Felippe Ruiz

A defesa dos interesses do setor de transporte rodoviário de cargas perante a Justiça do Trabalho e o mercado ganha novo e importante marco doutrinário e jurisprudencial. Não bastassem os percalços já sofridos a partir de 1990, quando a Justiça do Trabalho passou a considerar aplicável à atividade do motorista o controle da jornada de trabalho de oito horas, temos, agora, uma nova e complexa situação pela frente. 
Rememore-se que, antes dos anos 90, a Justiça do Trabalho entendia, de forma uníssona, que a jornada de trabalho do motorista era externa e em decorrência da impossibilidade de controle efetivo pelo empregador, não se impunha o pagamento de horas extras. Por conta disso, inúmeras empresas de transportes instituíram, como forma de compensação, o pagamento de comissões aos motoristas, sendo premiação e incentivo à produtividade dos seus funcionários. 
Com a chegada dos rastreadores e dos sistemas de monitoramento da frota no cenário do transporte rodoviário de cargas, as decisões da Justiça do Trabalho sofreram uma modificação – em sentido diametralmente oposto ao entendimento anterior – compreendendo os julgadores que as novas tecnologias tornavam-se ferramentas que possibilitam o controle da jornada de trabalho do motorista. 
Em um primeiro momento, o Poder Judiciário determinava que somente as empresas que possuíam estes sistemas deveriam ser condenadas ao pagamento das horas que excedessem à jornada permitida. Posteriormente, independentemente da existência ou não das referidas ferramentas, todas as contratantes passaram a sofrer a condenação. 
O valor das indenizações era elevadíssimo, tanto por conta de horas extras, como pela projeção das comissões ou premiações no cômputo da referida rubrica. Assim, entre o final de 1990 e o início dos anos 2000, muitas empresas do segmento do transporte rodoviário de cargas não suportaram os expressivos valores das condenações trabalhistas e encerraram definitivamente suas atividades. 
Nesse contexto, a Lei do Motorista, também conhecida como Lei dos Caminhoneiros, em sua primeira versão, surgiu com a árdua missão de normatizar aquilo que a Justiça do Trabalho, na prática, já tinha como regra há mais de uma década. Após anos de atropelos e dificuldades quase intransponíveis, surge em 2012, enfim, uma nova legislação especial, própria à atividade de motorista, por meio da qual as empresas do setor poderiam nortear-se.
Todavia, o que se pensava ser um assunto encerrado e definitivo, sofreu uma grande reviravolta com o julgamento ocorrido no último dia 30 de junho de 2023, no Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>).
Antes de expandirmos a discussão acerca do STF, um pouco do contexto histórico. Desde 2012, por força da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12619.htm">Lei 12.619</a> do referido ano, as empresas de transporte se viram diante do desafio de controlar a jornada de seus motoristas, como mencionado no início deste artigo, até então considerados pelo setor empregados não sujeitos ao controle de jornada (artigo 62, inciso I, da CLT).
A regulamentação da matéria com a legislação específica, apesar de uma conquista intensamente comemorada à época, impôs um desafio de adaptação de controles de rastreamento (até então destinados ao monitoramento da carga) para o controle do motorista e sua jornada, sendo, portanto, até então aplicável a algo concreto e imutável para um ambiente subjetivo e vivo, sujeito então às flexíveis particularidades. 
Dentre outras questões, com o controle da jornada, as empresas de transporte passaram a remunerar seus trabalhadores não só pelo tempo em que estes estavam à frente de seus caminhões dirigindo, mas também pelo período em que permaneciam parados e inertes em seus clientes, ou nos clientes de seus clientes, em fiscalizações, nas aduanas. Ou seja, em todos os gargalos logísticos que existem no país. 
O setor se deparou assim com um novo desdobramento financeiro: o custo da improdutividade da cadeia logística. A categoria já havia, de certa forma, buscado amparo legislativo para regular tais obstáculos, ao disciplinar o tempo máximo de carga e descarga a ser observado e os valores devidos caso estes não fossem cumpridos, previsto no parágrafo 5º, artigo 11 da<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11442.htm"> Lei 11.442/2007</a>, que estabelece uma remuneração destinada à empresa transportadora após ultrapassado um prazo de cinco horas. 
Contudo, estes valores se mostravam insuficientes para a disciplina legal publicada em 2012, dado que os custos nas paradas incorriam desde a chegada no destino e, portanto, não eram abrangidos de forma integral pela referida norma. 
A solução encontrada foi a revisão dos dispositivos da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12619.htm">Lei 12.619/2012</a>, o que ocorreu através da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13103.htm">Lei 13.103/2015</a>, que, após intenso trabalho da categoria, logrou a aprovação de disposições que tratavam os principais impactos trazidos pelo controle da jornada, os quais não estavam intimamente ligados ao tempo de direção do motorista, mas sim aos gargalos logísticos existentes. 
O tempo de espera nas filas e fiscalizações, cargas e descargas, não só oneravam as empresas, como, por outro lado, faziam com que estas interpretassem pela possibilidade de certa flexibilização com relação à contraprestação dos descansos e folgas, dado que entendiam que estes períodos poderiam ocorrer nessas inúmeras paradas e esperas ao longo da jornada, e se operacionalizando nesse formato, seriam remunerados de forma diferenciada. 
A conquista à época não foi pequena. O tempo de espera passou a ser remunerado a título indenizatório, a base de 30% do valor da hora do trabalhador. Assim, de um lado o motorista recebia pela hora não trabalhada, e, de outro, a transportadora não suportava o pesado encargo de remunerar a hora dessa natureza como hora normal de trabalho ou mesmo como hora extra. 
No entanto, um novo capítulo se iniciou já em 2015, quando foi proposta a ADI 5.322, questionando justamente a constitucionalidade dos dispositivos referentes ao controle de jornada, sua flexibilização e o tempo de espera. Em 2021, o processo retomou sua movimentação, e em agosto de 2022, sobreveio o voto do ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/alexandre-de-moraes">Alexandre de Moraes</a> confirmando a inconstitucionalidade dos dispositivos legais, decisão essa posteriormente confirmada quando do julgamento final do processo. 
De 2015, para os dias atuais, diversos governos foram atravessados e muitas decisões empresariais foram adotadas em clima de incerteza, com ressalvas acerca da aplicação irrestrita dos dispositivos que tratavam da jornada, especialmente após a propositura da Ação de Controle de Constitucionalidade, desafiando advogados e contadores a apresentarem análises de risco e contingências com base em cenários que apresentam inúmeras variáveis. 
Contudo, os benefícios econômicos, que consideraram a ampla validade e eficácia da legislação vigente, foram enormes. Exemplificando: se imaginarmos uma hora de trabalho a R$ 1,00, aplicando-se a Lei 13.103/2015, no que tange ao tempo de espera, uma transportadora remuneraria seu motorista, pela hora parada e não trabalhada em direção, o valor de R$ 0,30. Já ao não aplicar o referido diploma legal, esta transportadora remuneraria seu trabalhador em R$ 1,00, e eventualmente em R$ 1,50, se em hora-extra, acrescido de todos os encargos legais. Disparidade abissal. 
Sendo assim, a diferença competitiva considerando o peso da mão de obra na composição de preço dos serviços de transporte e o seu impacto para a adoção das decisões empresariais, ao longo destes oito anos, foram de grandezas exponenciais. 
Em razão disso, se mantida a regra geral de aplicação retroativa dos efeitos do julgamento no que tange à inconstitucionalidade de tais dispositivos conforme há a possibilidade no STF, é possível que um novo e importante passivo seja gerado às transportadoras, que vinham aplicando os dispositivos e regras conforme a legislação até então vigente e válida. 
A categoria já se manifestou no sentido de que aguarda a publicação do acórdão para, em defesa da segurança jurídica, sustentar junto ao Supremo Tribunal Federal que os efeitos se apliquem do dia 12 de julho em diante. Em outra manifestação, os representantes da categoria destacaram a declaração de constitucionalidade de outras importantes conquistas trazidas pela Lei 13.103/2015, que, considerando o enroscado e dinâmico histórico legislativo e jurisprudencial, devem ser enaltecidas e reconhecidas. 
Estamos diante de uma nova temporada desta história, que começará pela publicação do acórdão, e que já está produzindo efeitos com a publicação da certidão de julgamento de 12 de julho. Ao que parece, essa série, com inúmeros personagens e cenários, por vezes anacrônicos, está longe de terminar e cabe a nós, advogados, a continuação na permanência na luta e defesa dos interesses do combatido e relevante setor de transporte rodoviário de cargas brasileiro.

caminhrio3

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JOTA

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