Grupo de Pesquisa sobre Jurisprudência do TIT do NEF/FGV Direito SP

Antes de adentrar propriamente ao tema do presente artigo, vale contextualizar, ainda que brevemente, o conceito de importação e as modalidades em que uma importação pode ser realizada.
Importação é o ato jurídico de trazer um bem para dentro do território nacional. Vários negócios jurídicos podem ser verificados em uma importação, tais como compra e venda, locação e comodato. Assim, importante ter em mente a diferenciação entre a importação (em si) e o negócio jurídico a ela subjacente.
Fazendo um recorte especificamente nos contratos de compra e venda (o que, para fins de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/icms">ICMS</a>, conhecemos como transferência onerosa de titularidade ou, simplesmente, circulação jurídica), aquele que pretende adquirir um bem localizado no exterior (e trazê-lo para o território brasileiro) pode fazê-lo de 3 formas distintas, conhecidas por (a) importação direta, (b) importação por conta e ordem de terceiros e (c) importação por encomenda.
Essas modalidades de importação são assim caracterizadas a partir de dois critérios: (1) a identificação da pessoa que realiza a importação, assim entendida como os atos (burocráticos) para internalização do bem; e (2) a identificação da pessoa que realiza o negócio jurídico com o fornecedor localizado no exterior para a remessa do bem ao território nacional.
Na importação direta, um mesmo sujeito realiza tanto a importação quanto o negócio jurídico de compra internacional. Ou seja, tanto a aquisição do bem no exterior quanto o seu despacho de importação são realizados pelo mesmo sujeito.
Alternativamente, este sujeito (interessado em adquirir um bem localizado no exterior) tem a opção de envolver um terceiro na importação, e essa terceirização pode ser realizada de duas formas: se o sujeito terceirizar apenas a importação, mas mantiver consigo a compra (negócio jurídico), estaremos diante de uma importação por conta e ordem; contudo, se o sujeito terceirizar tanto a importação quanto a aquisição, estar-se-á diante de importação por encomenda.
Nestas duas modalidades de importação indireta, assim, o importador será sempre o terceirizado, variando entre uma ou outra modalidade a necessidade da identificação daquele que realiza o negócio jurídico.
Feitos tais esclarecimentos, é preciso dizer que a escolha entre importar diretamente ou terceirizar a importação (de uma forma ou outra) é livre. Cabe ao interessado decidir por aquilo que lhe for mais conveniente. Contudo, esta escolha pode trazer diferentes consequências tributárias, tanto do ponto de vista federal quanto do ponto de vista estadual. Por isso, é importante que o modelo escolhido se verifique tanto na sua forma quanto na sua substância. E é justamente sobre esse tema que a 6ª Câmara Julgadora do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) se debruçou por ocasião do julgamento do processo DRT 16 4144035-3.
Basicamente, o contribuinte autuado, para realizar operações de importação na condição de encomendante, contratou empresa importadora com estabelecimento no estado de Rondônia. As mercadorias foram desembaraçadas nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com remessas diretas para o estabelecimento encomendante, em Jundiaí (SP), ou seja, sem transitar fisicamente pelo estabelecimento importador, em Porto Velho (RO).
A simples aplicação da tese de repercussão geral constante do tema 520 nos faria concluir pelo equívoco da autuação (e, consequentemente, da decisão sob comento). Ora, se estamos diante de importação por encomenda, o sujeito ativo é o estado de domicílio do importador (no caso, Rondônia), e não do encomendante.
No entanto, o TIT não ignorou os termos do que fora decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em repercussão geral, mas acabou por aplicar ao caso concreto os efeitos do que restou decidido para as importações por conta e ordem. E não o fez por erro material, mas sim por entender, à luz dos fatos, que as operações, embora declaradas como “por encomenda” eram, na realidade, importações por conta e ordem. Há, aqui, portanto, uma conclusão de que a importação por encomenda seria simulada.
A primeira questão que surge é se o estado pode desconsiderar, para fins de ICMS, o tipo de importação declarado perante a aduana. A resposta nos parece ser positiva. É claro que, para tal desconsideração, o estado deve estar baseado tanto na legislação federal que rege a matéria quanto nas interpretações da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Dentro de tais limites, entendemos que o estado tem sim legitimidade para, exclusivamente em relação ao ICMS, afastar o tipo de importação declarado pelo contribuinte.
Esta tarefa, ressalte-se, deve ser desenvolvida pelo agente fiscal, nas atribuições que lhes são conferidas pelos artigos 142 e 149 do <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm">Código Tributário Nacional </a>(CTN), quando do lançamento de ofício nos casos em que, após procedimento de fiscalização, detectar elementos fáticos e a documentação necessária para demonstrar que as declarações prestadas pelo contribuinte não merecem fé para, a partir disso, realizar o enquadramento adequado.
É importante destacar este ponto, pois, lendo o acórdão objeto do presente ensaio, pode-se cogitar que o agente fiscal utilizou apenas o critério de entrada física das mercadorias importadas no estabelecimento do encomendante, localizado no estado de São Paulo, para subsidiar sua acusação. Se assim ocorreu, os elementos adicionais em torno da simulação teriam surgido apenas por ocasião do julgamento realizado pelo TIT.
Caso esse tenha sido o caso, fica aqui nossa reprovação acerca da modificação do lançamento tributário em sede de decisão administrativa. Contudo, como há elementos fáticos relevantes no acórdão, partimos da premissa de que todos os argumentos e fundamentos do acórdão foram de fato investigados, constatados e trazidos pelo agente fiscal no auto de infração.
Dito isso, passemos à análise das circunstâncias de fato que fizeram com que a conclusão do Tribunal fosse pela manutenção de auto de infração que desconsiderou a operação de importação por encomenda, conferindo a ele os efeitos tributários de uma importação por conta e ordem:
<ol>
<li>Falta de comprovantes de pagamento (do importador para o exterior e do contribuinte autuado para o importador): segundo a decisão ora comentada, importador e encomendante mantinham uma espécie de contrato de conta corrente, de modo que não foi possível se identificar os pagamentos pelas notas fiscais emitidas; e</li>
<li>Endereço incompatível com a realização de importações por encomenda: o importador teria, se tanto, apenas um escritório administrativo em Rondônia, sem área para armazenamento de produtos. Desse modo, não apenas as mercadorias não entraram (o que atrai a aplicação do disposto no Protocolo 23/2009) como sequer teriam condições de entrar fisicamente no estabelecimento importador.</li>
</ol>
Começando pela segunda, as características do imóvel do encomendante têm direta relação com a existência (ou não) de entrada física. Ora, se a entrada física for desnecessária, temos que o imóvel não precisa estar preparado para isso; por outro lado, se a entrada física for exigida, parece óbvio que o estabelecimento do encomendante tem de possuir estrutura compatível.
E, neste particular, temos que a decisão sob análise fere de morte a decisão proferida pelo STF no já mencionado tema 520 de repercussão geral. Para o STF, a entrada física, que foi critério adotado pelo legislador complementar para fins de determinar o estabelecimento responsável, é algo absolutamente irrelevante para a definição do sujeito ativo do ICMS. Dessa forma, se a entrada física é irrelevante, nada impede que o estabelecimento importador seja apenas um escritório administrativo.
Dito isso, resta avaliar se a não comprovação dos pagamentos (entre importador e exportador e/ou entre encomendante e importador) é causa para se descaracterizar a operação declarada como na modalidade encomenda. Mais especificamente, cumpre analisar se a existência de um contrato de conta corrente substituiria os comprovantes de pagamento.
Como acima mencionado, a identificação daquele que realizou o negócio jurídico com o fornecedor estrangeiro (compra) é fundamental para distinguir as duas modalidades de importação indireta. Se aquele que foi declarado como encomendante acabou por, de fato, comprar os produtos diretamente do exportador, não há dúvidas de que a operação deveria ter sido realizada por conta e ordem.
Como não tivemos acesso à íntegra do processo administrativo, não cabe aqui revalorar as provas apresentadas, mas quer nos parecer que a falta de comprovação do pagamento havido entre encomendante e importador constitui sim indício para a descaracterização da operação declarada.
O contrato de conta corrente, tal como descrito no acórdão sob exame, não parece ser a melhor prova de pagamento entre as duas empresas, especialmente porque, mesmo na operação por conta e ordem, é comum que haja adiantamento e/ou reembolso de numerários para a pessoa jurídica importadora.
Ante o exposto, concluímos que a autoridade fiscal estadual tem competência para, dentro dos limites normativos e interpretativos oriundos do legislador e do executivo federais<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, avaliar se a modalidade de importação indireta declarada pelo contribuinte está correta, para fins de ICMS. Em tal mister, o fato de a mercadoria ter entrado fisicamente (ou não) no estado ou no estabelecimento do importador é absolutamente irrelevante. Já a identificação de quem realmente está comprando o produto do exterior (se importador ou quem o contratou) é elemento fundamental a ser buscado pela fiscalização, e, para isso, o caminho do dinheiro deve ser seguido.
Autoria:
Carlos Eduardo Navarro - Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT - NEF-FGV/SP.  Sócio do Galvão Villani Advogados, mestre em Direito Tributário pela FGV Direito SP, professor da FGV e IBDT, ex-juiz do TIT/SP
Salvador Candido Brandão Jr. - Sócio do Galvão Villani Advogados, doutor e mestre em Direito Tributário pela USP, professor da FGV e IBDT, ex-conselheiro do Carf, juiz do TIT/SP
Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Kalinka Bravo
Lina Santin
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Constituição da República, artigo 22, VIII.<a href="#_ftnref2" name="_ftn2"></a>

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JOTA

Critérios utilizados pela Câmara Julgadora para desqualificar a importação por encomenda

O ICMS nas importações indiretas após o julgamento do Tema 520 pelo STF

Critérios utilizados pela Câmara Julgadora para desqualificar a importação por encomenda, dando efeitos tributários de importação