Fernando Bueno

Vitória Malucelli

Compromissos ambientais e metas climáticas ambiciosas, necessárias a proteção e preservação do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/meio-ambiente">meio ambiente</a>, aliadas aos conflitos comerciais entre EUA e China e aos recentes eventos geopolíticos (pandemia da Covid-19 e invasão da Ucrânia pela Rússia), que colaboraram para a regionalização das cadeias de suprimentos e produção, levaram à construção de um ambiente favorável à implementação, especialmente por países desenvolvidos, de novas políticas e regulamentações “autônomas”, inclusive de cunho industrial.
Essas novas regras, que visam acelerar o esforço de descarbonização e a transição para uma economia verde, vêm acirrando, porém, as tensões comerciais em decorrência de possíveis impactos significativos e preocupações legítimas ao comércio internacional, com graves consequências para o desenvolvimento econômico dos países não desenvolvidos, que não possuem fluxo financeiro para acompanhar esse movimento.
O cenário mundial evidencia uma corrida por subsídios verdes, impulsionada pela aprovação do <a href="https://www.whitehouse.gov/cleanenergy/inflation-reduction-act-guidebook/#:~:text=The%20Inflation%20Reduction%20Act%20specifies,mode%20or%20condition%2C%20low%20or">IRA (Inflation Reduction Act)</a> pelos EUA, em agosto de 2022, que prevê a concessão de cerca de U$ 370 bilhões em incentivos financeiros para atrair investimentos do setor privado em energia limpa.
A corrida vem ganhando competidores de peso do outro lado do Atlântico, a exemplo do Green Deal Industrial Plan, aprovado em fevereiro deste ano pela União Europeia, a qual, sob a ameaça do êxodo de empresas e investimentos do Velho Mundo à terra do tio Sam, anunciou uma flexibilização na política de subsídios dentro do bloco, conhecida como State Aid, (que prevê até 2026 a concessão de incentivos na casa de € 250 bilhões em títulos verdes sob o Recovery and Resilience Facility) permitindo, dentre outros benefícios, que seus estados membros ofereçam subsídios equivalentes aos propostos por competidores estrangeiro (matching aid clause).
O governo da França anunciou no último mês um pacote de medidas verdes, ainda pendente de aprovação no Parlamento, para distribuir € 500 milhões por ano, incluindo créditos fiscais e subsídios para produção de veículos elétricos, estimando poder liberar € 23 bilhões extras em investimentos sustentáveis até 2030.
Sem ficar para trás, a Alemanha, outra gigante do bloco, está iniciando um novo programa de subsídios no valor de € 50 bilhões destinados a ajudar na descarbonização de indústrias com uso intensivo de energia, especialmente setores de aço, produtos químicos, cimento, papel e vidro.
Na mesma linha, importantes players mundiais, como Japão, Índia e Canadá, já estão aprovando medidas semelhantes, como a Japan’s Green Transformation Policy, o Canada’s new renewable energy investment tax credit (ITC) e o India’s Production Linked Incentive Scheme para baterias e energia solar fotovoltaica.
Isso sem mencionar os vultuosos subsídios verdes e políticas industriais (na ordem de US$ 248 bilhões) injetados ao longo da última década pela China, líder da revolução de energia renovável, que já domina a fabricação de tecnologias limpas em diversos setores.
Essa corrida é acompanhada pelo aumento de regulamentações, com destaque para medidas aduaneiras e regulatórias, a exemplo do Deforestation Act e do o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), recentemente instituídas pela União Europeia, com objetivos alegadamente ambientais, mas que indubitavelmente refletem diretamente no comércio internacional ao criarem barreiras para acesso ao mercado europeu para carne, cacau, café, óleo de palma, soja, madeira e borracha, bem como produtos derivados provenientes de desmatamento legal ou ilegal; e para ferro, aço, cimento, fertilizantes, energia, alumínio e hidrogênio, por meio da criação de taxa de carbono de produtos provenientes de outros países que venham a ser comercializados na UE.
No cenário atual, é de se esperar que outros países adotem medidas similares às europeias, criando um emaranhado de novas regras a serem atendidas por exportadores, inclusive os brasileiros, o que deve aprofundar ainda mais o impacto ao comércio internacional.
Ao considerarmos o sistema multilateral de regras comerciais criado pós segunda guerra mundial, o grande desafio será compatibilizar essas políticas e regulamentações de cunho ambiental-industrial-comercial às regras e aos princípios dispostos nos acordos assinados no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio), garantindo, de um lado, a efetividade dos benefícios dos subsídios verdes e, de outro, os interesses comerciais dos demais membros da OMC, de modo a preservar a igualdade de condições para o comércio internacional, em especial nos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento.
Em termos legais, a disciplina da OMC (acordo internacional que tem as grandes potências internacionais como signatárias) aplicável sobre subsídios, não trata de forma específica a problemática dos subsídios verdes. No entanto, o acordo impõe limites aos estados membros, regulando e proibindo a concessão de subsídios (proibidos – vinculados ao desempenho exportador ou condicionados ao uso de bens (partes ou componentes) nacionais, em lugar de produtos importados; ou acionáveis – quando causam efeitos adversos como distorções ao comércio ou efeitos danosos à indústria doméstica de outros estados membros e desde que cumpridos certos requisitos legais.
Alguns incentivos previstos nas políticas de subsídios verdes, como as políticas de conteúdo local previstas na IRA – que oferecem aos consumidores um crédito fiscal de US$ 7.500 para veículos elétricos, desde que 40% das matérias-primas em suas baterias sejam extraídas e processadas nos EUA ou em países que tenham um acordo de livre comércio com os EUA – já vêm recebendo duras críticas sobre a compatibilidade com a disciplina de subsídios proibidos da OMC, por aparentemente discriminar produto importado em benefício do nacional.
As regulamentações europeias de cunho ambiental têm recebido diversas críticas de tradicionais parceiros comerciais europeus, inclusive do Brasil (segundo principal parceiro do bloco), China e Índia, por potencialmente também conter previsões de caráter discriminatórios e com potencial de constituir barreiras injustificadas ao comércio internacional.
Tanto no caso de identificação de subsídios proibidos como no de subsídios acionáveis, o acordo da OMC prevê recursos legais a fim de combater essa prática desleal de comércio, seja pela via de defesa multilateral – questionando a medida perante o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, ou pela via unilateral, por meio do instrumento da defesa comercial, a partir de investigações realizadas pelos próprios estados membros para a aplicação de medidas compensatórias.
Vale lembrar que a autoridade brasileira já aplicou medidas compensatórias contra a importação de produtos subsidiados por políticas verdes em que se considerou como subsídio acionável o programa de Fundo para redução da Emissão de Gases e conservação de Energia, previsto no 12º Plano Quinquenal Chinês para Conservação de Energia e Redução da Emissão, que concede subsídios para incentivar a produção de mercadorias eficientes energeticamente.
Há de se considerar ainda as exceções gerais previstas no artigo XX do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), que permitem aos membros da OMC adotar medidas que seriam consideradas violações das regras do comércio internacional – como a prática de subsídios, em prol da proteção de objetivos políticos legítimos, “a conservação de recursos naturais esgotáveis” e medidas “necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais”.
Tal exceção, porém, não é de aplicação automática e está condicionada ao cumprimento de alguns critérios, analisados caso a caso, como assegurar que a medida não seja discriminatória entre os países membros da OMC; não haja medidas menos restritivas para alcançar o mesmo objetivo; e não seja utilizada como uma forma de proteção comercial disfarçada.
Fato é que a complexidade do assunto esbarra na inexistência de referências internacionais válidas, regras claras, eficazes e atuais para sanar as controvérsias e prover um espaço para políticas ambientais e subsídios para energia limpa, que atreladas ao enfraquecimento do sistema multilateral de comércio, em uma crise em seu sistema de soluções de controvérsias, parecem impor uma realidade aos membros da OMC de “faça o mesmo ou vai ficar para trás”.
Esse cenário vem contribuindo para o aumento de disposições com caráter de possível quebra de regras e princípios da OMC, aumentando a falta de previsibilidade das relações comerciais e segurança jurídica no que tange à efetividade das disciplinas do comércio internacional.
A multidisciplinariedade das discussões, por envolver temas de sustentabilidade, comerciais e de política industriais, acaba por descentralizar os debates em diversos foros, o que dificulta ainda mais a promoção de conversas no sentido de buscar uma solução para o problema.
Ainda que passível de questionamentos, a implementação das políticas e regulações já vigentes é inevitável, assim como a rápida proliferação de novas medidas com o mesmo viés parece ser um caminho irreversível. Não se descuida da relevância da adoção de políticas verdes, mas é preciso agir rápido de forma a buscar mitigar seus impactos comerciais, conciliando a realidade de todos os membros da OMC.
Considerando os prazos curtos de implementações e as contrapartidas significativas exigidas para o setor privado ficar em compliance com essas medidas, deve-se levar em conta o nível de desenvolvimento entre os países, concedendo tratamento especial e diferenciado para que os países menos favorecidos também possam se desenvolver comercialmente e economicamente. Assim como foi feito na implementação dos acordos da OMC, em que foram concedidos períodos maiores para adoção de acordos. Isso poderia minimizar o caráter financeiro imediato, intrínseco dessas políticas e regulamentações.
O tratamento especial e diferenciado deve vir acompanhado de apoio financeiro dos países mais desenvolvidos para o menos desenvolvidos, inclusive por meio de promoção e facilitação de investimentos de suas empresas privadas nos países não desenvolvidos.
Nesse ponto, acerta a União Europeia ao anunciar recentemente o pacote de investimentos na ordem de € 10 bilhões para América Latina e Caribe, incluindo € 430 milhões para a preservação da Amazônia e auxílio ao Brasil no combate do desmatamento ilegal, assim como € 2 bilhões na produção de hidrogênio verde no país.
Entretanto, será preciso aguardar para entender se realmente terá o condão de reduzir o abismo entre o mundo desenvolvido e o não desenvolvido, ao menos no Brasil.
É necessário aumentar, em nível mundial, a consciência, transparência, diálogo e cooperação sobre a forma como essas políticas verdes são concebidas e sobre o seu impacto no comércio internacional, a fim de garantir um tratamento justo e isonômico que considere o nível de desenvolvimento de cada país. O que não se pode perder de vista é que o livre comércio não constitui um fim em si mesmo.
Um crescimento econômico, social e sustentável em escala mundial pressupõe um sistema multilateral universal, aberto, não discriminatório e equitativo, beneficiando assim todos os países em todos os estágios de desenvolvimento, à medida que avançam em direção ao desenvolvimento sustentável.

comércio exterior

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JOTA

Desafios e perspectivas dos países não desenvolvidos

O impacto da corrida por subsídios verdes no comércio internacional

Cenário mundial evidencia corrida por subsídios verdes, impulsionada pela aprovação do Inflation Reduction Act pelos EUA em 2022