Marcelo Firpo Porto

Wagner Lopes Soares

João Alfredo Telles Melo

Lucas Neves da Cunha

A ADI 5553, a ser julgada no STF, tem suscitado debates acerca dos impactos econômicos e o futuro da agricultura brasileira. A referida ação analisa a constitucionalidade dos benefícios fiscais aos agrotóxicos em relação ao ICMS e ao IPI, impostos de competência estadual e federal, respectivamente.
Estudo publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) conclui que, dos cerca de R$10 bilhões dos benefícios concedidos em 2017, 63,1% se referem ao ICMS, 16,5% ao IPI, 15,6% às contribuições sociais e 4,8% ao imposto de importação.
Principalmente para o imposto estadual (o ICMS), o cálculo da renúncia fiscal dos agrotóxicos é bastante complexo e exige metodologia consoante à legislação tributária em curso (Confaz 100/97, Lei 8.032/1990 e o anexo do Decreto 8.950/2016 entre outras). Aliás, a prorrogação anual do convênio Confaz 100/97 deveria, em tese, ser pautada por estudos que embasassem os benefícios sociais da isenção, já que vem sendo prorrogado por 23 anos.
<a href="https://conteudo.jota.info/solucoes-para-crise"><img class="aligncenter wp-image-244360 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-solucoes-para-a-crise.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Entidades ligadas ao agronegócio alegam que a isenção é necessária, entre outras razões, por baratear a cesta básica e favorecer a competitividade da agricultura brasileira.
Neste artigo buscaremos demonstrar a inconsistência de tais alegações. O incentivo a um insumo notoriamente prejudicial à saúde e ao meio ambiente apoia os lucros desse modelo de agricultura, mas não os direitos constitucionais do cidadão e o futuro sustentável do país.
Do ponto de vista constitucional e do interesse público, o alimento de qualidade e baixo custo na mesa dos brasileiros é essencial, mas isso não deveria incluir riscos evitáveis à saúde e ao meio ambiente de um modelo agrícola químico-dependente.
Argumentamos que os impactos causados pelo fim dos benefícios fiscais na cesta básica tendem a ser menores que os alertados pelos defensores dos agrotóxicos, principalmente no médio prazo, ao mesmo tempo que incentivará a transição para uma agricultura mais sustentável, orgânica e agroecológica.
Os incentivos fiscais representam uma das formas de intervenção do Poder Público nas relações econômicas, e deveriam potencializar benefícios sociais. Quando concedidos aos agrotóxicos, há um estímulo ao seu consumo e ao custo social relacionado ao seu uso.
<blockquote class="jota-article__eye">A não internalização dos danos sociais, ambientais e à saúde (externalidades ambientais arcadas pela sociedade), junto com a desoneração fiscal, gera uma distorção tanto na eficiência econômica percebida dos agrotóxicos, como na competitividade agrícola desse modelo.</blockquote>
Diferente de outros países, a atuação fiscal no Brasil não visa mitigar externalidades negativas geradas pelos agrotóxicos, e sim incentivar o seu uso. É um contrassenso ao que prescreve a literatura científica sobre sustentabilidade, regulação ambiental e sanitária. Principalmente nas condições de vulnerabilidade social e institucional que dificultam seu controle no país, o correto seria desonerar os alimentos e a cesta básica diretamente, não os agrotóxicos.
O incentivo fiscal gera barreiras econômicas para a introdução de métodos alternativos que viabilizem a transição para uma agricultura mais sustentável e saudável, ressalva feita aos produtos biológicos classificados como defensivos. Como os organismos combatidos pelos agrotóxicos criam resistências, o agricultor torna-se refém de novos princípios ativos que aumentam seus custos.
Conforme dados do censo agropecuário, entre 2006 e 2017, para um valor de produção de um real, os gastos com agrotóxicos saltaram cerca de 1200% para o algodão (R$0,01 para R$0,15), 588% a soja (R$0,02 para R$0,14), e 102% na cana-de-açúcar (R$0,04 para R$0,08).
Estudos empíricos demonstram que um agricultor convencional que faça a transição visando reduzir e eliminar o uso de agrotóxicos poderá sofrer no curto prazo uma perda de renda importante, porém irá se estabilizar no médio prazo e mesmo aumentar sua produtividade.
Para apoiar a transição, políticas públicas e tributárias deveriam onerar insumos como os agrotóxicos, e apoiar agricultores com linhas de crédito e assessoria técnica para práticas mais sustentáveis.
Parte desses recursos proveria da arrecadação que atualmente deixa de ocorrer em face da isenção aos agrotóxicos. Isso já ocorre em países como a França, onde a agricultura orgânica tem taxas reduzidas, que são muito maiores para substâncias ativas perigosas.
Na França e noutras partes do mundo, substancias nocivas às abelhas estão sendo banidas. Enquanto isso, o Brasil continua a dar pouca importância para a polinização de suas lavouras, cujos benefícios para a produtividade e a sustentabilidade são pouco percebidos pelos agricultores brasileiros e as instituições que apoiam o agronegócio.
Estudos sobre os serviços ecossistêmicos da polinização para a produção de alimentos no país foram estimados em R$ 43 bilhões em 2018. Enquanto isso, mais de 400 milhões de abelhas morreram entre o natal de 2018 e fevereiro deste ano em três estados (RS, MS e SP), apesar de cerca de 76% das plantas cultivadas no país dependerem de polinizadores.
Uma questão relevante diz respeito a como a tributação dos agrotóxicos afetará o preço dos alimentos, em especial da cesta básica. Os defensores dos benefícios fiscais aos agrotóxicos alegam que a quantidade deste seria mantida e os impostos cobrados seriam repassados para os consumidores. Contudo, considerar a demanda por agrotóxicos totalmente inelástica ao preço vai contra as conclusões de diversos estudos empíricos na literatura internacional.
De acordo coma teoria econômica predominante, a alteração do preço de equilíbrio no mercado derivada da tributação é absorvida pela demanda e pela oferta de acordo com a elasticidade de ambas curvas.
Ou seja, quanto mais sensível ao preço é o agente econômico, menor será sua parcela de absorção do montante de alteração do preço decorrente da tributação. Uma análise mais precisa exigiria analisar como cada cultura se comportaria frente às variações de quantidades, ofertas e demandas que influenciam o preço final dos alimentos.
Um importante aspecto a destacar é que grande parte da produção agrícola brasileira é formada por commodities, cujos preços são determinados pelo mercado internacional, e não por um possível aumento do imposto sobre um insumo utilizado. Além disso, a recente desvalorização cambial proporcionou uma grande margem de manobra para competitividade do agronegócio brasileiro.
Por outro lado, é esperado no curto prazo um impacto principalmente sobre as olericulturas que utilizam bastante agrotóxicos. Felizmente, as verduras são produzidas basicamente pela agricultura familiar que representam a maioria dos estabelecimentos agropecuários (64%), com um total de 28% da receita gerada da agropecuária.
Segundo o censo agropecuário, muitos desses agricultores familiares já não usam agrotóxicos, e há um enorme potencial para a incorporação de técnicas mais sustentáveis. Isso depende de um conjunto de políticas públicas que estimulem a transição agroecológica, como a implementação dos sistemas participativos de garantias e controle social da produção orgânica de forma a desonerar e flexibilizar o custo da certificação do produtor orgânico.
Quando comparamos os dois censos agropecuários, de 2006 contra 2017, verifica-se um crescimento de quase 1000% nos estabelecimentos certificados como orgânicos, e esse número poderá crescer de forma a reduzir os preços finais para os consumidores.
Portanto, quem ganhará com o fim dos subsídios aos agrotóxicos será a grande maioria da população, sejam agricultores, consumidores, trabalhadores e moradores de áreas pulverizadas que sofrem com a contaminação.

AA_produtos-organicos_0618042015-850×567

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Assim teremos segurança alimentar, direito ao meio ambiente equilibrado e incentivos para agricultura produtiva

O fim dos benefícios fiscais aos agrotóxicos é estratégico para o futuro do país

Assim teremos segurança alimentar, direito ao meio ambiente equilibrado e incentivos para agricultura produtiva