Gustavo Fernandes

André Castro Carvalho

O debate da PEC 241 tem gerado acaloradas discussões na imprensa e setores da sociedade. Ambos os lados, os favoráveis e os contrários, trazem bons argumentos para a sua aprovação/rejeição. Contudo, um fator jurídico, de cunho “pessimista”, deve ser levado em consideração, podendo desencadear duas possíveis consequências judiciais.
A primeira é que a sua aprovação seguramente levará à judicialização da questão no Supremo Tribunal Federal, como já ocorreu recentemente com a negativa de medida liminar por parte do Min. Barroso contra a tramitação da PEC. A julgar pelo modus operandi da Corte em assuntos muito polêmicos e que contrariam interesses contrapostos, a tendência será de incluir a futura ADI, que será proposta contra a PEC, na “geladeira”, não havendo o imediato julgamento do caso. Isso ocorreu, por exemplo, em 2000, com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF e sua judicialização por meio de diversas ADIs.
Ou seja, provável que, aprovada a PEC, ela não sobreviva por todo o período previsto de até 20 anos – assim que a economia demonstrar sinais efetivos de melhora e maior controle nas finanças públicas, ela poderá ser julgada inconstitucional, restabelecendo o status quo de hoje. Esse tipo de insegurança jurídica é comum nessas ADIs que passam décadas sem julgamento por parte da Corte, podendo o tema ser retomado a qualquer momento – sobretudo quando houver maior interesse em reformular o sistema então vigente. É uma maneira muito eficiente de agradar aos que querem a mudança agora (não interferindo judicialmente nela) e, posteriormente, agradar àqueles que estão contra a mudança, retornando ao sistema de finanças públicas pré-PEC 241.
A propósito, tocando no tema da LRF, recentemente houve um andamento na ADI 2238, que questiona a constitucionalidade de dispositivos da LRF – dentre eles, por exemplo, o polêmico artigo 20, o qual estabelece limites de despesas com pessoal previsto no art. 169 da Constituição Federal para os três Poderes em cada nível federativo. O Relator da ADI, Min. Teori Zavascki, em 29 de setembro de 2016, depois de quase 4 anos sem andamento na ação, pediu dia para julgamento, pelo Plenário, em conjunto com as ADIs 2256, 2241, 2261 e 2365, bem como com as ADIs 2324 e 2250 e a ADPF 24, todas versando sobre dispositivos polêmicos da LRF.
Outra estratégia que pode estar surgindo, para agradar parte do grupo contrário à PEC, é justamente derrubar os limites específicos existentes atualmente na LRF – sobretudo no controle das despesas com pessoal de outros Poderes, o que se argumenta ser uma interferência indevida no Poder Executivo na autonomia financeira dos demais Poderes. Dessa forma, ter-se-á o teto geral dos gastos atrelado à inflação, mas não o teto específico de despesas com pessoal em percentuais, conforme atualmente estabelecido na LRF. É uma solução “salomônica”, mas que poderia agradar aos dois lados, visto que joga o problema de controle de gastos com pessoal para cada ente da federação, de forma individualizada.
Ademais, além desse imbróglio jurídico na regulamentação normativa do gasto público, a PEC 241 não enfrenta os principais obstáculos econômicos e financeiros para o desenvolvimento do Brasil. Por exemplo, se o problema é a concentração dos gastos em um determinado segmento, isenções excessivas, salários elevados, ela não garante que esses sejam o desafio atacado. Com efeito, as reformas que se seguem são apenas uma expectativa e não um fato concreto. Como o debate jurídico mostra, não é difícil que a emenda perca sua validade no primeiro momento de impasse de uma reforma difícil, como a previdenciária. Além do mais, tendo em vista a sua rápida tramitação, o exame das contas públicas não foi devidamente discutido, permitindo que possibilidades mais profundas de transformação do Estado brasileiro sejam aventadas.
Nunca é por menos lembrar que o impeachment de Dilma ocorre justamente por operações contábeis não autorizadas que fragilizaram as contas públicas. Nesse sentido, é evidente que o acesso à informação da execução orçamentária no Brasil é algo extremamente difícil, visto que os valores envolvidos no caso da ex-presidente somavam bilhões de reais – e não algumas centenas de milhares. Assim, a PEC acaba por preservar toda a estrutura contábil brasileira, que é frágil, limitando-se a colocar um teto geral de despesas que, no longo prazo, provocará uma redução da despesa como fração no PIB.
Quais seriam as alternativas? Quais são as razões para a escolha desta opção? No caso da saúde e da educação, por que não inovar e estabelecer um sistema de despesas relacionadas a desempenho, eliminando a tradição de despesas mínimas obrigatórias relacionadas a percentuais de gastos?
A título de ilustração, as metas futuras do IDEB, por exemplo, poderiam ser adotadas, com as devidas modificações necessárias como o ponto crítico no exame das prestações de contas do Chefe do Executivo. Hoje, por exemplo, contas são rejeitadas quando não se gasta o mínimo dos 25% da educação - contudo, o que de bom foi feito com esses recursos não é avaliado. Isto não é culpa dos Tribunais de Contas, mas de uma legislação ultrapassada. Este mesmo raciocínio se aplica em saúde, quando uma cesta de indicadores, como a mortalidade infantil, poderia servir de parâmetro para a boa avaliação.
Uma reforma de natureza mais profunda alteraria a lógica de funcionamento do Estado brasileiro, permitindo que a melhoria das contas públicas viesse do crescimento econômico e não apenas do sufocamento da expansão das despesas. De fato, um triste sintoma dessa crise é que, à parte sua fragilidade, a sociedade brasileira parece perdida em saber por onde começar para fazer o país voltar a crescer.

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JOTA

Um fator jurídico, de cunho “pessimista”, deve ser levado em consideração, podendo desencadear duas possíveis consequências judiciais


O lado oculto ao debate da PEC 241

Um fator jurídico, de cunho “pessimista”, deve ser levado em consideração, podendo desencadear duas possíveis consequências judiciais