Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“Como é doce, quando os ventos açoitam as águas em alto mar, poder contemplar da terra as lutas alheias.”
<footer class="jota-article__quote-cite">Lucrécio</footer>
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O tempo da diplomacia não é o mesmo tempo da política. Ao passo em que a política opera no turbilhão dos desafios do tempo presente, das necessidades imediatas da geração atual, a diplomacia opera na perspectiva histórica, dos desafios de longo prazo para o desenvolvimento e a sobrevivência de uma civilização.  “A boa diplomacia”, ensinava o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, “é a que for capaz de equilibrar de forma criativa a urgência do presente com o inadiável do futuro".<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
No último dia 5 de março, concluiu-se uma negociação de quase 20 anos na ONU para o Acordo sobre a Conservação e o uso Sustentável da Biodiversidade Marinha em Áreas Além da Jurisdição Nacional (BBJN, na sigla em inglês). O novo instrumento, também conhecido como Tratado do Alto-Mar, foi negociado no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), também chamada de Convenção de Montego Bay, em referência à cidade jamaicana onde o instrumento foi concluído. A CNUDM já foi objeto de <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/os-40-anos-da-convencao-das-nacoes-unidas-sobre-o-direito-do-mar-22042022">diversas análises nesta coluna</a>.
Trata-se de um acordo verdadeiramente histórico que atesta a capacidade de cooperação da humanidade para proteger o ambiente marinho comum a todos, incluindo as gerações futuras. Ao passo que cerca de um terço dos oceanos encontra-se sob a jurisdição dos Estados, dentro de suas respectivas Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE), os outros dois terços restantes estão na área conhecida como alto-mar, fora das jurisdições nacionais e conformando um espaço não regulamentado, cuja diversidade biológica encontra-se sob risco de exploração predatória descontrolada. O tratado concluído no último dia 5 de março vem dar uma resposta da sociedade internacional aos riscos desta enorme área do globo terrestre.
O texto finalizado consagra o princípio do patrimônio comum da humanidade, que estabelece que nenhum Estado pode se apropriar do alto-mar e que a sua utilização deve se dar de maneira sustentável, para o benefício da humanidade como um todo, e não apenas dos países com capacidade tecnológica para exploração do espaço marítimo. O tratado prevê, por exemplo, a necessidade de se produzir estudos de impacto ambiental prévios à condução de atividades de mineração no subsolo marinho.
O acordo, de maneira equilibrada, reconhece que as áreas marítimas para além das jurisdições nacionais são reguladas, além do princípio do patrimônio comum da humanidade, também “pela liberdade da pesquisa científica marinha, juntamente com as outras liberdades do alto-mar.” Ou seja, o texto reconhece as tradicionais liberdades de ação dos Estados no alto-mar, mas as sujeita a serem exercidas em prol da humanidade como um todo.
O tratado inova, além disso, ao estabelecer um sistema sofisticado de repartição justa e equitativa dos benefícios advindos da exploração econômica dos recursos marinhos. O texto acordado prevê mecanismos, por exemplo, para o compartilhamento dos recursos obtidos pela comercialização de produtos fabricados com material proveniente do alto-mar.
O texto final do acordo ainda deverá ser submetido à adoção pelos Estados-Parte da ONU, que, após isso, deverão ratificar internamente o instrumento. O texto prevê a entrada em vigor do tratado 120 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, o que deve levar ainda alguns anos. A grande vitória da conclusão das negociações, contudo, está na capacidade demonstrada da sociedade internacional de cooperar para a preservação de áreas de interesse comum da humanidade, como o espaço de mar aberto, que cobre cerca de três quartos da superfície da terra. Que são, afinal, 20 anos? Passam como um sopro ao entardecer. O tempo da diplomacia não é o mesmo tempo da política. Tempus fugit, aeternitas manet.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> FLECHA DE LIMA, Paulo Tarso. Caminhos Diplomáticos. 10 anos de agenda internacional. 1985-95. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997. p. 17.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> O tempo passa, mas a eternidade permanece.

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JOTA

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