Alexandre Boccaletti Fernandes

Não é fácil para ninguém ter a amputação de um membro do seu corpo, tendo como finalidade tratar doença ou lesão para salvar a vida. Prevalece, claro, o bem maior em detrimento de parte do corpo que está comprometida.
Diversos são os fatos que podem levar a esse tipo de decisão médica extrema, assim como diversos são os caminhos do pós-cirúrgico. De forma menos gravosa, pacientes também são submetidos a implantes de materiais como stents, que ajudam na manutenção e desobstrução de vias e artérias; de próteses de joelho ou coluna, que podem substituir parte do osso ou cartilagem comprometidos, dentre outros materiais que são considerados órteses ou próteses.
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Para os beneficiários de planos de saúde, a Lei Federal nº 9.656/98 (LPS) trouxe para as empresas que operam nesse segmento, a obrigatoriedade da cobertura de órteses, próteses e materiais especiais (OPME), desde que ligadas diretamente ao ato cirúrgico.
O artigo 10 da LPS elenca as coberturas obrigatórias e suas respectivas exclusões, sendo certo que os incisos II e VII evidenciam que as operadoras de saúde não estão obrigadas a cobrir aqueles materiais se não estiverem ligados ao ato cirúrgico.
Dessa forma, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em atendimento ao § 4º, do artigo 10 da LPS, que definiu a ANS como responsável por editar normas de amplitude de coberturas obrigatórias e básica, conceituou prótese como “qualquer material permanente ou transitório que substitua total ou parcialmente um membro, órgão ou tecido”, e órtese entendida como “qualquer material permanente ou transitório que auxilie as funções de um membro, órgão ou tecido, sendo não ligados ao ato cirúrgico os materiais cuja colocação ou remoção não requeiram a realização de ato cirúrgico”.
Tais entendimentos estão inseridos na Resolução Normativa (RN) nº 428/2017, que atualizou o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde e constitui a referência básica de cobertura para todos os contratos firmados a partir da vigência da Lei Federal nº 9.656/98.
E o que esses conceitos e limites de coberturas têm a ver com o leading case julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no início do ano de 2018? Tudo.
O Recurso Especial nº 1.673.822/RJ, cujo trânsito em julgado se deu recentemente, teve um julgamento muito debatido em cima do seguinte fato: saber se determinada operadora de plano de saúde está ou não obrigada a cobrir uma prótese hidráulica de extremidade de membro inferior (perna mecânica).
Para tanto, a 3ª Turma do STJ precisou discutir se aquela prótese estava ou não ligada diretamente ao ato cirúrgico de amputação de parte do membro inferior, para, então, definir a incidência ou não do artigo 10, VII da LPS.
Por que o caso é marcante para o segmento da saúde suplementar e para o direito? Porque o STJ definiu, por maioria de votos: a) que o rol de procedimentos da ANS deve ser respeitado, inclusive no que tange aos conceitos trazidos pelo mesmo; b) não há abusividade e, consequentemente, ilicitude, em restringir a cobertura de órteses e próteses não ligadas ao ato cirúrgico ou aquelas sem fins reparadores; c) a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde, conforme artigo 35-G da Lei Federal nº 9.656/98; d) a cobertura obrigatória de produtos médicos implantáveis, desde que ligados ao ato cirúrgico.
Sobre o último item – materiais implantáveis –, o STJ fundamentou o seu posicionamento em parecer técnico do Grupo de Trabalho Externo de Órteses, Próteses e Materiais Especiais ANS/ANVISA, que definiu “órtese e prótese implantável por meio de procedimento médico ou odontológico invasivo, bem como os materiais utilizados como instrumental específico para sua implantação”<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>.
Por fim, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, designado para lavratura do voto condutor, concluiu que “para saber se uma prótese ou órtese está ligada ao ato cirúrgico e, portanto, coberta pelo plano de saúde, deve indagar se ela possui as seguintes características, inerentes aos dispositivos médicos implantáveis: (i) ser introduzida (total ou parcialmente) no corpo humano; (ii) utilização de procedimento cirúrgico para essa introdução e (iii) permanecer no local onde foi introduzida, após o procedimento cirúrgico”.
O aprofundamento conceitual é de extrema importância para que se tenha delineado o limite do contrato de plano de saúde para todos os atores (consumidor, operadora, administradora e estipulante).
Equilíbrio e sobriedade na análise dos casos garantem previsibilidade às regras firmadas pelas partes e pela lei. Em conjunto, a análise econômica do direito também deve fazer parte da discussão para trazer inalterabilidade econômico-financeira e atuarial aos contratos de planos de saúde.
Sobre o tema, Décio Zylbersztajn diz que “[...] a análise econômica deve, então, considerar o ambiente normativo no qual os agentes atuam, para não correr o risco de chegar a conclusões equivocadas e imprecisas, por desconsiderar os constrangimentos impostos pelo Direito ao comportamento dos agentes econômicos”<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>.
Cada vez mais o STJ vem utilizando o princípio do pacta sunt servanda – em harmonia com os limites trazidos pela lei – para dar segurança jurídica e tranquilidade aos contratantes. Visa ele [STJ] pacificar a relação existente entre os consumidores e as operadoras de planos de saúde, respeitando as normas editadas pelo órgão regulador com o fim de nortear, também, Tribunais Estaduais.
Luís Roberto Barroso acentua que “o Judiciário deve deferência aos atos das agências reguladoras porque se trata de atos da Administração Pública – isto é: de um outro poder político – e atos criados e praticados por entidades aparelhadas de forma específica pelo Legislativo para a regulação de determinado setor<a href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>.”
Certamente, outras discussões sobre a ausência de obrigatoriedade de cobertura de próteses não implantáveis chegarão ao STJ.
Caberá, porém, àquele Tribunal da Cidadania, fazer valer o cumprimento da Lei, das normativas editadas pela ANS e o contrato firmado entre as partes, em estrita harmonia com a análise econômica do direito, primando pelo equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos contratos – e até do segmento –, tudo com um único objetivo: elevar o princípio da segurança jurídica, implícita em nossa Constituição Federal.
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<div id="sdfootnote1">
<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> http://www.ans.gov.br/participacao-da-sociedade/camaras-e-grupos-tecnicos/grupo-tecnico-externo-de-orteses-proteses-e-materiais-especiais.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 74.
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> BARROSO, Luís Roberto. Planos de Saúde – Aspectos Jurídicos e Econômicos. Ed. Forense, 2012, p. 253.
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JOTA

Discussões sobre ausência de obrigatoriedade de cobertura de próteses não implantáveis chegarão ao STJ

O leading case da OPME no STJ

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