Alex Hatanaka

Stefano Motta

Priscila Hirschheimer

"No Brasil, até o passado é incerto." A frase se tornou célebre e tanto é verdadeira que até mesmo sua autoria é duvidosa, sendo atribuída ora a Pedro Malan, ora a Roberto Campos. De todo modo, se o passado é incerto, o que se dirá da previsibilidade do futuro em nosso país.
A esse respeito, a atual <a href="https://www.jota.info/eleicoes">instabilidade política pré-eleitoral</a>, a continuidade da pandemia sanitária, com uma nova variante se disseminando, e a instauração do conflito bélico na Ucrânia, com impacto significativo nas cadeias globais de suprimentos de diversos insumos, em conjunto, criaram um prato cheio para que os tribunais brasileiros revisitem a teoria da imprevisão, tópico crítico para a segurança jurídica e a estabilidade das relações contratuais.
Em termos teóricos, os requisitos para a revisão ou resolução contratual por onerosidade excessiva constam dos artigos 317 e 478 do Código Civil: é necessário que ocorra fato superveniente, extraordinário e imprevisível; a obrigação se torne, consequentemente, excessivamente onerosa para uma das partes; e um dos contratantes possa auferir extrema vantagem decorrente da situação inesperada.
A aplicação desses requisitos na prática tende a depender bastante dos fatos, observando-se uma tendência dos tribunais, ilustrada neste texto a partir de decisões do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior de Tribunal de Justiça (STJ)</a>: a de respeitar os termos contratados e analisar com rigor as circunstâncias e efeitos dos eventos extraordinários e imprevisíveis.
Entre os principais casos analisados pelo STJ nas últimas três décadas, estão a maxidesvalorização do real em face do dólar americano na década de 1990, a quebra de safra dos Estados Unidos nos anos 2000, a crise econômica do subprime em 2008 e, mais recente, litígios derivados da pandemia ocasionada pela Covid-19.
Na década de 1990, considerando o histórico inflacionário e as sucessivas modificações no padrão monetário experimentados pelo Brasil, o STJ consolidou entendimento de que a crise de 1999 da maxidesvalorização do real em face do dólar americano “não autoriza concluir pela imprevisibilidade desse fato nos contratos firmados com base na cotação da moeda norte-americana”, em se tratando de relações paritárias, que contaram com uma adequada alocação de riscos entre as partes (STJ, REsp 1.321.614/SP, rel min. Paulo de Tarso Sanseverino, rel para acórdão Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, J. 16.12.2014).
Anos depois, no início dos anos 2000, a quebra de safra dos Estados Unidos, somada à escassez de chuvas e à infecção de plantas pela doença denominada “ferrugem asiática”, também  não foi considerada pelo STJ como um evento imprevisível e excepcional apto a autorizar a revisão contratual (STJ, REsp 860.277/GO, rel. min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, J. 03.08.2010; STJ, REsp 945.166/GO, rel. min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, J. 28.02.2012).
Mais tarde, crises econômicas mundiais, como a do subprime em 2008, foram também consideradas pelo STJ como acontecimentos rotineiros e “cada vez mais frequente[s]”, não aptas a autorizar a revisão de contratos (STJ, AREsp 646945/SP, 3ª Turma, rel. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 18.08.2016; e REsp 1.689.225-SP, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, J. 21.05.2019).
Mais recentemente, a pandemia ocasionada pela Covid-19 acarretou novo desafio na aplicação da teoria da imprevisão. Apesar de ainda não existir jurisprudência consolidada sobre o tema, os ministros do STJ, em decisões isoladas, aliaram-se à jurisprudência antiga da Corte, tendo cautela e temperança para permitir a revisão contratual com base na teoria da imprevisão, posicionando-se no sentido de que os acontecimentos imprevisíveis devem exceder manifestamente os riscos inerentes à atividade empresarial desenvolvida para justificar tal revisão (STJ, AREsp 2.007.609-SP, rel. min. Raul Araújo, J. 03.03.2022; STJ, AREsp 1853561-SP, rel. min. Og Fernandes, J. 23.02.2022).
Atualmente, a pressão inflacionária, a instabilidade política, o aumento do preço das commodities e a crise sanitária global, acompanhada de um dos maiores conflitos bélicos desde a Segunda Guerra Mundial, que não apenas trouxe trágicas consequências humanitárias, mas também sanções econômicas em escala ainda não testada e com reflexos globais, agravaram um cenário já marcado por incertezas.
Mesmo diante da saudável moderação que pautou a aplicação da teoria da imprevisão pelo STJ nas últimas décadas, fica a indagação se será possível a revisão contratual diante de um acúmulo de fatos extraordinários e imprevisíveis, ainda que no Brasil o passado e o futuro sejam incertos.
Mais que o recurso ao Judiciário ou a outros métodos de resolução de disputa, o remédio para mitigar essa insegurança jurídica parece ser a adoção de arranjos contratuais mais sofisticados e que delimitem as regras de assunção e alocação de riscos, bem como a real vontade das partes contratantes, na linha do que permite o artigo 421-A do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm">Código Civil</a>.
Nesse sentido, assume maior relevo a estipulação de disposições contratuais que formalizem as circunstâncias da contratação, com a inclusão de declarações e garantias ou mesmo de “considerandos” que ilustrem, de modo mais claro, as premissas subjacentes ao balanço das prestações contratuais, de sorte a fornecer critérios objetivos para a definição do que, para os contratantes, realmente consubstanciarão fatos extraordinários e imprevisíveis.

revisão de contratos

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JOTA

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