Karla Bertocco Trindade

Patricia Pessoa Valente

Em abril, o Governo do Estado do Rio de Janeiro promoverá o leilão para a concessão dos serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário prestados atualmente de forma regionalizada pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Esse não será o primeiro, e nem o último, leilão no setor de saneamento dos próximos anos. Logo após a aprovação do Novo Marco do Saneamento (Lei 14.026/2020) o Governo do Estado de Alagoas realizou o bem-sucedido leilão para a concessão dos serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário da região metropolitana de Maceió<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Na sequência também foram licitadas as Parcerias Público Privadas para investimentos em esgotamento sanitário nos estados do Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.
Outros tantos projetos, inclusive concessões municipais, estão em gestação com o intuito de estimular o investimento no setor, visando ampliar sua cobertura e incluir as dezenas de milhões de brasileiros ainda sem atendimento dos serviços de saneamento básico.
As semelhanças entre o projeto da Cedae e da Casal são muitas. Há o papel fundamental que o BNDES vem desempenhando na estruturação dos projetos em saneamento, bem como a urgência com que as obras iniciais devem ser feitas diante da baixa cobertura às populações vulneráveis. Isso sem falar da expectativa do mercado para o leilão quanto às empresas e consórcios participantes (inclusive com empresas estatais se associando a empresas privadas), seus lances e novas estruturas de financiamento, bem como as implicações do novo conceito de prestação regionalizada dos serviços.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Não se pode esquecer também da importância da definição da agência reguladora como entidade competente para regular, gerir e fiscalizar a execução contratual, com auxílio de entidades independentes que produzirão atos de apoio à fiscalização do contrato, e mesmo das parcerias futuras com a Agência Nacional de Águas.
No entanto, é o modelo contratual, que concede à concessionária privada apenas parcela dos serviços de saneamento, que nos chamou a atenção para o presente artigo: enquanto novas concessionárias ficam responsáveis pelos serviços de distribuição de água potável, os serviços de produção de água, quais sejam: a captação da água bruta, sua adução e seu tratamento, ficam a cargo da empresa estatal. Este arranjo certamente exigirá esforços relevantes de coordenação, transparência e prontidão, para que seja mantida a necessária harmonia entre os serviços prestados pela concessionária, de um lado, e pela companhia estadual, de outro.
No caso do Rio de Janeiro, a situação é ainda mais peculiar. A água fornecida pela Cedae apresentou traços de geosmina, que deixa gosto e cheiro fortes e torna a água, senão inapropriada, desconfortável para consumo. Geosmina, já tida ironicamente como musa do verão carioca, é um composto orgânico produzido por algas que indica a presença de grande quantidade de esgoto na água captada para tratamento. De forma recorrente nos últimos anos esse fenômeno tem ocorrido na entrada da Estação de Tratamento de Água do Guandu, local de captação da Cedae, que utiliza mais de 260 toneladas de produtos químicos diariamente para o tratamento de água. A Estação de Tratamento do Guandu, construída em 1965, com a tecnologia vigente à época, atende mais de 9 milhões de pessoas e é considerada uma das maiores do mundo.
Com a concessão dos serviços de fornecimento de água potável e esgotamento sanitário, a obrigação de fornecimento de água potável à população passa a ser da nova concessionária, que vai adquirir a água produzida pela Cedae. Os deveres e obrigações das partes estão previstos na minuta do contrato de concessão e seus anexos. O Anexo III, por exemplo, estabelece os indicadores de desempenho, dentre eles o Índice de Qualidade da Água - IQA, e seus impactos para a definição do reajuste da tarifa que a concessionária fará jus a cada ano. De outro lado, o Anexo VI – Contrato de Interdependência, versa sobre a produção de água e procura endereçar as preocupações sobre eventual inadimplemento da companhia estatal quanto à qualidade e quantidade da água entregue, além de esclarecer que a concessionária não será penalizada por problemas de qualidade de competência da Cedae.
Há permissão, por exemplo, para a instalação de macro medidores de vazão de água pela nova concessionária para acompanhamento do volume entregue nos pontos acordados, podendo utilizar essas informações em caso de divergência nas medições. Já quanto à qualidade da água, há previsão de indenização à concessionária caso o volume entregue esteja fora dos padrões de qualidade estabelecidos pelas autoridades competentes, gerando danos à concessionária. Até mesmo a possibilidade de denúncia da Cedae à lide nas ações judiciais que forem ajuizadas contra a concessionária foi prevista no instrumento jurídico.
A despeito do grande esforço em antecipar e tratar eventos futuros e incertos na matriz de risco que baseia a minuta do contrato proposta, é evidente que um instrumento jurídico de longo prazo, como é um contrato de concessão, acaba por ser naturalmente incompleto.
Assim, algumas questões poderão ser relevantes para avaliação dos riscos da execução contratual, tais como: capacidade técnica e independência da agência reguladora para fazer valer de fato e em tempo razoável a matriz de risco do contrato no que se refere a relação entre estatal e concessionária estabelecida no Contrato de Interdependência (Anexo VI), a compreensão precisa do conceito de caso fortuito e força maior que isenta a Cedae de responsabilidade diante de certos inadimplementos, ou mesmo o impacto de eventuais perdas de faturamento em razão de redução de consumo por conta de problemas de qualidade da água que, embora ainda em conformidade com as normas vigentes, possam torná-la inadequada ao paladar do consumidor, como no caso da geosmina.
<blockquote class="jota-article__eye">Os riscos político, regulatório e de demanda são aspectos relevantes, porém não particulares, da concessão dos serviços de distribuição e esgotamento sanitário na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.</blockquote>
Estão presentes nas demais concessões de serviço público de saneamento e em tantas outras.
Por outro lado, a pergunta que permanece aberta, especialmente sob a ótica do consumidor, é quem será responsável por efetivamente resolver o problema da qualidade da água na região metropolitana do Rio de Janeiro, e como e quando a solução será alcançada?
Sem ações concretas, por mais bem sucedidas que sejam a modelagem do projeto e o futuro leilão, a concessão, embora necessária, não terá sido medida suficiente para dar respostas eficazes aos usuários cariocas. Uma concessão, por maior que seja, não está isolada da realidade da população a quem vai servir. Sob esse aspecto, o estudo de alternativas provisórias, já sugeridas pelos órgãos técnicos cariocas, como a mudança de curso dos Rios dos Poços, Queimados e Ipiranga, para deságue além do ponto de captação da Cedae, parece algo interessante, economicamente viável, e mesmo complementar ao gigantesco projeto atual, seja por reduzir os riscos de problemas de qualidade na água entregue pela Cedae no curto prazo, seja para dar resposta mais célere aos cariocas.
No leilão da Cedae e em tantos outros do setor de saneamento, os desafios são muitos e, também por isso, o olhar sobre esse setor se beneficia da diversidade. Sob esta ótica, a liderança setorial de saneamento do InfraWomen<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, em parceria com o JOTA, produzirá uma série de artigos sobre o setor. Com o único objetivo de contribuir para o debate, e partindo da experiência acumulada de suas associadas nas mais diferentes posições analisaremos projetos em estruturação e implementação, bem como discutiremos os objetivos e metas que a Lei 14.026/2020 impõe ao poder público para os próximos anos, de forma técnica, mas acessível.
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A proposta vencedora no valor de R$ 2.009 bilhões pela BRK Ambiental Participações S.A no leilão realizado em 30.09.2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> InfraWomen é uma entidade sem fins lucrativos dedicada à promoção e incentivo da presença de mulheres na infraestrutura. Atualmente já conta com mais de 400 integrantes dos setores público e privado, com iniciativas voltadas à produção de conteúdo técnico de diversas áreas da infraestrutura nacional, mentoria a jovens mulheres que trabalham ou pretendem trabalhar com infraestrutura, e divulgação de mulheres especialistas aptas a participar em eventos setoriais e com isso garantir a diversidade e representatividade nos painéis de discussão, fóruns e conferências.

marco do saneamento

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JOTA

Nova concessionária não será penalizada por problemas de qualidade de competência da Cedae

O modelo de concessão da Cedae, seus impactos e o caso da geosmina

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