe inclusive rediscutir o entendimento firmado pelo TCU

O nexo de causalidade para fins de responsabilização nos Tribunais de Contas

Estudo das teorias sobre o nexo de causalidade precisa ser intensificado nos Tribunais de Contas, cabendo rediscutir entendimento do TCU