STJ

O impasse dos tratados na tributação de lucros de controladas no exterior

Lei 12.973, decisões do STJ e do CARF ainda mantêm a questão inteiramente em aberto para o futuro

01/04/2015|09:05
Atualizado em 01/04/2015 às 14:42
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Em 20 de maio de 2014 foi publicada a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no Recurso Especial nº 1.325.709/RJ interposto pela VALE S.A, em que foi reconhecida a prevalência dos Tratados contra Dupla Tributação (“TDT”) para que os lucros auferidos pelas empresas controladas sediadas na Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo fossem tributados apenas nos seus territórios.

Esse precedente era muito aguardado, pois, após anos de contencioso, finalmente o Tribunal Superior manifestou seu entendimento de que os TDTs celebrados com o Brasil prevalecem sobre a legislação interna nos casos de auferimento de lucros por meio de controladas no exterior.

No entanto, em 05 de março de 2015, contrariando o posicionamento do STJ, a Primeira Sessão de Julgamento do CARF prolatou novamente decisão em sentido contrário no Processo Administrativo nº 10980.724003/2011-61.

No caso em análise, a turma, por voto de qualidade, negou provimento ao Recurso Voluntário da empresa All-America Latina Logística S.A. para não aplicar o TDT firmado entre o Brasil e a Argentina e reconhecer como devida a tributação do IRPJ e CSLL sobre os lucros auferidos no exterior por empresa controlada na Argentina. O relator corroborou com o entendimento da Fazenda Nacional no sentido de que, ao tributar o lucro das controladas no exterior, o Brasil não está tributando os lucros da sociedade domiciliada no exterior, mas sim o reflexo no patrimônio da controladora referente aos lucros auferidos pelos próprios sócios brasileiros e, desta forma, não há conflito com os dispositivos do TDT.

Desta forma, apesar da decisão do STJ ser um relevante precedente judicial, que deveria ser seguido como base pelos demais julgadores, os tribunais administrativos têm optado por posição diversa. Daí remanesce controvertida a questão, pois CARF tem proferido decisões favoráveis e desfavoráveis à aplicação dos TDTs para afastar a tributação de lucros auferidos no exterior por subsidiárias das empresas nacionais, mesmo após a publicação do entendimento do STJ, conforme demonstrado a seguir:

Nº do Acórdão Contribuinte Data da Sessão Tratado Controvérsia Resultado
1201-001.024 Rexam Beverage Can South America S.A. 06/05/2014 Brasil-Chile Aplicação do art. 7 do TDT em contraposição ao art. 74 da MP 2.158-35/01; art. 10 do TDT- disponibilização ficta dos dividendos como fato gerador Favorável à Fazenda
1402-001.713 Camargo Correa Cimentos S.A. 03/06/2014 Brasil-Argentina Aplicação do art. 7 do TDT em contraposição ao art. 74 da MP 2.158-35/01; art. 10 do TDT- disponibilização ficta dos dividendos como fato gerador Favorável à Fazenda
Não publicado Petrobrás 21/10/2014 Brasil - Holanda Aplicação do art. 7 do TDT em contraposição ao art. 74 da MP 2.158-35/01; art. 10 do TDT- disponibilização ficta dos dividendos como fato gerador Favorável ao contribuinte (desfavorável para CSLL)
1102-001.247 Intercement Brasil S.A 25/11/2014 Brasil-Argentina Aplicação do art. 7 do TDT em contraposição ao art. 74 da MP 2.158-35/01; art. 10 e 23 do TDT - disponibilização ficta dos dividendos como fato gerador Favorável ao contribuinte (desfavorável para CSLL)
1302-0201.630 Petrobrás 04/02/2015 Brasil - Holanda Aplicação do art. 7 do TDT em contraposição ao art. 74 da MP 2.158-35/01; art. 10 do TDT- disponibilização ficta dos dividendos como fato gerador Favorável a Fazenda

Importante destacar os julgamentos contraditórios envolvendo a empresa Petrobrás em curto espaço de tempo. Sobre a mesma matéria, porém anos calendários diferentes, foram proferidas decisões do CARF de diferentes Turmas com entendimentos totalmente opostos sobre a aplicação dos tratados.

Na decisão mais recente, julgada em fevereiro de 2015, o Conselheiro Relator Eduardo de Andrade ignorou os precedentes favoráveis sobre esse tema e proferiu voto no sentido de que os lucros auferidos (não distribuídos) por controladas localizadas na Holanda ao fim do ano-calendário possuem natureza de dividendos e, portanto, passam a atrair a aplicação do art. 10 do TDT (tributação de dividendos) e não do art. 7º (tributação do lucro da pessoa jurídica domiciliada na Holanda).

Nesse mesmo julgamento, o Conselheiro Alberto Pinto acompanhou a decisão do relator, porém fundamentou seu voto de forma distinta. Em sua declaração de voto, justificou que,  os investimentos de controladas avaliados por Método de Equivalência Patrimonial (MEP) representam disponibilidade econômica e acréscimo patrimonial para a empresa no Brasil. Isso porque a obrigação de a investidora computar, no seu resultado contábil, os lucros ainda não distribuídos das investidas avaliadas pelo MEP decorrem de uma obrigação prevista na legislação comercial (Lei nº 6.404, de 1976) e, dessa forma, não é necessário recorrer à lei tributária para sustentar que esses lucros significam um acréscimo patrimonial na investidora por representarem uma disponibilidade econômica, passível, inclusive, de distribuição aos sócios da investidora. Portanto, os lucros auferidos no exterior são passíveis de tributação no Brasil independente da celebração de TDT com a jurisdição onde a controlada está situada.

Assim, tendo em vista a disparidade de decisões proferidas nesse último ano, há uma grande expectativa de que essas divergências de entendimento sejam afinal solucionadas pela Câmara Superior de Recursos fiscais. Nesse sentido, seria de todo interessante aguardar que a matéria seja consolidada primeiro pelos Tribunais Superiores, para que então houvesse uma final definição administrativa sobre o tema.

Ressalte-se que a recente Lei 12.973/2014 não contribuiu para o fim desse litígio, tanto por ter alterado a base para tributação no Brasil que passa a incidir de forma inovadora sobre o ajuste do valor dos investimentos equivalente aos lucros de controladas no exterior, tanto por não ter se preocupado em esclarecer a aplicação dos TDTs.

A questão, portanto, ainda está inteiramente em aberto para o futuro. Há tanto espaço para questionamentos sobre a constitucionalidade dessa nova forma de tributação introduzida pela Lei 12.973/14, como também não foi resolvida de forma convincente a falta de harmonia entre o texto da Lei 12.973/2014 e as regras de aplicação dos TDTs a que está sujeito o Estado Brasileiro.logo-jota

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