Maceno Lisboa da Silva

O Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>) está julgando o Recurso Extraordinário 882.461 (Tema 816/STF)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, em que se discute a constitucionalidade da incidência de ISS na industrialização por encomenda, prevista no subitem 14.5 da Lista Anexa à <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm">Lei Complementar 116/2003</a>, bem como se a multa fiscal moratória deve atender ao limite de 20%. Esse julgamento novamente trouxe à tona a discussão a respeito do conceito de “serviços de qualquer natureza” para fins de incidência do ISS.
Isso porque, ao proferir seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli, deixou claro que “ao tangenciar a questão da materialidade do ISS, a Corte vem admitindo interpretação ampla do conceito de serviços de qualquer natureza”. Em seguida, o ministro chegou à conclusão de que o Supremo vem entendendo por superar a clássica dicotomia civilista entre obrigações de dar e de fazer, justificando que tais fundamentos são insuficientes para se determinar se uma situação está abrangida pela materialidade do imposto municipal na atual complexidade da sociedade.
Todavia, tão importante quanto adentrar no imbróglio sobre conceito de serviços, foi o reconhecimento pelo relator de que “não obstante a viabilidade de se conferir interpretação ampla ao conceito de serviços de qualquer natureza, para fins de tributação pelo ISS, deve-se deixar claro não ser cabível ao legislador complementar expandir, a seu alvitre, o campo da competência tributária atribuída pelo texto constitucional aos municípios”.
Esta importância ganha um destaque ímpar ao se constatar que, quando se trata de conflitos envolvendo atividades mistas, ou seja, de obrigação de fazer com fornecimento de mercadorias e dúvida a respeito da incidência do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/iss">ISS</a> ou do ICMS, o STF vem adotando o critério da “prevalência da lei complementar”. Isto é, caso a atividade esteja definida na lei complementar como serviço, ainda que ela envolva a utilização ou o fornecimento de bens, deve-se incidir apenas o ISS, mas na hipótese de não existir tal previsão, o imposto a ser recolhido será o ICMS. Pode-se, assim, chegar as seguintes conclusões<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>:
<table>
<tbody>
<tr>
<td style="width: 146.93px;"> </td>
<td style="width: 147.828px;">Atividade que envolve somente circulação de mercadorias</td>
<td style="width: 147.828px;">Atividade que envolve apenas prestação de serviços</td>
<td style="width: 147.852px;">Atividade mista</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 146.93px;">Descrição</td>
<td style="width: 147.828px;">Contribuinte apenas vende uma mercadoria (bem), sem prestar qualquer serviço</td>
<td style="width: 147.828px;">Contribuinte presta um serviço puramente, sem entregar nenhuma mercadoria</td>
<td style="width: 147.852px;">Contribuinte entrega uma mercadoria e também presta um serviço</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 146.93px;">Exemplo</td>
<td style="width: 147.828px;">Compra e venda de um produto no supermercado</td>
<td style="width: 147.828px;">Serviços prestados por advogado</td>
<td style="width: 147.852px;">Montagem de pneus com o fornecimento dos pneus pela própria montadora</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 146.93px;">Tributação</td>
<td style="width: 147.828px;">Somente ICMS</td>
<td style="width: 147.828px;">Somente ISS</td>
<td style="width: 147.852px;">Somente o ISS, se esta atividade está prevista na Lista Anexa à LC 116/03</td>
</tr>
</tbody>
</table>
Esse fundamento exposto neste julgamento demonstra que o critério objetivo de definição de incidência do ISS que vem sendo adotado pelo STF não é absoluto, o que leva a conclusão de que tal critério pode deixar de ser adotado quando há ampliação indevida pela lei complementar. Ou seja, quando a lei complementar amplia de forma indevida ou insere em sua lista anexa atividade que não pode ser serviço ou que é unicamente de fornecer mercadorias.
Foi nesse sentido que o ministro Dias Toffoli concluiu que “a corte também tem assinalado que o mencionado critério objetivo pode, contudo, deixar de ser adotado nos casos em que a lei complementar defina como serviço atividade que, ontologicamente, não o é ou que envolva fornecimento de mercadorias de vulto significativo e com efeito cumulativo. Em casos assim, se constata ter a lei complementar ampliado, indevidamente, a competência tributária dos municípios, ofendendo o texto constitucional”.
Por isso, nesse caso específico, a conclusão do voto do relator foi por afastar a incidência do ISS, em virtude de que “a lei complementar, ao não ressalvar os objetos destinados à industrialização ou à comercialização no subitem 14.05, deformou o critério material do ISS e invadiu, no ponto, competência tributária da União, provocando, ademais, efeito cumulativo relevante em imposto sobre a produção”.
O problema é que, novamente, o Supremo deixa vago a definição do conceito de serviço para fins da incidência do ISS. De fato, não se pode negar que recentemente o plenário virtual do STF afirmou a constitucionalidade da incidência do ISS nas “cessões de jazigos em cemitérios” prevista no subitem 25.05 da Lista de Serviços anexa à LC 116/2003, decidindo, por unanimidade, pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.869 proposta pela Acembra (Associação de Cemitérios e Crematórios do Brasil).
Nesse julgamento, também foi reconhecido pelo ministro relator, Gilmar Mendes, que "a jurisprudência desta Suprema Corte parece caminhar no sentindo de definitivamente superar a divisão entre obrigação de dar e de fazer para fins de definição de qual tributo incidirá, se ISS ou ICMS, partindo para uma posição que confere primazia ao definido em lei complementar".
Esse fato ganhou tamanha proporcionalidade que o relator chegou a cogitar a revisão imediata da Súmula Vinculante 31, sob a justificativa de que estaria superada de vez a dicotomia entre obrigação de dar e fazer como critério para diferenciar os campos do ICMS e do ISS. Todavia, o relator deixou de lançar a proposta de revisão da súmula, em razão de que os casos não eram completamente iguais, pois o caso não se resume a uma mera locação ou cessão de bem (puras), envolvendo também serviços de manutenção e conservação do local cedido. Isto é, tratava-se de atividade mista.
Assim, após analisar a trajetória da jurisprudência envolvendo o conceito de serviços para fins de ISS, o ministro relator entendeu que "a partir do exposto, em que pese a dissociação de 'prestação de serviço' da 'obrigação de fazer', resta mantida a ideia de que o ISS incide sobre oferecimento de utilidade a outrem, podendo se realizar, ou não, com 'obrigação de dar'".
Dessa forma, analisando essas recentes decisões sobre o conceito de serviço para fins de tributação do ISS, a conclusão que se chega é que serviço seria o “oferecimento de utilidade a outrem”, que poderia “se realizar ou não, com obrigação de dar”, tendo que ter obrigatoriamente sua “previsão em lei complementar”, mas que esta não poderia “ampliar indevidamente os itens de incidência de ISS” e impor a incidência da tributação sobre atividades que “não atendam a tais critérios”. Logo, ao que parece, continuamos sem um critério certo e seguro sobre o que seria serviços.
Em verdade, não anda bem o STF quando se trata de promoção da segurança jurídica e essa discussão envolvendo a definição acerca do conceito de serviço somente vem a confirmar isso! Estamos às vésperas de uma reforma tributária e sequer foram resolvidos os problemas do atual sistema tributário. Lógico que mudar o atual sistema de tributação é necessário, mas esses velhos problemas envolvendo conceitos indeterminados não podem continuar, sob pena de, adotando as lições de Marcelo Neves sobre a ineficácia das normas constitucionais, acabarmos elaborando uma reforma tributária meramente “simbólica”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O Recurso Extraordinário 882.461 (Tema 816/STF) discute, à luz dos arts. 93, IX, 150, IV, 153, § 3º, II, 155, § 2º, e 156, III, da Constituição Federal, a possibilidade de incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN em operação de industrialização por encomenda, realizada em materiais fornecidos pelo contratante, quando referida operação configura etapa intermediária do ciclo produtivo de mercadoria. Debatem-se, ainda, as balizas para a aferição da existência de efeito confiscatório na aplicação de multas fiscais moratórias. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista na sessão virtual agendada para o período entre 14/04/2023 e 24/04/2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> O juiz federal Márcio André Lopes Cavalcante, ao comentar o julgamento da ADI nº 5.576 no Informativo nº 1.024 do STF, apresentou esta comparação entra as espécies de atividades e as conclusões sobre tais tributações.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O conceito de Constituição Simbólica se deve ao Professor Marcelo Neves em que concluiu que a constitucionalização simbólica ocorre quando há ineficácia das normas e valores constitucionais, podendo se apresentar como uma legislação-álibi, demostrando a capacidade de ação estatal frente às demandas; como forma de confirmar valores sociais de determinados grupos minoritários; e/ou adiar a resolução de conflitos sociais.

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JOTA

Julgamento do Tema 816 pelo STF levantou novamente a discussão para fins de incidência de ISS

O indeterminado conceito de serviço para tributação

Julgamento do Tema 816 pelo STF levantou novamente a discussão de conceito de serviço para fins de incidência de ISS