José Augusto Dias de Castro

O Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) anunciou no final de 2022 a criação de um procedimento para solução consensual de temas litigiosos envolvendo a Administração Pública federal. A secretaria criada pela Corte para conduzir os processos de solução consensual (a SecexConsenso) já começa a ocupar seus escaninhos com pedidos diversos, especialmente contendas entre concessionários de ativos de infraestrutura (energia, ferrovias e rodovias) e órgãos federais.
Ainda que com algum atraso – nada de novo, pois grandes instituições normalmente movem-se em passos mastodônticos –, este movimento estabelece um ponto de inflexão relevante, pois marca o ingresso deste tribunal no que se pode chamar de uma “era do consenso”, reflexo de mudança profunda em curso na forma como a Administração Pública brasileira relaciona-se com indivíduos e empresas, especialmente no âmbito da imposição de sanções e reposição de danos causados ao Estado em função de atos ilícitos. 
O Direito Público brasileiro é tradicionalmente caracterizado por seguir um padrão de legalidade estrita, com comandos unilaterais e impositivos partindo de órgãos administrativos e judiciais. Por esta visão clássica, abre-se pouco espaço para consenso, este sempre tido por inconciliável com uma visão (tacanha, diga-se) do princípio da indisponibilidade do interesse público, que em nada transige. Baseados neste princípio orientador, agentes públicos buscam incessantemente a aplicação de sanções e reparações nos mais altos patamares possíveis.
Esta visão já há algum tempo vem dando sinais de estafa, cedendo à realidade que se impõe: o litígio no Brasil (administrativo ou judicial) custa caro, e tem nível de eficiência baixíssimo. Os habituados à prática do contencioso com a Administração Pública e órgãos de controle, inclusive o TCU, veem processos se arrastarem por anos infindáveis, esperando Godot: um final improvável em que o Poder Público recupera integralmente os valores a título de ressarcimento e vê pagas todas as multas que aplicou. 
A escassez com que se verifica esse cenário fez brotar a ideia de consensualidade aqui comentada. A disputa cara, longa e de resultado incerto é substituída por acordo que implica renunciar a algo de difícil atingimento, em prol da antecipação de ganhos e liberação de recursos humanos e físicos da Administração para consecução de outras atividades.   
Voltando ao TCU: a forma aguerrida e intransigente com que a Corte defende o patrimônio público é notória, o que sempre a fez avessa a acordos que por sua natureza implicam alguma espécie de renúncia. Todavia, esta falta de maleabilidade não raramente consome ainda mais o mesmo patrimônio público que se pretende defender. O presidente do TCU, <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Bruno-Dantas">Bruno Dantas</a>, deixa evidente que esta preocupação foi o móvel por trás da <a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/ato-normativo/Instru%25C3%25A7%25C3%25A3o%2520Normativa%252088%252F2020/%2520/score%2520desc/1">Instrução Normativa 91/2022</a> (que estabeleceu a nova secretaria), ao afirmar que “a criação da SecexConsenso vai permitir mitigar litígios e solucionar problemas relevantes para o País de forma consensual, com segurança jurídica e valorização do diálogo institucional entre os diferentes órgãos estatais e particulares que se relacionam com o poder público”.
O primeiro acordo mediado pela SecexConsenso, entre o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-de-minas-e-energia">Ministério de Minas e Energia</a> e a empresa Karpowership Brasil Energia (aprovado pelo Plenário em 7 de junho de 2023), traz boas lições sobre a vantagem desta nova forma de atuação do tribunal. Em pouco mais de um mês desde o protocolo do pedido pelo MME, a secretaria chegou a uma solução consensual que, segundo anunciado, vai economizar R$ 580 milhões aos cofres públicos. O preciosíssimo tempo dos servidores e da empresa também foram poupados: na ausência deste acordo, a tendência seria um processo judicial ou arbitral longo, com desfecho incerto e gerador de insegurança para investidores e agentes públicos envolvidos. 
Também é de se notar que, a julgar pelos primeiros casos abertos pela nova secretaria, o foco inicial parece ser a renegociação de contratos complexos assinados pelo Governo Federal. Restará ainda o desafio de expandir a mediação do TCU para grandes contendas envolvendo alegações de sobrepreço, superfaturamento e outros temas oriundos de desvios éticos (por exemplo, os casos da Lava Jato). 
Outros órgãos já adotam mecanismos de consenso nesta matéria, como os ministérios públicos e seus “termos de ajuste de conduta” usados desde os anos 1990, e os acordos de leniência celebrados pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CADE">Cade</a>, <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CGU">CGU</a> e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/agu">AGU</a>. Em 2020, houve a assinatura do acordo de cooperação técnica entre <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>, CGU, AGU, Ministério da Justiça e TCU para negociação conjunta de acordos de leniência, mas até o momento não há engajamento da Corte de contas nos acordos celebrados por outras organizações. 
Este é um ponto a ser corrigido, pois hoje alguns dos maiores processos em andamento no tribunal, intermináveis e de valores astronômicos, referem-se a litígios dessa estirpe. Há aqui uma janela de oportunidade importantíssima, capaz de eliminar a sombra da incerteza envolvendo tais processos, liberando o órgão e as empresas para virarem a página. Será a apoteose do ingresso do TCU na era do consenso.

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JOTA

Ainda que com algum atraso, criação de secretaria para conduzir processos estabelece um ponto de inflexão relevante

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O ingresso do TCU na 'era do consenso'

Secretaria do TCU reflete mudança em curso na forma como a administração pública brasileira relaciona-se com indivíduos e empresas