Gabriela Lotufo

Daniel Becker

<p>“Briga de condomínio” é uma expressão corriqueira e que reúne os mais diversos tipos de problemas que surgem da convivência em edifícios. Animais domésticos e festas privadas, por exemplo, podem criar profundas inimizades entre vizinhos. Agora, uma dessas disputas, fundamental para a economia digital, está nas mãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A discussão gira em torno da possibilidade de o condomínio edilício impedir os proprietários das unidades autônomas de alugá-las por meio de plataformas digitais — o Airbnb, no caso concreto. Na próxima semana (20/04/2021), o julgamento de recurso (REsp 1.819.075) será retomado e, como se pode imaginar, o resultado da decisão da Corte Superior terá um futuro impacto sobre os setores imobiliário e turístico do Brasil.</p>
<p>Amor acaba; o que não tem fim é processo judicial. Com isso em mente, é importante abrir parênteses para destacar que a ação que deu origem a este recurso especial remonta ao ano de 2014. Passados quase sete anos do ajuizamento da demanda originária, é certo que a modalidade de locação via plataforma ganhou uma tração gigantesca e é, hoje, <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/01/04/locadores-de-imoveis-por-temporada-sao-vitimas-de-golpes.ghtml" target="_blank" rel="noopener noreferrer">o método recomendável de aluguel para evitar golpes</a>. Com isso em mente, o ministro Luis Felipe Salomão, ao lavrar o primeiro voto do caso em 2019, entendeu que a locação de imóveis ou parte deles por meio de plataformas digitais não é locação comercial. Segundo o magistrado, na ausência de lei que limita tal comportamento, não pode o condômino ser proibido de locar imóvel ou parte dele por curto período. Em seguida, <a href="https://www.migalhas.com.br/quentes/312810/stj--para-relator--e-ilicito-proibir-condomino-de-aluguel-por-temporada--como-airbnb" target="_blank" rel="noopener noreferrer">o ministro Raul Araújo pediu vista do recurso, adiando o julgamento do recurso</a>.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a></p>
<p>Portanto, questão pendente de definição pelo STJ é se as locações realizadas por meio do Airbnb teriam natureza residencial ou comercial. Caso seja mantido o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) — locação comercial —, locadores, que alugam seus imóveis por períodos curtos e para diferentes pessoas estarão, de fato, impedidos de locar suas unidades condominiais por violação da finalidade residencial do condomínio do qual seus imóveis fazem parte. E nos parece bem claro que este entendimento, caso seja chancelado pelo STJ, atentará contra a liberdade e a inovação.</p>
<p>Mas como funciona o Airbnb? Assim como um website, a plataforma é uma intermediária de contratos de locação de curto prazo. A única diferença é que, por meio do uso da tecnologia, a plataforma digital do Airbnb aumenta exponencialmente as oportunidades entre locadores e locatários. Mais oportunidades significam mais contratos e isso, por si só, não representa a caracterização de uma locação comercial.</p>
<p>A Lei nº 8.245/1991, sobre as locações de imóveis urbanos, deixa claro que o que diferencia a locação residencial daquela comercial é a destinação que o locatário dá ao uso do imóvel. Dito de outra forma, enquanto uma contempla a residência (temporária ou permanente), a outra diz respeito a atividades comerciais devidamente registradas, tais como lojas, restaurantes etc. Especificamente sobre a locação por temporada — locação residencial com prazo de até 90 dias —, a lei prevê que o locatário pode destiná-la para “<em>prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão somente de determinado tempo</em>” (Lei nº 8.245/1991, art. 48).</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Leia-se e releia-se a Lei nº 8.245/1991 e não se verá uma linha que tipifique a locação por temporadas, ainda que com alta frequência, como locação comercial.</p></blockquote>
<p>E mais. É importante destacar que a plataforma digital do Airbnb, colocada em xeque no julgamento, não tem qualquer interferência nos termos dos contratos estabelecidos entre seus usuários. As partes podem definir livremente o preço, o tempo de duração, bem como a prestação de alguns serviços acessórios, como disponibilização de café da manhã, a limpeza do imóvel, o empréstimo de bicicletas, entre outros.</p>
<p>A convenção de serviços acessórios pelas partes resultou no equivocado entendimento, pelo tribunal gaúcho, de que as locações realizadas por meio do Airbnb teriam natureza de “<em>contratos atípicos de hospedagem</em>”. No entanto, de acordo com o art. 23, da Lei nº 11.771/2008 (Política Nacional de Turismo), os contratos de hospedagem pressupõem a existência de um empreendimento. No caso apresentado para o STJ, os réus são mãe e filho, simples proprietários dos imóveis locados. É esse, inclusive, o padrão no Airbnb.</p>
<p>Além disso e ainda de acordo com a Política Nacional de Turismo, os contratos de hospedagem pressupõem, também, a prestação de um conjunto de inúmeros serviços de hospedagem de forma indissociável da cessão do uso do imóvel, tais como atendimento de recepção, carregamento de bagagens, serviço de quarto, serviço de telefonia, suprimento periódico de alimentos etc. Em outras palavras, o hóspede do hotel espera toda uma infraestrutura de serviços que lhe atendam durante a sua estadia. Em rápida pesquisa, vê-se que a exceção é o oferecimento de algum serviço ou outro a mais, como limpeza e café da manhã. A regra é somente o espaço locado.</p>
<p>Aliás, os usuários do Airbnb nem mesmo esperam obter serviços de hospedagem quando procuram acomodações na plataforma. Nesse sentido, inclusive, em parecer apresentado no recurso especial, o professor Anderson Schreiber destaca que o Airbnb “<em>explora precisamente o desapego contemporâneo aos serviços de hospedagem, aproximando usuários que valorizam a cessão do uso e gozo do bem imóvel como elemento primordial da contratação. O Airbnb é, nesse sentido, a verdadeira antítese da hospedagem</em>”. Logo, os poucos e ocasionais serviços oferecidos pelos usuários da plataforma não são suficientes para configurar a prestação de serviços de hospedagem. e, portanto, não têm o condão de transformar o negócio em um contrato de hospedagem típico ou “atípico” (<em>sic</em>).</p>
<p>Parece-nos que a inexistência de locação comercial é evidente e qualquer tentativa de impedir a livre fruição da propriedade viola a Constituição da República (art. 5º, XXII) e o Código Civil (art. 1.228 e 1.335, I). O que se espera é que o STJ ponha fim nesta briga de vizinhos e dê carta branca para a liberdade e a inovação.</p>
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JOTA

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