Francisco Mata Machado Tavares

O debate tributário brasileiro experimenta um acirramento neste início de 2023, por ocasião da <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155690">MP 1160/2023</a>. A medida restabeleceu o voto de qualidade nas decisões proferidas pelo Carf, ao revogar o artigo 19-E da Lei 10.522/2002, que havia sido implementado no governo Bolsonaro, por meio da Lei 13.988/2020. É surpreendente como a simples reinstituição de um procedimento consolidado ao longo de diferentes mandatos presidenciais e contextos históricos, revertida apenas no breve interregno de um governo que não será lembrado pela normalidade institucional ou democrática, desperte tão veementes reações.  
O debate, de qualquer modo, enriqueceu a troca de dados e análises sobre o sistema brasileiro de recursos fiscais. Nos últimos dias, veio a lume uma miríade de opiniões e compilações de números sobre os processos julgados pelo Carf, além de comparações entre a experiência nacional e a de países da OCDE ou do G20. É salutar à cultura democrática, como ensinam os achados dos estudos sobre comportamento político, que grupos e segmentos sociais exponham fartamente os argumentos que entendem como válidos para justificar os respectivos interesses. 
Neste contexto, uma específica contribuição ao debate sobre a MP 1160/2023 alcançou peculiar ressonância. Trata-se da proposta formulada por uma associação e um think tank ligados a grandes empresários. Para este grupo, o restabelecimento do voto de qualidade em processos julgados pelo Carf deveria pressupor duas medidas compensatórias, nomeadamente: 1) os processos terminados em empate gerariam créditos tributários em relação aos quais não incidiriam juros e multas e; 2) os contribuintes teriam um prazo de 180 dias para firmarem acordos com o fisco nessas hipóteses, após o qual, frustrada a composição, poderiam ajuizar ações anulatórias cuja simples proposição suspenderia a exigibilidade do crédito. 
O regime liberal-democrático pressupõe e estimula que grupos de interesse lancem ao debate público todo tipo de ideia que possa favorecer-lhes. Surpreende, contudo, quando o público especialista e setores do governo passam a considerar com maior seriedade formulações discrepantes de consensos sólidos e amplos no estado da técnica e no estado da arte comungado entre cientistas dedicados ao tema. Este é o caso dessas duas propostas. A sua inadequação não emana apenas de teorias críticas ou de perspectivas econômicas heterodoxas. Antes, o respectivo cotejo com ideias pró-empresariado, a exemplo daquelas assumidas por escolas do pensamento como a Law and Economics, já é suficiente para evidenciar-lhes a fragilidade de fundamentos.  
A supressão de encargos sobre os créditos confirmados por meio do voto de qualidade deve ser pensada em relação aos seus efeitos comportamentais e indutores de condutas. Admitida a prevalência, até aqui, de mera diferença nas interpretações sobre o cumprimento da norma tributária entre contribuintes de boa-fé e fisco nos casos de empate no Carf, a norma proposta pelos grandes empresários geraria realidade diversa no futuro. Instituições e regramentos incidem sobre comportamentos e expectativas, como se infere da longa esteira científica que segue desde Pigou até a moderna economia comportamental.
Ao saberem que, com um empate, teriam favores fiscais que os seus concorrentes não experimentariam para um mesmo tributo entendido como devido, os agentes adotarão como conduta racional a submissão de todo tipo de autuação possível ao Carf. Isto aumentará o volume de processos administrativos e, ademais, criará um diferencial de mercado para os contribuintes paramentados com melhores condições de patrocinarem recursos fiscais. Os investimentos que poderiam seguir para pesquisa e desenvolvimento ou para a ampliação de parques fabris, por exemplo, serão realocados em favor de contratos com escritórios tributários. Em síntese, um oneroso custo de transação, para se usar a linguagem de Ronald Coase, a impedir a fluidez dos negócios.  
O Brasil, ademais, inovaria reprovavelmente no Direito Tributário mundial, ao criar a figura do crédito tributário constituído apenas parcialmente, a depender do número de julgadores que, na última instância administrativa, entendeu a obrigação como devida. A ideia fundamental à segurança nos negócios e na relação entre Estado e cidadãos, concernente à presunção de validade e de verossimilhança dos atos administrativos, estaria fulminada com o surgimento de uma confirmação de crédito tributário precarizada em seus efeitos, apenas em razão do quantitativo de votos obtido na última fase do processo administrativo. 
A suspensão da cobrança de tributo definitivamente constituído, em razão da simples propositura de ação judicial, encerrará, igualmente, um descompasso econômico e jurídico. Esta medida conferirá ao Judiciário a competência para a constituição definitiva do crédito tributário, transformando-o em prolongamento da função administrativa do Estado. Tamanha falta de clareza entre o papel dos diferentes Poderes da República, somada à presunção de invalidade do lançamento regularmente confirmado após válida e motivada decisão recursal no Carf, conformará uma moldura institucional marcada por insegurança e tornará economicamente vantajoso o ajuizamento de ações sempre que houver um empate no Conselho. Uma vez mais, o resultado economicamente ótimo será o de investir em advogados, em detrimento da atividade-fim dos negócios.  
É justo que segmentos sociais com interesses particulares apresentem os seus anseios ao governo. Cabe, porém, à comunidade epistêmica formada por especialistas na matéria elucidar os limites e contradições eventualmente presentes nessas formulações. A proposta ofertada por grandes empresários em relação ao Carf, quando escrutinada por parâmetros teóricos priorizados pelo próprio campo empresarial (como a Law and Economics), revela-se ofensiva à fluidez de negócios e ao equilíbrio concorrencial que deveria perseguir. É, assim, frágil sobre as suas próprias bases.

Carf

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JOTA

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