Andréa Mascitto

Tathiane Piscitelli

Neste artigo nos debruçamos sobre o Programa Litígio Zero (Programa Redução de Litígios Fiscais - PRLF), uma iniciativa que visa colocar um ponto final nos débitos tributários em contencioso administrativo, inclusive aqueles discutidos há mais de uma década.  
Tal programa oferece aos contribuintes a oportunidade de pagamento de débitos com desconto quando caracterizados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, “nos termos da legislação de regência”. Essa aferição, via de regra, depende sobretudo de uma análise das condições financeiras do contribuinte e sua capacidade de quitar suas dívidas em um prazo de cinco anos; isto é, trata-se de um critério subjetivo, no sentido de que depende das condições do sujeito passivo. 
É claro o artigo 12, da <a href="http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=128395">Portaria RFB 1/2023</a>, que diz que “o percentual efetivo do desconto observará a capacidade de pagamento do contribuinte” para fins das modalidades de transação de créditos em contencioso administrativo previstas no programa.
É também claro o artigo 4º, que dispõe que justamente para os fins do disposto na portaria regulamentar, “são também considerados irrecuperáveis os créditos tributários em contencioso administrativo fiscal, no rito do Decreto 70.235, 6 de março de 1972, há mais de 10 anos”. Essa é, aliás, uma previsão que já existia em outros editais e hipóteses de transação anteriores, como por exemplo no Edital RFB 1/2022. 
Assim, a questão que se coloca é: essa classificação de crédito irrecuperável por ser objeto de contencioso administrativo há mais de dez anos seria suficiente para garantir o desconto máximo nessa transação por adesão, sem levar em conta o critério subjetivo da capacidade contributiva do contribuinte?  
A nosso ver a portaria regulamentar do Litígio Zero traz duas hipóteses de se alcançar descontos, uma pelo critério subjetivo da incapacidade ou baixa capacidade de pagamento do contribuinte, e outra pelo critério objetivo da dívida e tempo em que discutida no contencioso administrativo. 
Ocorre que na prática, quando da simulação e adesão ao programa, os contribuintes com dívidas discutidas há mais de dez anos na via administrativa notaram que não alcançaram necessariamente a redução máxima prevista na portaria regulamentar, a despeito de serem automática e objetivamente classificadas como irrecuperáveis. Diante da experiência prática, o que se observou, porém, é que, ainda que preenchido o critério objetivo da irrecuperabilidade, a capacidade econômico-financeira de pagamento foi considerada a fim de se fixar qual o nível de desconto atribuído.  
Com isso em mente, avaliemos o que diz a lei de transação. A <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13988.htm">Lei 13.988/2020</a> diz que a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/transacao-tributaria">transação tributária</a> poderá contemplar descontos nas multas, nos juros e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios estabelecidos pela autoridade competente, nos termos do parágrafo único do artigo 14, o qual estipula que cabe ao procurador-geral da Fazenda Nacional disciplinar, por ato próprio, os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para a concessão de descontos, entre eles critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança.  
O que identificamos, portanto, é que pela lei a Procuradoria teria a prerrogativa de definir os critérios de irrecuperabilidade, contudo, ela não traz o requisito do tempo em disputa administrativa como característica. Dito isso, será que a Receita Federal poderia trazer esse elemento para a Portaria RFB 1/2023 (e anteriores)[1]? E em trazendo, esse não deveria ser um critério objetivo até porque a própria lei diz que temporalidade é algo a ser considerado para irrecuperabilidade?  
Entendemos que sim e, portanto, não deveria o contribuinte ficar à mercê de uma análise subjetiva, cujo critério de cálculo para reduções não é claro, quando já preenche o critério objetivo. A lei diz que a temporalidade é fator a ser considerado para definição de irrecuperabilidade, portanto, esse fator há de ser considerado, devendo ser ampliada a previsão da Procuradoria quanto a débitos inscritos há mais de 15 anos e sem anotação atual de garantia ou suspensão de exigibilidade; e com exigibilidade suspensa por decisão judicial há mais de dez anos, nos termos do artigo 151, IV ou V, do Código Tributário Nacional, passando-se também à inclusão e validação dos débitos em discussão administrativa há mais de dez anos como dívidas irrecuperáveis pelo critério reconhecido e definido pela PGFN.
E é isso então que este grupo levou neste mês à consideração da PGFN e Receita Federal, já que ao analisar o Programa Litígio Zero e sua interação com a Lei de Transação Tributária, percebemos que a aplicação do desconto máximo em débitos considerados objetivamente irrecuperáveis não é uma questão tão simples. Embora essa classificação possa sugerir uma aplicação automática do desconto máximo, o critério subjetivo da capacidade contributiva do contribuinte também é levado em consideração.
O desafio é garantir que os descontos concedidos estejam em conformidade com a legislação vigente e observem os princípios e condições estabelecidos pela Lei de Transação Tributária, mantendo um equilíbrio entre critérios objetivos e subjetivos a serem estabelecidos de forma clara e transparente.
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[1] Lembramos que até a recente edição do<span class="NormalTextRun SCXW18584898 BCX0" data-ccp-charstyle="ui-provider" data-ccp-charstyle-defn="{&quot;ObjectId&quot;:&quot;ecaaaa10-bc5f-41df-b963-955f9b14c0fa|17&quot;,&quot;ClassId&quot;:1073872969,&quot;Properties&quot;:[469775450,&quot;ui-provider&quot;,201340122,&quot;1&quot;,134233614,&quot;true&quot;,469778129,&quot;ui-provider&quot;,335572020,&quot;1&quot;,469778324,&quot;Default Paragraph Font&quot;]}"> Parecer JM - 02, de 6 de abril de 2023, do advogado-geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do consultor-geral da União 00280/2023/GAB/CGU/AGU, o Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU, e o Parecer 00006/2023/DECOR/CGU/AGU (Processo 00400.000031/2023-52), competia à Receita Federal tratar das transações de débitos em contencioso administrativo e à PGFN de débitos inscritos. Contudo, devemos indagar se algo muda nessa discussão que aqui colocamos com a edição do referido parecer. O tema será abordado nos textos futuros da coluna Pauta Fiscal no JOTA.

custos de transação

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JOTA

Um olhar sobre descontos e a irrecuperabilidade objetiva

O Litígio Zero e a Lei de Transação Tributária

O desafio é garantir que os descontos concedidos pelo Litígio Zero estejam em conformidade com a Lei de Transação Tributária